45.4

Todos os Homens do Jornal dos Sports

André Alexandre Guimarães Couto 13 de março de 2013

Neste breve texto que vos apresento, retomo a discussão em torno dos cronistas do Jornal dos Sports. No texto anterior, apresentamos Vargas Netto, importante articulista deste jornal entre as décadas de 1940 e 1950. Mais do que um redator, Vargas Netto era também um literato e autor de obras poéticas no Rio Grande do Sul.

Hoje, porém, retomamos com Geraldo Romualdo da Silva. Autor de diversas crônicas neste veículo, era jornalista esportivo desde a década de 1930, tendo ingressando na primeira administração do JS (1931-1936) sob a direção de Argemiro Bulcão e compartilhava, com seus colegas de redação, da campanha “A Batalha do Estádio” que o jornal empreendia para vencer as últimas resistências em torno da construção do Maracanã. Menos literato e mais jornalista, se é que podemos fazer esta separação formal, Geraldo assinava matérias e crônicas e ganharia mais espaços no periódico, pois se destacava na cobertura de grandes eventos esportivos como a Copa do Mundo de 1938, na França, por exemplo.

Jornal dos Sports

Mesmo com os cuidados para não cairmos no anacronismo, mas propondo apenas uma comparação temática, em tempos atuais em que as notícias da construção e reforma dos estádios brasileiros para a Copa de 2016 poderiam estar tranquilamente nas páginas policiais, segue um exemplo de crônica do referido autor:

(…) É inestimável, é incalculável e é inacreditável o que se ficará devendo à “Copa do Mundo” de 50, como agente de expansão do nome do Brasil. Praza a Deus que nos campos das próximas refregas, possamos contar com atletas que ratifiquem pelo empenho, pela capacidade técnica e pela disciplina, essa publicidade, que tem suplantado em muito, em tudo, o café, ao samba e ao “colar de pérola” de Copacabana.
Porque esta é uma dura verdade, mas é uma verdade os europeus não nos conhecem senão pela força desses agentes e, um pouco, também, pelas graças de Carmen Miranda…
Incrível, pois não? Mas acreditem nessa dura verdade. Nessa verdade que muito custa a ser dita, mas que deve ser dita em benefício da própria verdade.
(…)
Mas, já que se aponta o football como o mais recente e o mais sério rival do café, do samba e de Carmen, é justo e natural, entretanto, que se o tenha “xipofagamente” ligado ao Estádio Municipal.
Sim, porque desde que se anunciou ao mundo que anda em crescimento no Brasil, um estádio com capacidade para 155 mil pessoas, nada se conta nem nada se diz ou se escreve na Europa em relação à “Coupe Jules Rimet”, que também não tenha por base o Estadio Municipal – esse nosso estádio que continua aparecendo aos olhos dos europeus menos crédulos como um simples prenuncio de estádio. (Jornal dos Sports. Rio de Janeiro, 03/01/1950)

Apesar de não estar investido em um cargo político propriamente dito, o que ocorria com outros colegas de JS, Geraldo adotava a defesa do discurso em torno de uma característica cada vez mais nacional: o futebol. A praça de esportes não seria representativa se a víssemos de forma isolada e estática, mas apenas se a enxergássemos de forma estrutural, um símbolo da capacidade técnica do brasileiro de jogar este esporte. Uma representação comunicativa que visava elevar o padrão de reconhecimento da identidade cultural do Brasil para além do já conhecido: “café”, “samba” e “praia”, além, é claro, da presença de Carmen Miranda, que mesmo sem ser brasileira, representava a beleza, alegria e irreverência do nosso povo.

O Brasil teria uma oportunidade única de mostrar ao mundo de que seria o país do futebol e tal informação tornava-se factível pela construção do Estádio Municipal. Se ainda não tínhamos o título da Copa do Mundo, teríamos o título de maior estádio do mundo e muitas possibilidades de conquistar o campeonato em casa. O futebol, para o cronista, seria uma das principais identidades brasileiras no plano internacional, como o café, Carmen Miranda e a Praia de Copacabana.

 

Se Mário Filho liderava o JS na campanha pela “batalha do estádio”, há que se chamar a atenção da atuação dos vários escritores que fizeram da crônica esportiva a sua arma principal. Nomes como Vargas Netto, Geraldo Romualdo da Silva e outros construíram uma trincheira literária em prol da construção do estádio e da importância que este teria para o êxito brasileiro na Copa do Mundo de 1950.

Para além do futebol, o esporte seria um meio de abrir caminho para o progresso do Brasil, por meio de uma construção arquitetônica moderna, arrojada e, sobretudo, internacional. Tais autores, tomando para nós os estudos de Bourdieu, exerciam uma autoridade delegada do discurso, ou seja, a linguagem utilizada pelos cronistas possibilitava o entendimento pelos leitores da institucionalização de determinadas ideias. Aqueles estavam instituídos de forma múltipla: pelo público leitor, pela direção do jornal e pelos próprios pares no mundo jornalístico.

Hoje, na sangria de dinheiro público com a construção de estádios em lugares onde a média de torcida é um número muito pequeno, sem falar de reformas infindáveis e com construtoras mais do que suspeitas (caso do Rio de Janeiro), segue uma pergunta: quem instituiu o discurso de parte da imprensa que defende estes disparates? Difícil de saber.


Referências Bibliográficas:

BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Linguísticas: O que falar quer dizer. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1996.

SILVA, Geraldo Romualdo da. A “Copa do Mundo” Descobre o Brasil…Base da Propaganda: Estadio Municipal. In: Jornal dos Sports. Rio de Janeiro, nº 2.648, 03/01/1950. p. 3.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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André Couto

Professor, historiador, especialista em História do Brasil (UFF) e em Educação Tecnológica (CEFET/RJ) e mestre em História Social (UERJ/FFP). Doutorando em História (UFPR).

Como citar

COUTO, André Alexandre Guimarães. Todos os Homens do Jornal dos Sports. Ludopédio, São Paulo, v. 45, n. 4, 2013.
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