O Campeonato Brasileiro de 2007 que acaba de se iniciar tem tudo para entrar para a história por um simples motivo: o milésimo gol de Romário. Ao completar essa marca histórica, o “baixinho” fechará um longo ciclo no futebol. Tão logo faça o gol mil, se despedirá dos gramados. Nesse artigo proponho uma reflexão de como a superstição é capaz de explicar acontecimentos futebolísticos e faço também uma análise da despedida do futebol e tudo o que esse fato envolve.

Basta pegar qualquer jornal de esportes que há notícias sobre a possibilidade de Romário realizar um feito muito difícil de ser estabelecido no futebol. Falta somente um gol para encerrar a sua carreira e é aqui que quero estabelecer como a superstição, mesmo que inconsciente, possa afetar o desempenho desse craque. Nos últimos jogos do Campeonato Carioca como na Copa do Brasil, campeonatos nos quais o Vasco, seu time, foi eliminado, Romário esteve atrás de seu “golzinho”. Parecia que sua equipe jogava em função de seu gol e não da vitória do time. O “baixinho” tentou, tentou e não conseguiu.

No futebol a superstição sempre teve um valor importante na explicação de fatos inexplicáveis. Inúmeros times freqüentemente recorrem a esses recursos para superar crises, solicitar ajuda em alguma partida e até para pedir um gol para a conquista do título. Casos recentes ilustram esses fatos: antes de cair para a segunda divisão do Campeonato Brasileiro, o Palmeiras recorreu aos santos para tentar ajudar a equipe. Na ocasião, os jornais circularam uma foto do goleiro e ídolo palmeirense Marcos, segurando um “santinho”. Na semana passada, foi a vez do Flamengo recorrer a São Judas, pois teria uma tarefa difícil: vencer o adversário uruguaio, o Defensor, por quatro gols. Nos dois casos, a superstição não resolveu o problema e os times não atingiram seus objetivos.

Porém, existem outros casos que deram certo, tais como a sempre e freqüente superstição do ex-jogador e ex-técnico da seleção brasileira, Zagallo que tem uma obsessão pelo número 13. Suas frases ficaram conhecidas no meio futebolístico, pois tinha a preocupação de que elas tivessem 13 letras. Ele sempre se utilizava desse recurso para explicar o sucesso de seus times. Também não podemos nos esquecer dos técnicos que sempre utilizam a mesma roupa quando o time vai para a final. Repetir o vestuário na final funciona como um mecanismo simbólico que se faz necessário para validar as crenças, pois se o time for campeão, também o terá sido pela utilização da mesma roupa que, outrora funcionou, mas se não der certo, outras explicações serão dadas e o mecanismo simbólico será descartado, afinal, ele somente funciona para explicar o que dá certo.

Ninguém tem falado que a superstição possa ter afetado alguma coisa em Romário. Por isso, proponho uma explicação supersticiosa para tal acontecimento. Todos sabem que Romário tem 999 gols. O que muitos não sabem é o que esse número pode revelar. Ao me deparar com o jornal, que estava de ponta-cabeça, vi um número que pode assustar os mais supersticiosos. O número é o 666, conhecido popularmente como o número da besta. Será que é por isso que Romário não consegue atingir a sua marca e encerrar a carreira? Será que o diabo quer ver o “baixinho” desfilar sua categoria pelos gramados por mais tempo?

Claro que essa comparação é brincadeira, mas o que está por trás de toda superstição é uma crença coletiva. Não basta que o jogador acredite na superstição, para que ela realmente tenha efeito, é preciso que ela seja compartilhada pela sociedade da qual faz parte. Assim, técnicos, torcedores, especialistas, enfim, todos os envolvidos com as diversas manifestações do futebol precisam compartilhar dessa crença. Ela só é válida quando há essa troca.

Superstição ou não, o fato é que Romário teve as atenções voltadas para esse gol e certamente nesse campeonato será igual. O fato de ele querer fazer o gol no Maracanã não pode ser explicado somente pela superstição, e sim o que o estádio representa: história. Foi lá que Pelé marcou o milésimo gol e esse estádio representa o maior templo do futebol. Portanto, não pode ser qualquer despedida em qualquer campo, tem que ser num grande estádio. Por isso, a espera continua e a mídia ficará voltada para a concretização desse fato. A data está marcada, será na segunda rodada do Brasileirão contra o Sport. Será um jogo de grande expectativa e ansiedade.

No entanto, ao marcar esse gol, o “baixinho” encerrará a sua carreira, aos 41 anos e com 1000 gols. Não importa, se na contagem “oficial” estão computados gols em jogos não reconhecidos oficialmente. O que importa é que Romário achou uma forma de deixar o futebol com a mídia toda voltada para ele. Sempre gostou de deixar clara a sua opinião, falava e defendia seu ponto de vista.

E deixar o futebol não é fácil para nenhum jogador, ainda mais quando esse jogador é o Romário. A sua idade não deixa dúvidas que ele tem relutado em encerrar a carreira. Embora declaradamente nunca gostou de treinar, gostava de jogar bola, de fazer gols. As carreiras dos jogadores de futebol podem ser vistas por três estágios1: anonimato, quando ainda são desconhecidos e tentam um lugar ao sol; fama, quando se tornam famosos e atingem o auge da carreira; ostracismo, quando já não fazem mais parte do mundo do futebol e muitos são esquecidos. Porém, essas fases somente acontecem para os jogadores que conquistam uma notoriedade, viram ídolos. A grande maioria dos jogadores brasileiros não consegue vencer a primeira fase: o anonimato.

Romário enquadra-se no caso dos jogadores que conquistaram grande espaço no futebol, não somente nacional como também mundial. Sempre teve uma atenção da mídia e foi referência nos times por onde passou. Agora como fazer para abrir mão de tudo isso? É essa a dificuldade de Romário. Ao mesmo tempo em que quer entrar para história com o seu milésimo gol, não quer fazê-lo, pois sairá de cena. Mas uma coisa é certa: sairá de cena com todos os holofotes voltados para si. Só resta saber o que o futuro reserva para Romário…

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. A superstição e a despedida. Ludopédio, São Paulo, v. 01, n. 9, 2009.
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