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Chile 1×1 Brasil, Eliminatórias da Copa de 90: a guerra de Santiago

Fábio Areias 17 de maio de 2019

Em 1988, foi realizado um plebiscito no Chile. A cédula registrava apenas duas opções ao povo: Sim ou Não. Caso ganhasse o “Sim”, o general Augusto José Ramón Pinochet Ugarte, no poder desde 1973, ocuparia o cargo de Presidente da República por mais oito anos.  Em caso de triunfo do “Não”, seriam realizadas eleições presidenciais em 1989 e Pinochet ficaria “apenas” até março de 1990.

Logo da campanha do Sim (imagem: Wikipedia)
Logo da campanha do Não (imagem: Wikipedia)

Não era o primeiro plebiscito realizado para supostamente legitimar o governo Pinochet. Dez anos antes, em 1978,  foi realizado o mesmo referendo nacional e com as mesmas opções. Era uma forma de dar alguma satisfação à ONU e organismos internacionais da falta de direitos humanos e democracia no país. A cédula já direcionava a “resposta certa”: na opção do “Sim” aparecia uma bandeira chilena; na opção do “Não” uma bandeira preta. Os dizeres também são diretos: “Frente a la agressión internacional desatada em contra el Gobierno de nuestra Patria, respaldo el Presidente Pinochet em su defensa de la dignidad de Chile y reafirmo la legitimidad del Gobierno de la República para encabezar soberanamente el processo de institucionalización del pais”. O “Sim” ganhou com 78,6% dos votos válidos. A democracia teria que esperar até 1988.

Cédula do Plebiscito de 1978. Alguma dúvida de qual opção escolher? (Fonte: Wikipedia)

O Chile daquela época era um país convulsionado, dividido e com um processo de abertura política extremamente lento. Vivia um bom desempenho econômico, mas às custas de mortes, aumento de desigualdades e elevada repressão. Já eram 15 anos de ditadura militar e uma chance única. Se o “Não” perdesse, teriam que esperar até 1997 por outra oportunidade. Ou sabe-se lá quando.

É muito mais difícil vender uma negação do que uma afirmativa. Mas pela primeira vez a oposição ao governo de Pinochet teria espaço nos meios de comunicação. Cada lado (“Sim” e “Não) teria 15 minutos na cadeira nacional de TV às 22:45. Era tarde, mas muito mais do que já haviam tido antes. Teriam um mês para convencer o povo chileno.

A estratégia dos marqueteiros da campanha do “Não” foi certeira: não era momento de rancor, nem revanchismo. Era hora de aprender as dolorosas lições e mirar o futuro. Com alegria. Se havia ódio, não seria de quem votava “Não”, mas dos que cometeram torturas, desaparecimentos e execuções. O jingle resume o sentimento vendido:“Chile, la alegría ya viene  (Chile, a alegria está chegando. Ver vídeo abaixo).

No dia 5 de outubro de 1988, o desejo de mudanças derrotou Pinochet. Com 56% dos votos válidos, o “Não” vencera. O general ainda continuaria como Senador vitalício, chefe das Forças Armadas e integrante do Conselho de Segurança Nacional – direitos concedidos em outro Plebiscito realizado em 1980 que promulgou uma nova Constituição amigável ao general, mas a presidência ele não a teria mais. Após uma longa espera, novos tempos chegavam ao país andino.

Concentração massiva de chilenos aderentes à opção ‘Não’ durante a campanha para o plebiscito de 1988. Foto: Wikipedia.

 

Eliminatórias. A batalha de Santiago

No ano seguinte ao plebiscito, o Brasil iria enfrentar o Chile, e suas veias abertas, nas Eliminatórias de 1989 para garantir sua classificação para a Copa do Mundo do ano seguinte na Itália. Além dos andinos, a Venezuela com seu futebol amador também estava no grupo, mas Brasil e Chile sabiam que a disputa pela única vaga do grupo seria entre eles.

Os chilenos tinham um grande motivo para acreditar na classificação: na Copa América de 1987 humilharam o Brasil com uma goleada por 4×0. Enquanto a La Roja chegara até a final do competição (perdida para o Uruguai), o Brasil parecia muito mais o país da Fórmula 1 do que do futebol. Conquistar outra Copa do Mundo? Provavelmente nunca mais.

