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Sete de Setembro Futebol Clube, o quarto time de Belo Horizonte

Rafael Inácio da Silva Caldas 9 de agosto de 2021

Ao contrário de cidades como Rio de Janeiro, Buenos Aires e Londres, que reúnem dezena de times, há bastante tempo, o futebol de Belo Horizonte se restringe América, Atlético e Cruzeiro. Porém, nem sempre foi assim.

A capital mineira foi inaugurada em 1897, e, logo em seus primeiros anos, viu o esporte inglês se difundir entre seus habitantes, que não tardaram a criar suas próprias agremiações. Nas palavras de Souto Mayor:

Os primeiros clubes de futebol fundados na cidade foram concebidos sob os preceitos do amadorismo inglês. Após a fundação do primeiro deles por Victor Serpa e seus amigos, o Sport Club Foot-Ball, seguiram-se outros, sob a mesma premissa do “mens sana in corpore sano” e com a presença da grafia inglesa: Plinio FootBall Club, Mineiro Foot-Ball Club, Juvenil Foot-Ball Club, Estrada Foot-Ball Club, dentre outros. (MAYOR 2017, Pág 18)

Esses nomes não são familiares aos olhos e ouvidos da maioria, até porque esses clubes não duraram muito no cenário esportivo municipal, e nem mesmo chegaram a participar das primeiras competições organizadas de Minas Gerais.

Também entre as equipes que participaram dos primeiros campeonatos disputados nas Alterosas, há uma infinidade de agremiações belo-horizontinas que não resistiram ao tempo. Casos de Yale, Higiênicos, Cristovam Colombo, Guarany, Alves Nogueira, Lusitano, Calafate, Fluminense da Lagoinha, Renascença. Entre os extintos, cabe uma menção honrosa ao sabarense Siderúrgica, campeão mineiro em 1937 e em 1964, que merece um texto à parte.

Mas agora falaremos de um clube que resistiu um pouco mais do que os previamente citados, e que está se planejando para voltar. Este clube esteve presente no primeiro campeonatos mineiro, fazendo sua primeira aparição no certame de 1916, atravessou a transição para o profissionalismo, ergueu seu próprio estádio, um dos palcos da Copa do Mundo de 1950, e, desde 1998, não entra em campo, mas luta pela preservação de sua memória, e quem sabe, voltar às competições profissionais.

Estamos falando do Sete de Setembro Futebol Clube. Como o nome sugere, o clube foi fundado em 07 de setembro, no ano de 1913. Ele tem a sua história associada à Zona Leste de Belo Horizonte, mais especificamente ao bairro da Floresta, daí a sua alcunha, o Tigre da Floresta.

Em “Futebol no Embalo da Nostalgia”, o jornalista esportivo mineiro Plinio Barreto  conta momentos históricos do futebol das Alterosas, e e menciona a relação do Sete com o bairro:

“Houve época em que o Sete tinha uma torcida que se rivalizava com as de Atlético, Palestra e América. A Floresta em peso se deslocava para ver o Sete onde o Sete estivesse. Seu corpo social era numeroso, com uma atividade constante, reunindo setembrinos em saraus dançantes. Os bares florestinos que se prezassem tinham sempre uma fotografia do time pregada nas paredes.” (BARRETO, 1973, PÁG 130)

Um detalhe curioso é que, na década de 1940, o clube temporariamente se chamou Sete de Setembro de Futebol e Regatas, voltando posteriormente à nomenclatura original.

Em idos dos anos 1910, a equipe alvirrubra mandava suas partidas na Chácara Negrão, atual Praça Otacílio Negrão de Lima, no bairro da Floresta. Posteriormente, jogou no V Batalhão de Policia Militar do Santa Teresa, bairro este limítrofe ao bairro da Floresta.

No final dos anos 1940, América, Atlético e Cruzeiro tinham cada um o seu próprio estádio. Vale destacar que os três estavam “dentro” da Avenida do Contorno, estando o Sete do outro lado do Rio Arrudas. No plano original da cidade, Belo Horizonte seria apenas o que estivesse dentro da Avenida do Contorno, estando o Sete na periferia da capital mineira. 

Faltava ao Sete de Setembro a sua própria casa, já que este jogava no campo dos outros clubes da capital, ou no campo do V Batalhão acima mencionado. Faltava! Em 1948, em um terreno entre as ruas Ismênia e Pitangui, no bairro do Horto (bairro vizinho de Santa Teresa e Floresta) se inicia a construção do estádio Raimundo Sampaio, o popular Independência.

As obras foram capitaneadas pela prefeitura de Belo Horizonte, na gestão de Otacílio Negrão de Lima, juntamente com o então presidente do Tigre, o então vereador Antônio Lunardi. O dirigente uniu o útil ao agradável: o Sete precisava de um estádio, e, em poucos anos o Brasil sediaria a Copa do Mundo e BH precisava de um monumento à altura do evento.

Estádio Indepedência
Foto: Facebook Sete de Setembro

O projeto original era um pouco diferente do que a versão construída. A proximidade da Copa do Mundo fez com que a arquibancada localizada atrás de um dos gols não fosse concluída, levando ao formato de ferradura.  Uma das marcas do Independência até os dias de hoje.

O estádio despontou como o maior dentre os estádios da cidade e um dos maiores do país, apto a receber o Mundial de 1950. E é justamente a história do estádio um dos fatores que fez o Sete não ser esquecido na memória dos belo-horizontinos. Os mais antigos ainda o chamam de “campo do Sete”.  

