A seleção do tema para o presente artigo foi difícil de ser definida. Inúmeros fatos ocorridos no esporte durante os meses de maio e junho forneceram excelentes temas a serem discutidos. A tentadora possibilidade de escrever sobre derrota do Brasil para a Venezuela em um amistoso nos Estados Unidos (será que alguém viu esse jogo?) seria uma excelente opção. A final de um campeonato que é o caminho mais curto para se chegar a Libertadores era outro tema instigante, ainda mais, quando a final foi entre o Sport Recife (representante do Nordeste que eliminou equipes tradicionais do futebol brasileiro) e o todo poderoso Corinthians, que mesmo na segunda divisão do Campeonato Brasileiro encontrou uma forma simples e rápida de dar a volta por cima.

No entanto, a derrota em Recife acabou com o sonho e devolveu o timão a realidade da Série B. Também poderia escrever sobre a belíssima quinta colocação em que se encontra a seleção brasileira nas Eliminatórias, sem falar, na convocação para a Olimpíada do jogador Ronaldinho Gaúcho pelo técnico, ou melhor, presidente Ricardo Teixeira.

Apesar desses fatos riquíssimos enquanto temas para a construção do artigo, optei por discutir a aposentadoria de Guga e a relação desse fato com o momento pelo qual passam dois jogadores de futebol que freqüentemente estiveram em destaque, os Ronaldos.

No dia 25 de maio de 2006, Gustavo Kuerten entrou pela última vez em quadra para a partida individual (ainda jogaria o torneio de duplas) que poderia ser a sua última partida, o que realmente veio a acontecer. Perdeu na primeira rodada de um torneio que o consagrou, afinal, foi tricampeão de Roland Garros.

Aos 31 anos, Guga, que ocupa ao lado de Maria Esther Bueno o posto de melhores tenistas do país, aposentou-se. O tênis profissional que o consagrou, que o transformou em milionário, que o permitiu investir em um Instituto que leva o seu nome, também o levou à aposentadoria. O nível competitivo que o esporte profissional exige fez com que nos últimos anos Guga jogasse com inúmeras dores pelo corpo. Seu corpo já não agüentava mais a rotina extenuante do que é ser um atleta de alto rendimento.

Outro jogador com uma carreira tão brilhante quanto a de Guga é Ronaldinho Gaúcho. Apesar de inúmeros sucessos nos campos de futebol, o consagrado jogador do Barcelona encontra-se numa situação que certamente não imaginou que poderia passar. Sempre cobiçado pelos maiores clubes do planeta, o grande ídolo do futebol perdeu espaço. Inúmeras contusões, mero coadjuvante em alguns jogos o colocaram em xeque. A torcida do Barcelona que o tinha como salvador da pátria pouco o via resolver os problemas da equipe e o que é pior, o maior rival do time catalão foi o campeão da temporada 07/08, sendo que o Real Madrid venceu as duas partidas do campeonato contra o Barcelona (no primeiro turno, dia 22/12/07, venceu por 1 a 0 em Barcelona e no dia 07/05/08 venceu por 4 a 1 em Madrid).

O próprio presidente do clube catalão, Joan Laporta, afirmou que o jogador não interessa mais ao time: “Dissemos a ele que ele precisa de novos desafios. É normal que, quando ciclos acabem, as pessoas mais emblemáticas se retirem “.

Não só nos times ele tem sido questionado. Na seleção brasileira está longe de ocupar a condição de jogador que faz a diferença, como já aconteceu na Copa de 2002. Agora mais um fato inusitado em sua carreira, o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, convocou o jogador para os Jogos Olímpicos de Pequim e apenas comunicou o técnico Dunga. Sempre considerado unanimidade, estará no grupo olímpico por imposição e não pelo seu desempenho futebolístico. Atualmente se recupera de contusão e espera um rumo para o seu destino.

