A era Arteta no Arsenal: fim da querofobia gunner? (Parte II)
Como todo gato escaldado tem medo de água fria, a desconfiança gunner com o técnico espanhol só começou a ser dissipada após a vinda dos resultados positivos. Arteta ganhou em 13 jogos sob o Arsenal a mesma quantidade de jogos que Emery e Ljungberg juntos no comando do clube londrino. O estrago, no entanto, já estava feito, e mesmo com 9 vitórias sob Arteta, o time não conseguiu alcançar a colocação necessária na tabela para se classificar à Europa League, terminando a temporada em sua pior campanha em 25 anos. A esperança ficaria por conta da vaga conseguida sob um provável título da FA Cup, pois o time caíra ainda na segunda fase da Europa League, em fevereiro. O sorteio da FA Cup, no entanto, nos colocaria em uma semifinal contra o Manchester City. Se existe alguém na torcida do Arsenal que acreditou que passaríamos das semis, parabéns pela fé, eu não estava entre estes.
Despi-me de toda ilusão antes de assistir à partida, na tentativa de sofrer menos. A partida seria no dia 18 de julho, e um mês antes, em 17 de junho, havíamos perdido para o time de Guardiola por 3 a 0. A tradicional inconstância do time londrino nos mantinha desconfiados: nas rodadas anteriores da Premier, havíamos empatado com Leicester e perdido para Tottenham. A esperança ficava por conta da vitória sobre o Liverpool, feito obtido pela última vez em março de 2015. A partida foi agonizante: 16 chutes do time de Manchester, que felizmente foram parados por uma boa atuação da zaga e de Martínez no gol. Para a torcida gunner, sempre temerosa com a dupla David Luiz e Mustafi na defesa, parecia surreal vê-los parando um dos melhores ataques da Premier. O trio de ataque Pepe, Aubameyang e Lacazette tivera uma atuação maravilhosa, com destaque para os dois gols do camisa 14. Parecia inacreditável vencer Liverpool e City em menos de uma semana. Mas fora o que ocorreu, com o time chegando pela 21° vez à final da FA Cup, com uma vitória por 2 a 0 contra o time de Manchester. Arsenal havia vencido o Manchester City pela última vez em abril de 2017.

Aos supersticiosos e fãs de dados históricos, o passado trazia boas lembranças: a última conquista da FA Cup foi obtida após uma semi contra o Manchester City e uma final contra o Chelsea. Porém, o retrospecto da última final disputada contra o rival londrino, na derrota da Europa League em 2019, nos perturbava. Na FA Cup, os blues chegaram à final derrotando bons times como Manchester United, Leicester e Liverpool. A confiança em uma possível vitória, no entanto, estava mais alta contra o rival local que nas semis contra o time de Manchester, pois Arsenal nunca perdera uma final em Wembley para o Chelsea, desde sua reabertura em 2007.
No início, Chelsea dominou a partida, conseguindo marcar com apenas 5 minutos de jogo, com gol de Pulisic. Arsenal parecia assistir a partida dentro de campo, e a luz vermelha acendia na cabeça do torcedor. Mas, no segundo tempo, tudo começou a dar errado para os blues, e o recorrente azar do Arsenal parecia ter sido transferido para os rivais. Azpilicueta fez falta em Aubameyang dentro da área, e o juiz deu pênalti no lance. Gol de Auba, empate da partida. O próprio Azpilicueta foi substituído pouco depois, lesionado. Sua ausência, como uma das principais peças da tática de pressão e saída de bola de Lampard, começou a mudar a cara do jogo. Pulisic sairia, também lesionado, e Giroud não conseguiria fazer a lei do ex valer, sendo perseguido e anulado em campo pela marcação de David Luiz. Aos 67, Aubameyang colocou os gunners à frente, em jogada que começou com arranque em velocidade de Bellerín, que foi derrubado, mas a bola sobrou para Pepe, que encontrou o gabonês livre na frente da área.