A ideia vigente na época era a de que um clube não se desenvolveria se não tivesse um estádio próprio, então a construção do Gigante do Horto era vista com ótimos olhos. Ali depositavam-se as esperanças de um futuro melhor para a equipe setembrina, que até então só havia conquistado o Torneio Início do Campeonato Mineiro em 1922.

Mas o futuro não foi generoso com o Sete, que mesmo com seu imponente estádio só voltou a erguer um troféu em 1956, a taça Coronel Oscar Paschoal. Ao passo que seus rivais conquistavam títulos jogando em domínios setembrinos, já que o Campo do Sete era o maior estádio da cidade, e consequentemente  o palco dos grandes jogos e das decisões do estadual, o Sete de Setembro não emplacava, alternado participações medianas e ruins no Campeonato Mineiro, foram campeões no Independência o Atlético em 1950, o Villa Nova em 1951, o América em 1957 e o Cruzeiro em 1959.

A cancha setembrina só perdeu o posto de maior estádio da cidade, em 1965, quando foi inaugurado o Mineirão. Com isso, o gigante do Horto cairia em período de ostracismo revezando algumas partidas do próprio Sete, ficando às minguas na maioria do tempo.

Sete de Setembro
Fonte: Facebook Sete de Setembro

Às minguas também ficou o próprio Sete, que disputou a Primeira Divisão Mineira pela ultima vez em 1976, passando a disputar de forma intermitente as divisões de acesso do futebol do estado.

Nos anos 1980, o estádio Raimundo Sampaio voltaria a ganhar protagonismo na cena do futebol de Belo Horizonte, após ganhar uma reforma promovida pelo Governo do Estado de Minas Gerais. Um velho rival do Tigre, o Coelho, que desde que vendeu o estádio da Alameda peregrinava entra o Vale Verde, em Contagem, e o Mineirão, viu no Independência a oportunidade de estar mais próximo de seus torcedores, saudosos do campo americano no bairro do Santa Efigênia, também vizinho do Horto.

Sete e América firmaram um contrato de cooperação que permitia ao Coelho mandar ali os seus jogos, tendo também que assumir a responsabilidade pela manutenção do estádio.

Foi no Independência que o América viveu a sua maior gloria: em 1997, quando faturou a série B do Campeonato Brasileiro. Esse foi também o último ano que o Tigre da Floresta disputou (e venceu) um torneio oficial. Com uma equipe formada em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais, conquistou o campeonato que atualmente denomina-se Segunda Divisão do Campeonato Mineiro, correspondente ao terceiro escalão no futebol estadual.

O certame teve também as participações do tradicional Siderúrgica, do Fabril de Lavras, do Esportivo de Passos de Minas e do Aciaria de Ipatinga. O Tigre passou bem pela primeira fase, e no quadrangular final, garantiu o título na última rodada ao superar o Fabril, no Independência.

O título lhe rendeu a classificação para o degrau seguinte, o Módulo 2 em 1998. Mas o projeto não foi para frente e o Sete não usufruiu da vaga conquistada. E deste então não voltou a atuar em competições profissionais. Por algum tempo ainda figurou em competições de base, até desaparecer por completo do cenário do futebol mineiro em 1998.

Posteriormente, o Independência seria incorporado ao patrimônio do América, e o Sete de Setembro deixaria de existir, deixando um vazio no futebol de Belo Horizonte, que ficou desfalcado de um dos mais tradicionais times dos primórdios do Campeonato Mineiro.

Sete de Setembro
Fonte: Facebook Sete de Setembro

O Sete se afastou dos gramados por um tempo, mas não morreria nunca o sonho de ser grande, e de fazer frente aos demais times da capital. O Sete de Setembro é um patrimônio da cidade, é parte da história da Zona Lesta de Belo Horizonte, é uma história que merece ser preservada e resgatada. Por tudo que representa o seu passado e pelo pioneirismo no futebol mineiro, o Tigre merece um lugar ao sol.

Atualmente o clube participa de competições amadoras de Belo Horizonte com equipes de juniores, juvenis, e também time de futebol feminino, sonhando em voltar aos embates com América, Atlético e Cruzeiro.

Enquanto não volta a jogar no Independência ou no Mineirão, é nos campos da várzea que o Tigre da Floresta vem renascendo na esperança de em breve estar novamente filiado a Federação Mineira de Futebol, já que aos poucos vem reativando suas categorias de base e equipe de futebol feminino.

Este resgate histórico ressalta a importância do clube rubro no cenário esportivo belo-horizontino, esperamos que este seja o princípio de um processo que resulte na volta do Sete de Setembro ao campeonato mineiro.

Referências

BARRETO, Plinio. Futebol no Embalo da Nostalgia. Belo Horizonte: Santa Edwiges, 1973. 204 p.

MAYOR, Sarah Teixeira Soutto. O FUTEBOL NA CIDADE DE BELO HORIZONTE:: amadorismo e profissionalismo nas décadas de 1930 e 1940.. 2017. 359 f. Tese (Doutorado) – Curso de Educação Física, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2017.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

CALDAS, Rafael Inácio da Silva. Sete de Setembro Futebol Clube, o quarto time de Belo Horizonte. Ludopédio, São Paulo, v. 146, n. 18, 2021.
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