Tudo indica que irá se juntar às estrelas brasileiras do Milan. Enquanto o time milanês aguarda o retorno de Ronaldo, o “Fenômeno” (ou seria ex-fenômeno?), aos gramados. O consagrado Ronaldo passa por mais um momento delicado da sua fantástica carreira. Contundido desde fevereiro, no joelho esquerdo, seu corpo parece indicar que está no limite. Ainda abalado pela nova contusão o jogador afirmou que o seu […] coração quer voltar a jogar, mas meu corpo está dando sinais de que está cansado, de que sofreu muito ”

Sua recuperação acontece no Rio de Janeiro e no mês de maio voltou às manchetes devido a um envolvimento com três travestis. Ouviu-se o seguinte: “com o dinheiro que ele tem, o que foi fazer com três travetis?” ou “sempre teve aos pés as mais cobiçadas modelos” e por aí vão as frases que questionam e tentam entender a atitude de Ronaldo. Uma de suas principais patrocinadoras, a Nike, ameaçou rescindir o contrato vitalício que possui com o jogador. Tudo por conta do mau exemplo que o craque gerou com esse episódio. Lembre-se que os jogadores considerados craques são colocados numa condição de não humanos e que por isso devem sempre agir de maneira exemplar.

A imagem do ídolo é carregada de uma série de obrigações. Pelo fato de serem admirados, têm como responsabilidade dar o exemplo, afinal, um grande número de pessoas são influenciadas por suas atitudes. […] Imagem midiatizada e distante da idéia de que aquele jogador é uma pessoa que tem as mesmas obrigações e deveres que todos cidadãos (GIGLIO, 2007, p.142).

Não nos esqueçamos que essa mesma empresa de material esportivo já foi acusada de manter trabalho escravo. Conforme o jornalista Xico Sá afirmou:

Ora, ora, ora, que moral tem a Nike, que já teve a imagem envolvida em trabalho escravo no fim do mundo, ou católicos dirigentes do Milan, com toda a hipocrisia que esse qualitativo já embute, para lhe dar puxão de orelha?

A grande questão de todo o imbróglio é que não nos interessa (ou não deveria interessar) o que Ronaldo faz em sua vida particular. O que faz em campo ou o que faz para recuperar a forma física para voltar aos gramados é que deve ser debatido. E isso vale não só para o Ronaldo, vale também para qualquer outro jogador que tem a sua vida particular transformada em debate público. Segundo Mattos:

Entre os jogadores, Ronaldo ganhou suporte. Houve quem ligasse para o atleta no Rio. Quem falou com ele, ontem, relatou que o sentiu deprimido. “O meu ídolo será sempre o Ronaldo”, afirmou Alexandre Pato à TV Sky, na Itália. “Ele é tranqüilo, é um grande amigo.”

Além de serem milionários, atletas bem sucedidos, mundialmente conhecidos, todos mantêm institutos para assistir aos menos favorecidos. Esses institutos são uma maneira encontrada para amenizar o fim da carreira. Funciona também para reforçar o vínculo com a memória da infância e do local de onde saíram (principalmente no caso dos jogadores de futebol).

Portanto, o que aproxima os três atletas? O que os aproximam é o destino ao qual estão vinculados. O mundo do esporte de alto rendimento é constituído por ciclos, mesmo para os grandes ídolos. Já atingiram o auge da carreira e ao caminhar para o final dela, aos trinta e poucos anos, a decadência torna-se um fato real, pois não há como competir com os novos talentos que logo ocuparão seus lugares. Está é a grande dificuldade dos atletas que se aproximam da aposentadoria, sair de cena e deixar o posto de ídolo para seus sucessores.

Claro que os Ronaldos ainda têm um bom tempo de carreira (Ronaldinho Gaúcho tem 28 anos e Ronaldo Nazário tem 31 anos), mas em breve seus corpos dirão (ou já parecem dizer) o que Guga tanto ouviu em seus últimos anos de carreira: até que ponto vale a pena prorrogar a aposentadoria? Lembra-se de Romário e a sua busca midiática pelo milésimo gol? Ou já esqueceram dele? Pois é, o ciclo sempre se fecha. Quando um sai de cena, muitos outros serão promovidos ao espetáculo principal.

Bibliografia
GIGLIO, Sérgio S. Futebol: mitos, ídolos e heróis. 2007. 160f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.

MATTOS, Rodrigo. Escândalo ameaça futuro e as receitas de Ronaldo. Folha de S. Paulo. 01 de maio de 2008.

SÁ, Xico. Um chute na canela da moral. Folha de S. Paulo. 02 de maio de 2008.

 

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Destinos cruzados. Ludopédio, São Paulo, v. 06, n. 6, 2009.
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