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Museu do Benfica: clubes de futebol (re)construindo memórias

Como se diz em Portugal, “o Benfica é muito grande”. Realmente é impossível negar a sua grandeza. Estima-se que 60% da população portuguesa torce pelo clube encarnado, além de ser o maior colecionador de títulos no futebol português com 32 campeonatos nacionais e 24 Taças de Portugal .

Recentemente, dentro das quatro linhas, a hegemonia do Benfica tem sido colocada em causa pelo sucesso do seu rival do norte, o FC Porto, mas no campo simbólico, o clube da Luz tem feito grandes investimentos que contribuem para a manutenção de seu nome no cenário nacional e internacional. Uma dessas iniciativas foi a criação da Benfica TV em 2008, e que a partir de Agosto de 2013 passou a transmitir os jogos, em casa, do próprio clube, e a outra iniciativa, sobre a qual vamos tratar agora, foi a criação do Museu Benfica – Cosme Damião.

Desde a sua inauguração, em 29 de Julho, até o passado dia 23 de Dezembro, o museu, que traz no nome um dos fundadores do clube, alcançou a marca de 25 mil visitantes, e venceu o prêmio de “novidade do ano” pela Revista Time Out de Lisboa. O primeiro passo para a sua estruturação foi criação do Departamento de Reserva, Conservação e Restauro, em 2010, que contribuiu para a inventariar, restaurar, identificar e organizar grande parte do espólio que constitui o acervo do Museu Benfica.

Museu Cosme Damião. Foto: Novaconta – Wikipédia.

O site do Benfica tem uma parte especialmente dedicada ao museu. Nela, é possível ver a descrição de cada uma das 29 instalações do museu, distribuídas em 2 andares. O museu mescla bem a sua vertente patrimonial, destacando, principalmente, troféus, e objetos históricos, com uma inclinação moderna, ao utilizar recursos multimídia para contar as história do clube com imagens da TV, digitalização de jornais, acervo de rádio, jogos interativos, dentre outros. No site ainda é possível assistir a vídeos que fazem um tour pelo museu, que podem ser vistos:

https://www.youtube.com/watch?v=myiEuzt6JQA

https://www.youtube.com/watch?v=9uqEYqBxr0U

A construção de museus de clubes de futebol não é uma invenção do Benfica. Outros clubes na Europa tem iniciativas semelhantes, mas chama atenção que instituições esportivas, que, cada vez mais, se movimentam em uma esfera econômica, se organizando como empresas multinacionais – no caso dos grandes clubes europeus – estejam investindo em iniciativas que valorizem o aspecto cultural e simbólico do esporte.

Myriam Sepúlveda dos Santos diz que a criação dos museus, dentre outros elementos, fizeram parte da construção de um ideal de nação, de memórias coletivas, tradições inventadas que sustentavam o imaginário por trás do estabelecimento dos Estados-Nação. Destaco ainda duas passagens de seu texto: “os museus dão a impressão de que preservam o passado. No entanto, longe de preservarem um significado eterno inerente a objetos, eles atribuem novos significados a objetos que foram retirados do tempo e do espaço em que foram originalmente produzidos” e que “diversos atores, sejam eles indivíduos, grupos ou nações, utilizam a memória com o objetivo de fortalecer identidades e defender interesses específicos”.

Se junto a essas afirmações, considerarmos as posições de Jameson sobre a virada cultural, e a tese de Lash e Urry que aponta que a economia atual apresenta crescente importância em elementos simbólicos – informação, imagens, desejo – podemos interpretar a iniciativa do Benfica como uma maneira de investir na sua marca e expandir o seu poder econômico.

Estátuas do Eusébio. Foto: Fernando Borges.

Bolas e camisas na loja do Benfica e a terceira imagem um troféu exposto no Museu. Foto: Fernando Borges.

Uma possível evidência para isso é a seção criada na loja de produtos do clube com o nome do museu – Cosme Damião. Lá é possível encontrar varias réplicas, dentre elas a camisa do Benfica campeão europeu em 1960/1961, a primeira camisa do clube e a bola da finais europeias contra o Real Madri e o Barcelona.

No entanto, o Futebol, como elemento cultural, é vivo. A dificuldade de lidar com a patrimonialização do futebol já foi levantada por Clara Azevedo e Daniela Alfonsi, justamente por causa da interação entre público e acervo, e a dificuldade em mapear e catalogar as manifestações futebolísticas fora do museu. Cada um reage de acordo com a sua maneira, e em se tratando da constante produção e interpretação de novos acontecimentos e objetos futebolísticos, o universo de análise está em constante mutação.

 

Referências:

Azevedo, C. e Alfonsi, D. A patrimonialização do futebol: notas sobre o museu do futebol. Revista de História, São Paulo, n. 163, p. 275-292, jul./dez. 2010.

dos Santos, Myriam Sepúlveda. Política da memória na criação dos museus brasileiros. Cadernos de Sociomuseologia nº19, 2002.

Jameson, Frederic. The Cultural Turn. Londres: Verso, 1998.

Lash, S. e Urry, J. Economies of Sign and Space. Londres: Sage, 1994.

 

Esse texto foi originalmente publicado no blog História (s) do Sport e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fernando Borges

Formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFRJ, mestre em Comunicação e Jornalismo pela Universidade de Coimbra e doutorando em Comunicação na Universidade Pantheon-Assas, em Paris, fez do esporte – principalmente o futebol – parte importante da sua trajetória profssional, porque acredita que é preciso gostar do que se faz.

Como citar

BORGES, Fernando. Museu do Benfica: clubes de futebol (re)construindo memórias. Ludopédio, São Paulo, v. 55, n. 8, 2014.
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