Arsenal estabelece a dominância do jogo, que já vinha crescendo no segundo tempo, após expulsão de Kovacic. Os minutos finais do jogo parecem eternos, e somados os acréscimos a partida vai até os 102 minutos, com os blues tentando de tudo para reverter o placar. Com bom trabalho defensivo, o time de Arteta consegue repetir o placar da final da FA Cup de três anos antes, contra o mesmo rival. Um título almejado que traria, no mínimo, quatro bons feitos ao Arsenal: Salvar a temporada amarga, garantir a vaga na próxima Europa League, vencer o rival local, tomar a vaga via Premier para a Europa League do rival Tottenham. 14° título e a confirmação da dominância do Arsenal na competição de futebol mais antiga do mundo. Após dez anos no clube, Martinez finalmente obteve a chance de provar seu valor sendo goleiro titular, e se saiu muito bem. Aubameyang quebrou a taça na hora da foto oficial, mas não importa, e a situação vira meme da torcida.
Menos de um mês depois, outra decisão. A Community Shield, disputada entre o campeão da Premier e o da FA Cup. O título que, em caso de derrota, pode-se dar a desculpa de que não era algo tão importante e almejado. Quando observei a escalação do Liverpool, que viria para o jogo com força total, não estava confiante sobre a possibilidade de título. O campeão inglês, obviamente, era um plantel mais completo, e jogaria contra um Arsenal misto. Mas após a conquista da FA Cup, tínhamos um pouco mais de positividade, somada a um bom retrospecto: em anos anteriores de conquista da FA Cup, levamos também a Community Shield, e nos dez últimos anos da competição, o Liverpool não figurava entre os campeões.
Tudo o que mais queria na partida, além do título, era um gol de Aubameyang com a tradicional comemoração do Pantera Negra, em homenagem a Chadwick Boseman, que morrera de câncer um dia antes da final. E, felizmente, os dois aconteceram. Aos 12 minutos Aubameyang marcou o gol, jogada nascida de uma invertida de bola de Saka, que encontrou o atacante gabonês na linha da grande área na esquerda, de onde ele dominou a bola e finalizou.
O placar final faria jus à partida, pois Arsenal dominou no primeiro tempo e marcou ainda no início, e no segundo tempo Liverpool teve a preponderância no jogo, marcando aos 72 minutos com gol de Minamino. Para a tristeza da torcida, o gol do Liverpool teve a recorrente falha na defesa que tanto nos assombra, pois antes de parar no pé do jogador japonês, ela passou nos pés de Holding e no braço de Cédric. A partir daí, o medo da virada e os fantasmas das recorrentes derrotas nos minutos finais de jogo passavam como um filme em nossas cabeças, o que felizmente não ocorreu. A partida iria para as penalidades.
Salah, Nelson, Fabinho e Niles convertem os dois primeiros pênaltis para cada time. Na batida de Brewster, eu só repetia “chute essa bola para longe”. Deu certo, o juvenil do Liverpool chutou na trave. Cédric, Minamino, David Luiz e Jones converteram seus pênaltis. O pênalti decisivo ficou por conta do capitão e autor do gol da partida, Aubameyang. Os goleiros foram mal nas cobranças, errando os cantos para cair. Alisson pulou para a direita, e o chute de Auba foi à esquerda. Arsenal foi o campeão da Community Shield. A má temporada dos gunners na Premier por fim encontrou um final feliz em outras competições nacionais.
When you face the challenge with belief and courage, anything is possible. COYG Proud of everyone! pic.twitter.com/QPOZCj18di
— Mikel Arteta (@m8arteta) August 29, 2020
O trabalho de Arteta, em poucos meses, conseguiu transformar o jogo do Arsenal e melhorar jogadores que, para a torcida, pareciam perdidos. Em meia temporada, o técnico conseguiu ganhar dois títulos com o clube londrino. O time recuperou o jogo coletivo, de posse de bola e ofensivo que era a característica que fizera me apaixonar pelo futebol do Arsenal. A energia em torno do clube e dos jogadores se transformou bruscamente. De um time apático, conformista em campo e um vestiário problemático, vemos jogadores motivados, esforçados e uma boa relação deles com o técnico. De um pensamento derrotista e fatalista, passamos à confiança em um futuro e expectativa de dias melhores. E a querofobia? Bem, ela ainda existe, pois nossos corações desconfiados precisam de mais tempo para voltar a acreditar sem titubeações no Arsenal. Mas nunca estivemos tão esperançosos desde os últimos anos da era Wenger. In Arteta we trust!