Neste estudo, de modo geral, abordo a questão do poder e das suas resistências no futebol brasileiro. De modo específico, analiso os efeitos das relações futebol-empresa sobre a estrutura de poder dos clubes, tendo como ponto de partida a gênese dessa estrutura. Na construção deste processo de gênese ou genealogia, dentre outros elementos formadores, descrevo os aspectos simbólicos e ideológicos da cultura do futebol no Brasil, o exercício do poder, o perfil dos dirigentes, o papel do Estado, a legislação e a crise financeira e administrativa dos clubes. Aponto também o que considero um novo momento da instrumentalização econômica do futebol, ou seja, a globalização dos seus negócios, especialmente as relações entre as empresas e os clubes. Esses cenários demarcam momentos da história social e política do futebol brasileiro, em que assume relevância uma Velha estrutura” de poder que vem se mantendo nos clubes, representada por um personagem chamado pejorativamente de “cartola”. Com o surgimento das relações futebol-empresa na década de 80 e sua intensificação na década de 90, por meio de estratégias de marketing aplicadas ao esporte, como os patrocínios e as parcerias, a empresa passou a ser um novo ator nos negócios e a interessar-se pela gestão do futebol nos clubes, gerando resistências locais.
No plano teórico, a partir da preocupação em interpretar e criticar o modelo tradicional da administração do futebol nos clubes brasileiros, face às relações futebol-empresa, recorro às contribuições de Marx, Weber e Bourdieu, no sentido de complementaridade conceituai. Estabeleço relações entre as noções de ideologia, ação social e habitus, considerando o futebol como um espaço de poder e de produção de resistências nos clubes. Na perspectiva empírica, analiso a prática das relações futebol-empresa e coloco em questão “Se” e “como” os patrocínios e as parcerias provocam mudanças e “quais” mudanças se verificam nos clubes. As evidências extraídas de entrevistas feitas em 1997 com empresários, dirigentes de clubes, jogadores de futebol, jornalistas e outros informantes-chaves, tendo como referências três grandes clubes da capital paulista (o São Paulo Futebol Clube, o Sport Club Corinthians Paulista e a Sociedade Esportiva Palmeiras) e seu relacionamento com empresas, refletiram apenas uma modernização parcial na estrutura de poder num desses clubes. Que forças e interesses teriam impedido sua transformação radicai para uma gestão moderna e empresarial? Os resultados da pesquisa demonstram ainda tensões, conflitos, acomodações e adaptações nessa estrutura, colocando frente a frente um modelo “tradicional”, “paternalista” e “amador”, típico dos clubes, e um modelo “moderno”, “empresarial” e ‘profissional”, próprio das empresas capitalistas. Enfim, em razão das resistências da “velha estrutura”, concluo que as relações futebol-empresa têm-se orientado mais para o mercado do que para a gestão dos clubes. Desse modo, as tendências apontam não apenas uma reprodução ou permanência dos “velhos cartolas” no poder, mas a produção de um “novo cartola” do futebol: a empresa capitalista.