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Vamos aproveitar bastante Copa do Mundo de 2023, mas depois tem mais!

No ano de Copa do Mundo, direcionamos nossa atenção às jogadoras e seleções que há quatro anos se preparam para esse megaevento. É um momento importante para as discussões e para a visibilidade do esporte. Jornalistas, organizações esportivas e cientistas reúnem dados e disseminam informações sobre o contexto atual da modalidade. A partir deles, analisamos o desempenho de diversos países, conhecemos a trajetória de importantes personagens e refletimos sobre a situação atual do futebol de mulheres no Brasil e em demais nações. Essas informações nos dão pistas do que esperar dessa próxima edição e do futuro do esporte no nosso país.

A Copa do Mundo 2023, realizada na Austrália e Nova Zelândia, já nos presenteou com o aumento de 24 para 32 equipes participantes (FIFA, 2019). Entre os países debutantes, se encontram o Haiti, Marrocos, Panama, Filipinas, Portugal, Irlanda, Vietnam e Zâmbia (FIFA, 2023). Essa novidade possibilita que o esporte amplie seu alcance entre torcedores e torcedoras de diferentes países do mundo e que mais pessoas reconheçam o potencial do futebol de mulheres.

Copa mundo Feminina
Fonte: wikipédia

Mas, essa mudança também é acompanhada por uma desconfiança de placares elásticos e jogos desequilibrados. Esse cenário pode ser encontrado em algumas partidas, principalmente na primeira fase, porque o saldo de gols é um dos critérios de desempate da primeira e segunda colocação dentro de cada grupo. A melhor colocação nesse momento pode garantir uma maior tranquilidade nas fases eliminatórias. Por isso, comissões técnicas têm destinados esforços para analisar os desempenhos de outras equipes e estabelecer estratégias de jogo que maximizem as chances de gols e, consequentemente, de vitória. Além desses esforços, o jogo de futebol é imprevisível e, mesmo que informações a priori indiquem uma partida equilibrada, diversos fatores podem influenciar o desempenho das equipes levando a uma goleada.

Os motivos apresentados anteriormente explicam a possível diferença de gols nos jogos iniciais. Mas, é importante não confundirmos esse cenário com uma falsa sensação de baixa competitividade entre as equipes. Estudos que analisaram o desempenho das seleções nacionais ao longo das edições da Copa do Mundo de futebol de mulheres mostraram que, embora a quantidade de times tenha aumentado ao longo do tempo, a diferença de gols entre as equipes tem diminuído e a competitividade das seleções tem aumentado (ARAÚJO e MIEßEN, 2017; BARREIRA e SILVA, 2016). Somado a esses trabalhos, o relatório da FIFA sobre a Copa do Mundo de 2019 mostrou um aumento de 16 a 32% das corridas em alta velocidade entre jogadoras de diferentes posições e um aumento significativo da distância percorrida nessa intensidade (FIFA, 2020). Se essa edição der continuidade às anteriores, certamente podemos esperar partidas eletrizantes e com uma elevada competitividade.  

A qualidade das partidas também leva a uma alta expectativa em relação à audiência da competição. No mesmo relatório da Copa do Mundo de 2019, a FIFA mostrou que a audiência da partida final quase dobrou em relação à edição anterior (FIFA, 2020). Em outras competições internacionais também encontramos o futebol de mulheres entre as principais audiências televisivas. Nos Jogos Olímpicos realizados no Brasil, a partida de quartas-de-final disputada entre Brasil e Austrália ficou em quarto lugar. Embora os horários dos jogos dessa edição prejudiquem a audiência no território nacional, diversas ações têm sido propostas para fomentar a participação da torcida brasileira. Entre elas, a Globo transmitirá na TV aberta os sete jogos que correspondem às partidas disputadas pelo Brasil até chegar à final (GLOBO, 2023). No YouTube, o canal CazéTV fará a transmissão de uma partida por dia, totalizando 24 jogos ao longo da edição.

Outro importante avanço para essa edição corresponde ao recente decreto do presidente Lula ao tornar ponto facultativo os jogos da seleção brasileira. Órgãos públicos estaduais e municipais também se mobilizaram nesse sentido. Entre eles, se encontram o governo do Maranhão, a prefeitura de Natal/RN e de Araraquara/SP. Oportunizar que cidadãos e cidadãs acompanhem nossa seleção também é fomentar um vínculo afetivo com a prática do futebol por mulheres e tentar reverter o histórico distanciamento e falta de suporte às praticantes.

