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O nojo, o machismo, a árvore e a camisa preta

Marcos Teixeira 27 de agosto de 2023

Um show de horrores, tudo o que cercou as declarações do assediador Luís Rubiales, AINDA presidente da RFEF, na manhã de hoje na sede da RFEF, desde as mentiras para ser defender – como diria Renato, “desculpas quase nunca são sinceras” – até o monte de homem cis branco e rico aplaudindo. É nojento. Ele deu o migué de que a Jenni Hermoso consentiu, coisa que ela disse que não fez. Vamos imaginar: ele é presidente da Federação; ela é jogadora. Jamais essa relação poderia existir. Publicamente, então, de jeito nenhum.

Casillas, histórico goleiro e campeão do mundo e bicampeão europeu como capitão, cobrou a renúncia e classificou como vergonhosa a declaração do dirigente; o atacante Borja Iglesias declarou que não vestirá mais a camisa roja enquanto o dirigente não sair, pelas próprias pernas ou não. De Gea foi enfático (“Meus ouvidos sangram“). Enrique Cerezo, presidente do Atlético de Madrid, e Carlo Ancelotti pediram sua destituição imediata. Alexia Putellas, uma das maiores da história e talvez a maior jogadora espanhola de todos os tempos, disse que “acabou“, colocando-se ao lado da vítima.

Todas as 23 jogadoras que sagraram-se campeãs do mundo assinaram um manifesto no qual se negam a voltar a defender a seleção enquanto Rubiales estiver no cargo. Inclusive jogadoras que se recusaram a defender a seleção Espanhola na Copa do Mundo exigiram medidas drásticas. Vejam, abriram mão da chance de entrar para a história porque queriam a queda do técnico Jorge Vilda, um dos que aplaudiam o assediador, em vez de defender sua camisa 10. É bom lembrar que Vilda foi flagrado apalpando o seio de um dos membros da Comissão Técnica durante a final da Copa. Luis de La Fuente, treinador da seleção masculina, estava presente e também prestigiou o dirigente.

Dos clubes, vários se posicionaram. O Barcelona foi ameno, classificando como “imprópria a atração do presidente”. Seu vizinho, Espanyol, e outros, como Real Sociedad, Getafe e Osasuna, exigiram sua destituição. Já o Sevilla se colocou ao lado da atleta. Mas ainda é preciso mais. O Real Madrid, que teria um peso gigantesco, fez ouvidos de mercador e nem tchum. Bom, não dá para esperar muito de quem é incapaz de defender veementemente um de seus principais jogadores, Vini Jr, vítima reiteradamente de racismo. A demissão de Luís Rubiales, que é necessária e imprescindível, seria uma resposta muito mais forte e contundente – e única à altura – ao cenário grotesco que foi visto na Cidade do Futebol, sede da Real Federação Espanhola de Futebol.

É bom lembrar também que um amistoso entre Brasil e Espanha, visando “cerebrar a luta antirracista dos dois países” – como se houvesse alguma -, está marcado para o mês de março do ano que vem, com direito a camisa preta e tudo. Seria pedir demais que a CBF, que vai dar de bandeja a camisa mais importante do mundo para promover o país onde um de seus mais importantes jogadores no momento é agredido reiteradamente, solicitasse explicações sérias sobre o ocorrido. Ou então irá desrespeitar também um de suas principais causas na atualidade, que é o apoio ao futebol feminino. Se não fizer, e duvido que fará, mostrará que defender causas abraçando árvore ou jogando de camisa preta é fácil. Difícil mesmo é colocar isso em prática.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. O nojo, o machismo, a árvore e a camisa preta. Ludopédio, São Paulo, v. 170, n. 27, 2023.
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