-Filho da puta!
Foi esse o grito que mais se ouviu quando o sibilar do apito combinou com a mão do árbitro apontando para a marca da cal. Pênalti claro, indiscutível.
– Ele se jogou, não foi porra nenhuma!
O desespero era total, quase como a indignação contra quem teve a petulância de marcar a penalidade máxima contra os donos da casa no clássico. Total porque a violência triunfara e apenas a torcida do mandante pode entrar no estádio.
Seguiu-se um silêncio ensurdecedor, quebrado somente pelo grito solitário de quem converteu a infração em gol.
– Goleiro de merda! Esse bosta nunca acerta o canto!
– É só esperar, pular na bola e defender, caceta!
– Vendido! Frangueiro safado!
Especialistas se espalham nas cadeiras numeradas. Detratores também. O ruído da intolerância ecoa nas mídias sociais, na página daquele que ele detesta porque ou joga no time rival ou não defende o seu com o ânimo que deveria. E na página do jornal repleto de torcedores-jornalistas, esta praga contemporânea.
Mas uma das regras que não constam nas 17 que regem o futebol é a da compensação, ainda mais se for a favor do mandante (alguns chamam de bom senso) e outro pênalti, nem tão claro assim, não tardou.
– Aê, caralhoooooooo! Cadê o cartão, juiz? Pênalti é cartão, tá na regra!
Desta vez, o estardalhaço é geral e o gol, registrado por milhares de smartphones, que eternizam em bits o que antes era propriedade da retina, antecede o grito da torcida que percorre o gigante de concreto, vergalhão e tecnologia hightec.
A diferença entre o esfregar satisfeito das mãos e os gestos obscenos está no lado para onde aponta a mão do árbitro.
Ao fim da partida, o torcedor, que pagou caro pelo ingresso e foi achacado pelo flanelinha, vai embora feliz com o resultado, ávido por ouvir ou ler os jornalistas que bradam defendendo seu clube, tendo razão ou não. O que ele procura é um endosso, um porta-voz do seu fanatismo, que tenta justificar como sendo amor. Quem não servir-lhe como caixa de ressonância é parcial, jornalista-de-merda, torcedor do rival.
– Esse desgraçado é um vendido! Por isso que o jornalismo tá esse lixo! Enrustido de merda!
Às vezes ele tem razão.
Depois disso, estará pronto para encarar a semana de trabalho, quando, com alguma sorte, receberá um troco a mais outra pequena vitória qualquer. E vibrará com isso como num pênalti inexistente a favor.