Mesmo para aqueles que não acompanham futebol, como no caso de um dos autores, acabamos recebendo informações por familiares e amigos. Somos informados sobre os últimos acontecimentos no mundo da bola e o seu outro lado através deles que acompanham com maior destreza o ritmo das informações nas redes sociais.

Algo compartilhado por eles foi a descoberta em uma das redes sociais do canal FutParódias[1] no Youtube. A criatividade da equipe que mantém o canal é extraordinária e vale o elogio. Entre as muitas paródias, uma dedica atenção às mascotes[2] dos clubes de futebol, e serve de estímulo para escrever sobre um outro lado da bola.

A expressão mascote tem origem na língua francesa, na palavra “mascotte”. Seu significado carrega felicidade, capacidade de produzir sorte ou afastar os maus espíritos, marca de pertencimento e indica identidade coletiva. Em geral, são pessoas, animais ou coisas que são humanizadas, destacando virtudes associadas ao grupo. As mascotes são um fenômeno da imaginação, um símbolo, um ícone de referência para o coletivo, para os seus e para outros.

A figura da mascote nas equipes esportivas acontece de maneira mais sistemática nos Estados Unidos. O apelo comercial voltado para o consumo serve de incentivo para criação dos símbolos de reconhecimento e valorização, estes marcam um lugar e estampam os mais variados produtos.

Atlanta Hawks	Harry the Hawk
Harry the Hawk, mascote do Atlanta Hawks (NBA). Fonte: Wikipédia

Na cultura norte-americana as mascotes de clubes esportivos e de empresas comerciais têm grande destaque, são personalidades importantes no contexto do espetáculo. O compromisso e responsabilidade daqueles que vestem o personagem/fantasia são encarados com a seriedade de uma atividade profissional.

As mascotes mudam conforme o momento histórico passa por transformação, isto é, em alguns períodos foram representados como figuras infantis com traços maios divertidos e simpáticos, em outro, expressam força e brutalidade. Nos últimos tempos pode-se perceber nas mascotes esportivas uma representação mais intimidadora. Mascotes com um corpo fisicamente forte e com expressões faciais rígidas. Transmitem uma imagem vigorosa e agressiva, uma representação do clube, atletas do time e seus torcedores.

A construção das mascotes pode ser idealizada pela organização, uma criação identitária, ou adquirida por meio da ofensa adversária que começou pejorativa e se tornou uma afirmação. Nesse caso, exemplos não faltam como o Internacional/RS com o macaco, Palmeiras/SP com o porco e Brasil de Pelotas/RS com o índio xavante. Associações pejorativas que os torcedores adversários atribuíram e que com o tempo foram aceitas e incorporadas.

No exemplo dos três clubes os xingamentos de macaco remetem aos jogadores e torcedores negros, o porco aos imigrantes e descendentes italianos, e o índio xavante a uma suposta postura selvagem que corresponde a uma falta de civilidade. A torcida ofendida ao invés de negar a atribuição proferida, eles aceitam como uma nova referência identitária a ser valorizada. Essa é uma afirmação que transmite a mensagem: não somos vocês e temos orgulho de quem somos.

Com base na teoria antropológica muitas vezes se procura uma possível semelhança do fenômeno das mascotes com a crença religiosa expressa no totemismo. O totem é um símbolo sagrado utilizado como emblema em comunidades de caçadores na América do Norte, Ásia e África. Um ícone que indica um clã, linhagem, família ou tribo. Como ritual religioso possui uma série de comportamentos relacionados ao totemismo.

A religiosidade marca a distinção entre as mascotes e os totens, mesmo quando observamos que os torcedores preferem cores ligadas ao seu clube e evitam as do clube adversário. Não podemos indicar que ambas as práticas estariam no mesmo nível de adoração, apenas destacar uma possível aproximação ligada a característica de ser agregadora e de representar o grupo.