Em 13 de agosto de 1989, Chile e Brasil se enfrentaram em Santiago pelas Eliminatórias. Ambos já haviam vencido a Venezuela  e quem ganhasse a partida daria um passo gigantesco para a classificação. Um domingo tenso para os brasileiros na frente da TV. A equipe de Lazaroni acabara de vencer a Copa América daquele ano no Maracanã, mas a ameaça de ficar fora da Copa do Mundo era real.

Seleção da Era Dunga escalada, mas naquela tarde o vilão seria outro. Foto: Reprodução/YouTube.

O Brasil entrou em campo com Taffarel, Mazinho, Aldair, Mauro Galvão, Ricardo Gomes e Branco; Dunga, Silas, Valdo; Bebeto e Romário. Sete dos titulares seriam campeões da Copa em 1994, mas um deles seria o vilão daquela tarde. Curiosamente, Romário, o jogador que nos deu uma Copa quase nos tirou de outra. Foi expulso com 3 minutos de jogo após uma suposta agressão (não exibida pela TV) no jogador chileno. O narrador Galvão Bueno não perdoou a ingenuidade do Baixinho:

“Cartão vermelho com 3 minutos de jogo. Cartão vermelho com 3 minutos de jogo por pura estupidez, por pura falta de controle. […] Os chilenos prometiam uma guerra, e o Romário entrou na deles.”

Além da expulsão, a seleção também perdera Branco após entrada criminosa do jogador Ormeño. Jorginho entrou no seu lugar e Mazinho foi deslocado para a esquerda. Para sorte do Brasil, o mesmo Ormeño seria expulso dez minutos. Um pouco do sufoco havia passado.

A entrada de Ormeño em Branco. Cartão de visitas. Foto: Reprodução/YouTube.

Após um primeiro tempo truncado, o Brasil conseguiu abrir o placar aos dez minutos do segundo tempo, em uma grande jogada de Mazinho e uma trapalhada dos chilenos. O jogador Astengo tentou afastar o perigo e chutou no compatriota Gonzales e a bola entrou. Gol contra. Brasil, la alegria ya viene!

Como não poderia deixar de ser, o Chile partiu para o tudo ou nada após o gol. Uma derrota em casa praticamente decretaria sua eliminação. O Brasil resistiu até os 38 minutos da etapa final, mas em um lance que a TV não mostrou ao vivo (estava exibindo o replay do lance anterior), o juiz Jesus Diaz Palácios anotou um sobrepasso do goleiro Taffarel, e os chilenos bateram rápido para empatar o jogo. Uma decisão questionável, outro gol bizarro e outro momento de ingenuidade brasileira no jogo. Os minutos finais seriam de pressão total e muito “haja, coração”.

Fim de jogo. Nada definido

O jogo terminou empatado e a decisão da vaga aconteceria 21 dias depois, no Maracanã. Antes os dois países teriam que enfrentar e vencer novamente a Venezuela o que aconteceu com grande facilidade (6×0 Brasil e 5×0 Chile). Mas naquele 13 de agosto de 1989, os brasileiros respiravam mais tranquilos e se preparavam para as próximas batalhas na bola e nas urnas. Em 1989, assim como o Chile, o Brasil se preparava para uma eleição presidencial após longo tempo. A última do Brasil havia sido em 1960 (vitória de Jânio Quadros) e a última chilena em 1970 (vitória de Salvador Allende).

Após o empate, ninguém imaginaria que uma fogueteira, um sinalizador e uma lâmina guardada na luva entrariam para a história do futebol. Essa é outra história. O melhor naquele domingo depois de tanta tensão seria assistir a um episódio inédito de Os Trapalhões, esquecer a burrada de Romário e manter a esperança de dias melhores. Na seleção de Lazaroni e na seleção dos candidatos a presidente. Infelizmente, nenhum deles deu muito certo em 1990.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fábio Areias

Formado em Comunicação Social pela ESPM , cocriador do site Extracampo, projeto que busca apresentar as entrelinhas do futebol e seu impacto na sociedade e vida das pessoas.

Como citar

AREIAS, Fábio. Chile 1×1 Brasil, Eliminatórias da Copa de 90: a guerra de Santiago. Ludopédio, São Paulo, v. 119, n. 17, 2019.
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