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Uma luta incansável, meu sonho cumprido

Keka Vega Leandro 16 de agosto de 2020

A paralisação da vida devido à crise atual atingiu duramente os mais fracos. No futebol, são as mulheres, justamente quando começavam a conquistar marcos como o primeiro acordo coletivo do setor na Europa. 

Keka Vega Leandro (ex-jogadora e dirigente da Asociación de Futbolistas Españoles – AFE).

O ano de 2019 foi um incrível e importante para o futebol feminino. Não só pelo recorde de audiência e público nos campos de futebol (não esqueçamos o sucesso precedente na Copa do Mundo Feminina disputada na França ou a partida que aconteceu na Wanda Metropolitano entre Atlético de Madrid e FC Barcelona, com 60.739 espectadores), mas também pelas justas reivindicações das jogadoras de futebol em sua luta para regularizar e melhorar seus direitos trabalhistas.

Mas, se 2019 foi marcado pelos protestos, 2020 nos deixará dois dias inesquecíveis: 18 de fevereiro, dia em que foi dado um passo definitivo em direção à igualdade, no dia foi assinado o I Convenio Colectivo de Fútbol Femenino da história da Europa. E no dia 14 de março, data em que o Governo decretou o estado de alarme, interrompendo, como em outras áreas, a tendência de crescimento que o futebol feminino havia começado a vivenciar antes do início da pandemia. 

Devo dizer que não foi nada fácil selar o acordo histórico. Mais de um ano de negociações, mais de 30 encontros e até uma greve que foi um sucesso absoluto, pois contou com o apoio de 100% de todas as equipes da 1ª Divisão Feminina. Uma decisão cabível apenas para as mais valentes, e esses são as nossas jogadoras de futebol, que decidiram parar a competição durante a 9ª rodada da Liga, uma ação fundamental e decisiva para os clubes e sindicatos chegarem a um pré-acordo.

Há mais de 20 anos, e antes de tudo isso acontecer, eu sonhava um dia ser jogadora de futebol profissional. Meu treinador, naquela época, meu pai, nunca me explicou que as jogadoras de futebol não podiam viver da profissão, que não eram consideradas trabalhadoras, que não tinham direitos. Ao contrário, ele me ensinou a lutar pelo meu sonho com a mesma intensidade com que lutou e trabalhou pelo futebol feminino.

Cresci vendo como ele organizava um campeonato de futebol feminino na minha cidade, lutando para conseguir um pedaço de campo para eu treinar, procurando patrocinadores… Definitivamente, ele melhorou as condições para que eu e muitas outras meninas continuássemos sonhando. No verão passado, encerrei minha carreira esportiva, depois de 14 anos na elite do futebol feminino espanhol. Durante todos esses anos ganhei Ligas, Copas, joguei competições europeias e até vesti a camisa da Seleção Espanhola.

Realizei todos os meus sonhos no mundo do futebol profissional, mas nunca pude contar com um documento oficial que incluísse meus direitos de trabalhadora. 

Depois de 23, e como ex-jogadora de futebol e integrante da mesa de negociações do I Convenio Colectivo e em nome do sindicato majoritário, AFE, presenciei junto com cerca de trinta jogadoras de futebol, amigas e ex-companheiras, um ato no Congresso dos Deputados em que finalmente homenageou as mulheres, que já possuem um marco legal que reconhece seus direitos, direitos que não eram reconhecidos até agora.

Um marco para o esporte feminino cujos principais pontos são: salário mínimo de 16.000 euros brutos anuais, jornada de trabalho de 35 horas semanais no cálculo semestral, férias remuneradas, recebimento de 100% do salário em caso de baixa por doença ou lesão, indemnização de 60.000 em caso de morte e 90.000 em caso de invalidez permanente e renovação automática por mais uma temporada nas mesmas condições em caso de gravidez.

Sem dúvida, um momento único e emocionante que mudará nossas vidas para sempre. Hoje, o futebol feminino está ameaçado pelas implicações da crise atual. Cabe a nós continuar lutando, mais uma vez, para que os investimentos pré-crise não sejam retirados do futebol feminino e assim possamos seguir mantendo um cenário de crescimento.

“POR LAS QUE ESTUVIMOS, POR LAS QUE ESTÁN Y POR LAS QUE VENDRÁ”

Tradução: Victor Figols

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

LEANDRO, Keka Vega. Uma luta incansável, meu sonho cumprido. Ludopédio, São Paulo, v. 134, n. 37, 2020.
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