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Será que 15 anos depois os “ lobos/hienas da bola” continuarão a gargalhar?

Segundo o jornalista Carlos Azevedo em depoimento ao livro CBF-NIKE que relatou todas as investigações da pioneira CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito)  escancarando os subterrâneos da cartolagem do futebol brasileiro:

No início de 1999, Aldo Rebelo começava a colher assinaturas para a CPI para analisar a regularidade do contrato entre a CBF e a Nike. A iniciativa foi recebida com gargalhadas na “Embaixada da CBF” em Brasília. A “Embaixada” fica numa mansão alugada pela CBF  e que custou R$660.000,00 em despesas aos cofres da entidade só no ano de 2000. Ali em partidas de futebol society, festas concorridas bem servidas de comidas, bebidas e outras atrações, parlamentares e cartolas confraternizavam e punham-se ao dispor do magnata da CBF. Desde 1998 era a sede da “bancada da bola”. 

Consegui o esgotado/censurado livro sobre a polêmica CPI da Nike em 2003 quando coletava material para uma monografia de final de curso em Direito em que eu discutia a tese minoritária de possibilidade de fiscalização da C.B.F pelo M.P.U (Ministério Público da União). A referida obra dos relatores Aldo Rebelo e Sílvio Torres “curiosamente” não era encontrada em nenhuma livraria de pequeno, médio ou grande porte na cidade do Rio de Janeiro. Com muito custo e após me avisar que os exemplares tinham sido arrematados ou simplesmente recolhidos das prateleiras em poucos dias meu amigo Rodrigo, dono da clássica “Folha Seca” na Rua do Ouvidor 37 adquiriu um livro com um colega em São Paulo que guardo até hoje como se fosse um sobrevivente do “BUCHERVERBRENNUNG”, a trágica queima de livros do regime nazista em 1933.

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Uma CPI é regulamentada pelo artigo 58 parágrafo 3 da magna carta e tem como função investigar um “fato determinado” que pode ser encaminhado ao Ministério Público, órgão que possui a competência de denunciar criminalmente ou civilmente as ilegalidades ou arbitrariedades cometidas por um parlamentar, empresa ou cidadão:

Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

  • As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

A simples abertura da CPI da Nike na Câmara dos deputados e seu desdobramento na comissão do Senado conhecida como CPI do Futebol configurou em uma conquista devido ao contexto favorável aos interesses econômicos da instituição que administra o futebol pátrio e as alianças políticos que os seus dirigentes possuíam com a famigerada “bancada da bola”.

Independentemente da CPI ter sido arquivada devido aos mecanismos desiguais do procedimento legislativo “boleiro”, o fato do relatório ter sido mantido na íntegra, descrevendo sucintamente diversos crimes contra o sistema financeiro e a articulação das redes de poder corruptas que envolviam “amizades” nos três poderes se constituiu em uma grande vitória.

Ademais, apesar de eventuais resultados concretos na esfera civil e penal terem sido evitados pelo arquivamento da CPI, a importância simbólica dos depoimentos evasivos de Ricardo Teixeira e da repercussão midiática na opinião pública dos fatos investigados foram fundamentais para desvelar a aura intocável de legalidade e moralidade da empresa privada gestora da “paixão nacional”.

Neste sentido, e como “recordar é viver” urge a necessidade de acionar a memória das investigações feitas neste episódio justamente para que 15 anos depois, as novas/antigas – denúncias/fatos não sejam novamente arquivadas por herdeiros da microfísica parlamentar do poder no Congresso nacional, se transformando em novas bodas pueris.

Aldo Rebelo em audiência. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom - Agência Brasil.
Aldo Rebelo em audiência. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom – Agência Brasil.

Assim sendo, elenco abaixo resumidamente os “pontos sensíveis” apurados no nascimento da adolescente moça batizada CPI da Nike segundo seus relatores (CBF-NIKE, 2003.P26-28):

  1. Contrato CBF-NIKE – Ficou comprovada a supremacia de interesses econômicos da multinacional norte-americana em detrimento do futebol brasileiro e privilegiando os interesses pessoais dos dirigentes da Confederação Brasileira de Futebol.
  2. Corrupção das Federações – As Federações se transformaram em “casas de negócios sujeitas ao continuísmo, nepotismo e corrupção, à ausência de calendários e outros desmandos.” (CBF-NIKE, 2003.P.27)
  3. Administração ruinosa da C.B.F – Gastos indevidos, doações políticas para parlamentares da “bancada da bola”, fraudes fiscais, etc.
  4. Empréstimos externos da CBF, evasão de divisas – Contratos de empréstimos com juros extorsivos no exterior no DELTA BANK, compra de ouro no exterior sem identificação dos beneficiados, remessa ilegal de dinheiro para a FIFA, etc.
  5. Remuneração ilegal da diretoria da CBF – A CBF segundo seu Estatuto, era uma empresa privada sem fins lucrativos gozando dos benefícios legais desta situação atípica, porém seus dirigentes recebiam altos salários. Após a CPI o Estatuto foi modificado.
  6. Ricardo Teixeira usa recursos da CBF para pagar contas dos seus advogados, restaurantes e agradar “amigos’ do Judiciário, Legislativo e Executivo.

Outros escândalos relatados no livro como o retorno da equipe tetracampeã ao país que ficou conhecido como “vôo da muamba”, o desvio de ingressos da final da Copa do Mundo de 1998 pela agência/parceira SBTR, o tráfico de jogadores com passaportes falsos ajudam a revelar a podridão da gestão de um dos maiores ícones do patrimônio cultural brasileiro.

Outrora lobos sagazes, arrogantes e intocáveis os dirigentes da CBF agora parecem hienas covardes cabisbaixas. Mas nenhum animal aceita abandonar a presa, mesmo que esta esteja se transformando em uma fétida carniça putrefata como o moribundo futebol brasileiro.

A famosa máxima hobbesiana de que “O lobo é o lobo do homem” infelizmente na gestão privada da C.B.F e da FIFA pode ser substituída pela metáfora de que a “bola é o lobo do homem”. Que os lobos temporariamente rebaixados à hienas continuem a rir de medo e não de deboche!

Texto originalmente publicado no blog Comunicação, Esporte e Cultura e cedido para publicação nesse espaço.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Como citar

CABO, Alvaro Vicente Graça Truppel Pereira do. Será que 15 anos depois os “ lobos/hienas da bola” continuarão a gargalhar?. Ludopédio, São Paulo, v. 73, n. 8, 2015.
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