Diversos estudos tendem a exaltar o totemismo e as mascotes como sinônimos, mas um cuidado maior deve existir na comparação. As mascotes esportivas podem se utilizar do mesmo princípio, mas sua característica comercial incentivada durante o século XX reduz o processo a apenas uma marca e um negócio.

O que parece ocorrer, não é a indicação de um sinal de equivalência entre a mascote e o totem, mas se a liberdade analítica e especulativa nos permite, é um duplo caminho de aproximação entre os seguidores/torcedores/adoradores/fiéis de um desses sistemas na direção de se tornar o outro, ou, na verdade, assumir características que o confundem com o outro para um olhar externo.

Talvez o que vemos quando o corintiano se recusa a comer carne de porco, ou ao são paulino em vestir roupas verdes seja de fato algo na mesma linha do que ocorre quando determinado clã ou família possui restrições alimentares, seja não consumindo a planta ou animal ao qual remete ao seu totem ancestral (pois seria canibalismo, uma vez que são descendentes deste), seja não consumindo a planta ou animal que remete para o totem ancestral do clã ou facção inimiga. Similar analogia pode ser realizada para o segundo exemplo, quando ao não utilizar cores, adornos ou mesmo armas que remetem para as restrições impostas por este serem característicos do clube rival.

O que temos seria então uma totemização das mascotes, em um processo bastante lento, mas que nas devidas proporções é possível sim, perceber as sobreposições. Entendemos que este movimento é, de certa forma, uma tentativa, provavelmente quase inconsciente, de sacralizar, não apenas a mascote, mas o próprio clube ou torcida. E assim, o que ocorre é que a mascote, junto com as cores, apelidos, espaços etc., são ornamentos que funcionam como avatares do clube, e como tais, acabam sendo objetos mais acessíveis para serem incorporados como instrumentos para tornar possível esta sacralização do clube que é seguidor.

Mascotes
Fonte: reprodução/Rede Globo

Voltando à paródia o tema das mascotes é apresentado com bom humor e muito sarcasmo. De maneira breve questiona a variedade de símbolos de identidade, pertencimento e reconhecimento. Um olhar folclórico ou carnavalesco que ainda persiste no futebol e na cultura brasileira. Perceber a presença das mascotes no cenário dos eventos esportivos permite retratar outro lado da nossa relação com o futebol, as suas muitas transformações e, principalmente, as interações entre os clubes e as torcidas.

Durante a pandemia da COVID-19 os estádios estiveram vazios e as mascotes foram um dos poucos personagens que puderam acompanhar os jogos. Solitários eram a representação lúdica, vigorosa e icônica dos torcedores, carregando a esperança de muitos. Com a volta do público aos estádios, as mascotes contribuem para o espetáculo, promovendo o entretenimento.

Que as mascotes recebam mais atenção, pois, como ícones e símbolos de uma equipe podem aglutinar seus torcedores consolidando o reconhecimento que na linguagem empresarial significa o fortalecimento da marca. Sem esquecer que sua representação, seja ela, simpática ou agressiva, ela conta a história de uma identidade coletiva, alimentando o sentimento de pertencimento e a necessidade de sacralização das suas práticas.

Notas

[1] FutParódias. Disponível em: https://www.youtube.com/c/FutPar%C3%B3dias . Acesso em: 02 jul. 2022.

[2] Só mascote topzera. Paródia Marília Mendonça – Como faz com ela. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bv2-NiFRiIQ&ab_channel=FutPar%C3%B3dias. Acesso em: 02 jul. 2022.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Daniel Machado da Conceição

Doutor em Educação, Mestre em Educação e Cientista Social pela UFSC. Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (NEPESC/UFSC), Grupo Esporte & Sociedade.

jefferson

Antropólogo em Santa Catarina.

Como citar

CONCEIçãO, Daniel Machado da; VIRGILIO, Jefferson. Entre mascotes e totens, apenas uma marca. Ludopédio, São Paulo, v. 157, n. 21, 2022.
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