Além de acompanharmos as partidas e as jogadoras, também é importante aproveitarmos esse momento para visibilizar ainda mais as mulheres que atuam fora das quatro linhas e que tem uma enorme responsabilidade com o desempenho das equipes. Treinadoras, auxiliares, gestoras e entre tantas outras profissionais que precisam ser conhecidas e reconhecidas por ocuparem um espaço ainda majoritariamente dominado por homens (GOELLNER; CABRAL, 2022). Na atual edição, 11 mulheres estão a frente como treinadoras principais. Entre elas está a treinadora da seleção brasileira, Pia Sundhage, que junto com mais 16 mulheres lidera nossa delegação. É importante que as trajetórias dessas personagens sejam conhecidas e que as futuras gerações identifiquem outros espaços que podem ser ocupados por mulheres dentro do futebol. 

Embora esse olhar seja bastante otimista para os próximos 30 dias de competição, é importante lembrar que o futebol de mulheres continua, mesmo depois do encerramento dessa edição. O Brasil, assim como tantos outros países, ainda enfrenta diversos desafios como a profissionalização das jogadoras (MARTINS et al., 2023), o baixo público nos estádios e a sub representatividade de mulheres em cargos de liderança (PASSERO et al., 2020). É importante que a visibilidade dessa competição nos torne ainda mais atentas e atentos para a prática do futebol por meninas e mulheres, e mais exigentes por mudanças no nosso país. Agora que já nos preparamos, vamos aproveitar bastante Copa, mas depois tem mais!

Referências

ARAÚJO, Maithe Cardoso; MIEßEN, Kathrin AM. Twenty years of the FIFA women’s world cup: an outstanding evolution of competitivenessWomen in Sport and Physical Activity Journal, v. 25, n. 1, p. 60-64, 2017.

BARREIRA, Júlia; DA SILVA, Carlos Eduardo. National teams in Women’s Soccer World Cup from 1991 to 2015: participation, performance and competitivenessJournal of Physical Education and Sport, v. 16, n. 3, p. 795, 2016.

FIFA. FIFA Council unanimously approves expanded 32-team field for FIFA Women’s World Cup. 2019. Disponível em: https://www.fifa.com/tournaments/womens/womensworldcup/france2019/media-releases/fifa-council-unanimously-approves-the-expansion-of-the-fifa-women-s-world-cup-to. Acesso em 10 de jul. de 2023.

FIFA. The eight Women’s World Cup debutantes in focus. 2023. Disponível em: https://www.fifa.com/fifaplus/en/articles/eight-womens-world-cup-2023-debutantes-first-time-qualification-coaches-star-players. Acesso em 10 de jul. de 2023.

FIFA. Physical analysis of the FIFA Women’s World Cup France 2019. 2020. Disponível em: https://digitalhub.fifa.com/m/4f40a98140d305e2/original/zijqly4oednqa5gffgaz-pdf.pdf. Acesso em 10 de jul. de 2023.

GOELLNER, Silvana Vilodre; CABRAL, Juliana Ribeiro. As pioneiras do futebol pedem passagem: conhecer para reconhecer. São Paulo: Editora Ludopédio, 2022.

MARTINS, Mariana Zuaneti; DELARMELINA, Gabriela Borel; SOUZA, Letícia. O futuro do futebol é feminino? Passos e impasses para a profissionalização do futebol de mulheres. In: ATHAYDE, Pedro Fernando Avalone; HÚNGARO, Edson Marcelo (org.). Estudos do futebol: temas emergentes e desafios contemporâneos. Curitiba: Editora CRV, 2023.

PASSERO, Julia Gravena et al. Futebol de mulheres liderado por homens: uma análise longitudinal dos cargos de comissão técnica e arbitragemMovimento, v. 26, 2020.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Júlia Barreira

Professora na Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Desenvolve pesquisas relacionadas à participação e ao desempenho de mulheres no futebol. Recebeu o Prêmio Brasil de Teses e Dissertações sobre Futebol ao investigar o processo de desenvolvimento do futebol de mulheres em 11 países do mundo.

Como citar

BARREIRA, Júlia. Vamos aproveitar bastante Copa do Mundo de 2023, mas depois tem mais!. Ludopédio, São Paulo, v. 169, n. 19, 2023.
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