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Passado e presente: aposta e manipulações no futebol e no turfe

Thiago Lindemaier da Rosa 27 de maio de 2024

Nos últimos anos, percebemos a crescente explosão de casas de apostas no Brasil, as quais começaram a ser as principais patrocinadoras de clubes de futebol. A pesquisa disponível no ge.com aborda que os sites de apostas esportivas representam 68% dos patrocínios junto às equipes das Séries A, B e C. Até mesmo a CBF firmou um acordo de três anos para venda do naming rights do Brasileirão Série A com uma destas casas de apostas.

Em conjunto com o número expressivo das casas de apostas, as suspeitas e manipulações de partidas de futebol cresceram consideravelmente. Em 2022, veio à tona a operação Penalidade Máxima, que expôs uma série de irregularidades cometidas por diferentes agentes, como, por exemplo, jogadores e empresários. A operação revelou o funcionamento das manipulações, as quais possuíam um agente responsável por realizar propostas para os jogadores cometerem pênaltis e receberem cartões amarelo e vermelho. Caso os atletas aceitassem, ocorria uma compensação monetária referente ao valor total das infrações cometidas. Segundo o Ministério Público de Goiás, os valores variavam entre 50 mil reais e 150 mil reais para que cometessem as infrações.

Em abril de 2023, o MP de Goiás expôs a Operação Penalidade Máxima II, a qual tinha como objetivo obter novas informações acerca da organização de suspeitas e manipulações nas partidas de futebol, havendo suspeita de manipulações em cinco jogos da Série A no ano de 2022. Atualmente, a Operação está em sua terceira fase, a qual já encaminhou 10 mandados de busca e apreensão em Goiás e em mais quatro estados.

O envolvimento de agentes futebolísticos inseridos no mundo das apostas não é algo exclusivo do período que estamos vivenciando, visto que possui uma longa trajetória. Como é o caso do turfe, as populares corridas de cavalo, ao longo do século XIX. A prática equestre foi uma das principais, senão a principal, prática esportiva do país, atingindo diferentes grupos sociais da sociedade brasileira. Um dos primeiros prados instalados no país foi o Club de Corridas, em 1849, no Rio de Janeiro. A nova instituição surgiu em um período importante da história brasileira, pois se localiza temporalmente após um momento turbulento, marcado pelas dificuldades na consolidação da independência, sentidas tanto no Primeiro Reinado (1822-1831) quanto no Período Regencial (1831-1841). Posteriormente, outras regiões do país instalaram outros clubes turfístico, como, por exemplo, Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo.

Os clubes proporcionaram a uma grande parcela da sociedade brasileira momentos de lazer e diversão, além de resultar em uma maior dinamização social e urbana. Outro ponto que o turfe despertou em alguns foi a esperança de ascender economicamente na sociedade através do âmbito das apostas, visto que esse elemento não estava relacionado somente com os fatores lúdicos das corridas.

Segundo João Malaia Santos, para o funcionamento de um clube turfístico precisava ter uma pista fechada, arquibancadas, segurança e um sistema de organização de apostas. Um único clube de turfe era responsável por produzir todo o evento esportivo, sendo de responsabilidade dos proprietários de cavalos contratarem os jóqueis que fossem disputar os páreos ofertados pelas instituições. Os animais não corriam representando um clube, mas sim os seus proprietários.

Diário de Pernambuco, Pernambuco, 20 de setembro de 1888, p. 3.
Diário de Pernambuco, 20 de setembro de 1888, p. 3. acusando o jóquei Chrispim de manipulações nos páreos do Prado Pernambuco.

As análises acerca do turfe permitem compreender diferentes características da sociedade brasileira oitocentista. Por exemplo, ela nos permite entender como uma das primeiras práticas esportivas foi utilizada para obter maiores lucros por meio das apostas, visto que que eles frequentemente manipulavam as corridas disputadas. Neste sentido, havia uma série de agentes envolvidos, como jóqueis, proprietários de cavalos, juízes e membros dos clubes envolvidos em uma série de corridas arranjadas – esse fenômeno era conhecido como tribofe.

Obra de Victor Andrade Melo, Dicionário do esporte no Brasil do século XIX ao início do século XX
Obra de Victor Andrade Melo, Dicionário do esporte no Brasil do século XIX ao início do século XX

Victor Andrade Melo, em Dicionário do Esporte no Brasil do Século XIX ao Início do Século XX, discorre acerca do significado desta palavra:

Tribofes. Os tribofes eram as falcatruas, as confusões, as polêmicas, as brigas das mais diferentes naturezas que comumente aconteciam nos eventos de turfe*, mesmo que os clubes* se esforçassem para evitá-los. Subornos de jóqueis*, árbitros* que se enganavam nos resultados, algumas vezes tendo sido também “comprados”, armações de donos de cavalos” (MELO, 2018, p. 262 – 263).

Diário de Pernambuco, Pernambuco, 27 de fevereiro de 1889, p. 3. Nota de um proprietário de cavalo expondo que não poderia ser equiparado a um jóquei após acusações de manipulações de páreos disputado no Prado Pernambuco.
Diário de Pernambuco, Pernambuco, 27 de fevereiro de 1889, p. 3. Nota de um proprietário de cavalo expondo que não poderia ser equiparado a um jóquei após acusações de manipulações de páreos disputado no Prado Pernambuco.

Esta série de elementos ocorria com certa frequência nos prados, sendo comum as constantes publicações nos periódicos expondo diferentes agentes que orquestravam as corridas arranjadas. Um fator curioso é que majoritariamente a punição recaía sobre os esportistas, sendo incomum uma penalização mais severa aos proprietários de animais. Esse fator ocorria porque parte da população considerava os jóqueis como homens pobres, enquanto os proprietários eram homens que possuíam uma condição social e econômica mais elevada.

As apostas esportivas não são um problema atual, mas estiveram presentes em diferentes sociedades ao longo do tempo. Estas apresentaram problemas tanto para o futebol do presente quanto para o turfe ao longo do XIX em diferentes regiões do país.

Referências bibliográficas

MELO, Victor Andrade de. Dicionário do esporte no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2007.

SANTOS, João Manuel Casquinha Malaia. Economia do Entretenimento: o processo de monopolização do primeiro empreendimento esportivo no Brasil (1850-1930). Economia e Desenvolvimento, Santa Maria, v. 27, n. 1, p. 202-222, jul. 2015.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Thiago Lindemaier da Rosa

Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e bosista CAPES/DS. Licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Atua como participante do Grupo de Pesquisa Stadium/UFSM (Grupo de Pesquisa da História do Esporte e das Práticas Lúdicas).

Como citar

ROSA, Thiago Lindemaier da. Passado e presente: aposta e manipulações no futebol e no turfe. Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 29, 2024.
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