68.6

A crise do futebol carioca e a falta de união dos clubes

Durante os anos 1970 e boa parte dos anos 1980, era comum lermos na imprensa a expressão “crise do futebol brasileiro”. O tema foi o cerne da minha tese de doutorado defendida no Departamento de sociologia da Universidade de Nova Iorque, em 1994. A crise, tal como narrada na imprensa, se referia a alguns fatores inter-relacionados: a) desorganização dos campeonatos; b) queda de público nos estádios; c) êxodo dos melhores jogadores para Europa: d) má administração dos clubes, federações e CBF. O ápice deste processo foi o surgimento do movimento conhecido como “Clube dos 13”, em meados de 1987, após a CBF afirmar que não tinha condições financeiras de organizar o campeonato brasileiro daquele ano.

De 1987 até os dias de hoje, volta e meia a expressão “crise do futebol brasileiro” surge outra vez. Porém, muita coisa mudou desde então, principalmente o calendário e o campeonato brasileiro. Se antes não tínhamos um calendário fixo e as rodadas dos campeonatos eram definidas semana a semana, hoje o torcedor sabe quais são os períodos dos campeonatos e as rodadas são definidas antes do início da competição. Há os que criticam a fórmula do campeonato brasileiro, com pontos corridos, por exemplo, mas seu sucesso, em termos de interesse do público, é muito maior que o de antes, ainda que os estádios estejam com capacidade de público mais reduzida.

Mas e o campeonato carioca? Este perdeu importância e vem declinado ano após ano. Teria alguma correlação com o êxito do Brasileirão? Não creio. O problema maior e central se encontra, em minha opinião, na quantidade de jogos sem interesse, pelo fato de o campeonato contar com 16 clubes. O Rio de janeiro possui tradicionalmente quatro clubes considerados “grandes” – Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo – e dois “médios” – Bangu e América. Esta classificação entre “grandes”, “médios” e “pequenos” se encontra bem definida no imaginário da torcida e da imprensa, ainda que alguns possam questioná-la. Teríamos então 10 clubes “pequenos”, ou de menor expressão, com pouca torcida, participando do campeonato, que só ganha interesse nas semifinais e finais, geralmente em confronto entre os “grandes”.

Lance da partida entre Fluminense e Botafogo no estádio do Maracanã. Foto: Ricardo Ayres – Photocamera.

No momento, Flamengo e Fluminense travam uma luta contra a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro – FERJ. Tudo começou por conta da precificação dos ingressos. Não seria a hora de se pensar em uma união dos quatro grandes no sentido deles terem mais autonomia para organizar o estadual e tentar recuperar o interesse que este campeonato tinha no passado? Mesmo que Flamengo e Fluminense consigam derrubar a precificação, não seria o momento de se pensar no campeonato como um todo? Vasco e Botafogo não deveriam se unir aos dois? Afinal, quem lucra com este campeonato? Ele não poderia ser mais rentável?

Jogadores do Flamengo comemoram gol. Foto: Bruno Domingos – Mowa Press.

Alguns podem objetar e defender o maior número de times sem expressão, com o argumento de que esta seria a única forma deles irem adquirindo mais importância. Mas não é isso que temos verificado. Desde muito tempo que temos quatro “grandes” no Rio de Janeiro. Se pensarmos em Brasil, o torcedor sabe que temos 12 grandes. Não é necessário citá-los aqui. Não seria mais razoável que estes clubes pudessem ter mais autonomia de gerenciar os campeonatos? Afinal, o campeonato é seu produto, é onde os clubes podem arrecadar com cotas de televisão, bilheterias e patrocínio.

No caso do Rio de Janeiro, os quatro grandes deveriam se unir, estudar a possibilidade legal de se formar uma nova Liga, convidar Bangu e América, pela tradição e por terem maiores torcidas que os outros participantes do atual campeonato, e pensar em conjunto uma fórmula de fazer do Estadual um campeonato atrativo, exitoso e mais importante.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Ronaldo Helal

Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Sociologia - New York University (1986) e doutorado em Sociologia - New York University (1994). É pesquisador 1-C do CNPq, Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006). Em 2017, realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L'Expertise et de la Performance. É professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (2000-2004) e coordenador do projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj (PPGCom/Uerj), tendo sido seu primeiro coordenador (2002-2004).Foi chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da FCS/Uerj diversas vezes e membro eleito do Consultivo da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj por duas vezes. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: futebol, mídia, identidades nacionais, idolatria e cultura brasileira. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (www.comunicacaoeesporte.com) e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte - LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior.

Como citar

HELAL, Ronaldo. A crise do futebol carioca e a falta de união dos clubes. Ludopédio, São Paulo, v. 68, n. 6, 2015.
Leia também:
  • 112.18

    80 anos do artigo Foot-Ball Mulato de Gilberto Freyre: a eficácia simbólica de um mito

    Ronaldo Helal
  • 109.2

    O acaso na Copa do Mundo

    Ronaldo Helal
  • 108.16

    O singular e o universal no ato de torcer

    Ronaldo Helal