A trama e os silêncios: mídia, futebol e compadrio em negociatas
“Sempre leio primeiro a página de esportes, que registra os triunfos das pessoas. A primeira página não me diz nada além dos fracassos do homem”. A frase é de Earl Warren, político e ex-chefe da Justiça dos Estados Unidos. Contudo, nem sempre a seção de esportes trata de triunfos. Nos últimos meses, abriu espaço para, se assim podemos chamar, “fracassos do homem”. Suborno, corrupção, propina, delações, mortes. Poder. Uma trama que envolve dois setores de grande visibilidade e, por isso, muita influência na sociedade: as redes de televisão e o futebol.
Com o, no mínimo estranho, assassinato no dia 19/11/17, do vice-presidente da Televisa, Adolfo Lagos, na Cidade do México, já são dois mortos entre os citados na delação de Alejandro Burzaco – executivo argentino que confessou participar de corrupção no futebol sul-americano, nos desdobramentos das investigações do escândalo da FIFA revelado em 2015. Além dele, na terça-feira passada, o advogado Jorge Alejandro Delhon teria se jogado na frente de um trem, em Lanús, na Argentina. A polícia local fala em suicídio. As mortes aconteceram pouco depois das denúncias de Burzaco. Coincidência… Em depoimento no Tribunal Federal do Brooklyn, em Nova York, o ex-executivo da empresa Torneos y Competencias disse que pagou propina para diversos altos executivos da Confederação Sul-Americana de Futebol, a Conmebol. Nem só os cartolas foram envolvidos. Grupos de Televisão também foram citados e acusados de pagar propina a Julio Grondona, ex-presidente da AFA e então membro do comitê financeiro da Fifa, na compra dos direitos de transmissão das Copas do Mundo de 2026 e 2030.

As investigações do “Fifa Gate” continuam. Um dos nomes citados, desde 2015, é o do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero. Ele é acusado de três crimes nos EUA: conspiração, lavagem de dinheiro e fraude eletrônica. Isso por supostamente ter recebido propinas por contratos da CBF. Já é clássico e sabido: Del Nero não pode viajar para países onde os Estados Unidos têm acordo de extradição. Senão, é preso! Envolvido em denúncias, foi suspenso pela FIFA por 90 dias. Talvez nem volte a presidir a entidade máxima do futebol brasileiro.
Por si só, são denúncias graves que a imprensa, a meu ver, deveria trazer mais em sua cobertura jornalística. Contudo, o número de reportagens dentro do noticiário sobre os crimes e os desdobramentos dessa suspensão está aquém ainda. São poucas as vozes e tão frágeis em sua cobertura, que configura quase um silêncio da mídia. Não me recordo de assistir a uma incessante busca por respostas sobre a possível participação dos dirigentes brasileiros nessa conspiração envolvendo Fifa, confederações, meios de comunicação, dirigentes etc.

Com a Seleção Brasileira bem em campo, com Tite como ídolo e “garoto propaganda”, frequente em anúncios publicitários, é cada vez mais escasso assistirmos ou lermos uma cobrança sobre a situação do dirigente ou sobre quem assume o comando na sua ausência. A CBF, assim, torna-se um retrato da política nacional atual: denúncias, provas, crimes e punição – quando vem – tardia. Ares de imunidade.
O uso da Confederação Brasileira de Futebol para se levar vantagem em acordos é algo que nos leva a uma reflexão: Como interferir numa organização privada? Mas não é uma organização qualquer, é uma entidade de interesse público, já que ela é responsável por gerir um dos símbolos nacionais. É uma dúvida, confesso. Está tudo imbricado nessa relação público e privado no futebol brasileiro. Veja a “construção” da Copa de 2014: estádios, cidades, negociatas…
Com anuência de parte da mídia, Del Nero, mesmo afastado, tem o jogo nas mãos. Candidato único, foi eleito ainda em 2014, antes da Copa, com ampla maioria dos votos. Segue a cartilha de Ricardo Teixeira e José Maria Marin para se perpetuar no poder: o compadrio de Federações, cartolas corruptíveis e clubes amedrontados, além de uma imprensa com o “rabo-preso”. Fora de cena, mas não da ação, não deve deixar de ter influência no alto escalão.
Com todo esse cenário policial-político-esportivo, o Jornalismo Esportivo Investigativo padece na omissão de buscar respostas e fomentar o debate sobre o presidente e a atual condição da CBF.