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Escorregadas

Günther Augustin 28 de maio de 2015

escorregadaEscorregadas, Escorregadelas, Escorregaduras

A linguagem do futebol é cheia de analogias e metáforas. Muitas vezes o futebol é visto como espetáculo teatral com seus elementos dramáticos apresentado, nas arenas da antiguidade, a um público sentado nas arquibancadas. Não eram apenas tragédias. O público adorava as comédias também. Ou, melhor ainda, cenas tragicômicas como aquelas que assistimos na cobrança dos pênaltis entre o Bayern München e Borussia Dortmund na semifinal da Copa da Alemanha, no dia 28 de abril, em plena Allianz Arena.

MUNICH, GERMANY - JULY 31: A general view of the Allianz Arena during the second semi-final of the AUDI Cup FC Bayern Muenchen v FC Sao Paulo at Allianz Arena on July 31, 2013 in Munich, Germany. (Photo by Getty Images/Getty Images)
Vista da Allianz Arena. Foto: Getty Images.

Vai ficar na história. Coisa nunca vista antes, e que não vamos ver igual tão cedo: as escorregadas de Philipp Lahm e Xavi Alonso. (http://www.record.xl.pt/multimedia/videos/interior.aspx?content_id=945280).

Quanto ao Lahm, senti um pouco da dor dele. Ele sempre teve minhas simpatias simplesmente porque me lembra de um sobrinho meu.

MUNICH, GERMANY - AUGUST 01: General action during the AUDI Cup 2013 Final between FC Bayern Muenchen and Manchester City at Allianz Arena on August 1, 2013 in Munich, Germany. (Photo by Lennart Preiss/Getty Images)
Lahm em ação pelo Bayern de Munique. Foto: Lennart Preiss – Getty Images.

Mas quando o Alonso fez igualzinho, me deu um pequeno ataque de riso.

Isso tem explicação. Faço parte da grande parcela da população alemã anti-Bayern, em função da ligeira arrogância bávara em geral, e da do Bayern München em especial por ter uma espécie de monopólio da compra dos melhores jogadores da Bundeliga e consequentemente ao título de campeão. Essa parcela só diminui quando o Bayern joga na Champions League, quando o patriotismo se sobrepõe à razão (mas isso “sem-migo” – neologismo de Dadá Maravilha).

Os bávaros completaram seu feito de não converter nenhum penalti, com Götze que teve seu chute defendido, e o goleiro Neuer que cobrou também e chutou na trave. Começaram a chover as perguntas: “Como é possível uma coisa dessa?” Se tivesse sido no Brasil, eu diria no Brasil tudo é possível. O Gerd Wenzel, que comenta os jogos da Bundesliga na ESPN disse no intervalo, antes das cobranças, que agora o que vai ser dicisivo seria a melhor condição física. Mas isso ele comenta em todas as fases finais. O Lahm já foi além e reconheceu na entrevista: “Não tem explicação. Coisas assim acontecem”. Falou a expreriência do ex-capitão da seleção alemã. Parece não tem explicação científica. Não pode ter sido graxa na grama, porque o jogo foi na casa do Bayern e nenhum outro batedor escorregou. Gelo também não houve no campo.

Vamos da superfície da grama ao subconsciente.

Será que faltou motivação ao time que tinha conquistado o campeonato da Liga na semana antes desse duelo? Ganhar o campeonato e o Pokal (copa) criaria a esperança de ganhar o Champions League e conquistar a triplice. Isso o clube já tem em seu curriculum, e seria muito difícil este ano enfrentando um Barcelona que reencontrou seu futebol e tem dois super-craques no ataque, o que Bayern não tem. Ninguém sabe disso melhor do que Guardiola. Sem falar do seu departamento médico lotado. Ou melhor, falando desse departamento. Num serto sentido o técnico faz parte dele. Depois da derrota de 3 a 1 contra o Porto, o médico que cuida do time principal do Bayern há quarenta anos entregou o cargo. Ele se sentiu responsabilizado pela derrota. E ele não é qualquer médico esportivo. Atende a craques do mundo inteiro que têm fé em suas chamadas “mãos douradas” para curar lesões musculares, além de usar outras receitas não convencionais. Por isso ele atende em uma clínica no centro de München, inclusive os machucados do Bayern. Guardiola nunca gostou disso. Para ele lugar de médico de time é ao lado do campo, inclusive nos treinos.

Será que o Bayern queria ajudar o rival Borussia Dortmund a ganhar alguma coisa nesta temporado desastrosa do time preto-amarelo da região industrial do Ruhr? Estão pagando caro por terem lucrado muito com a venda dos melhores jodagores. A culpa não é só deles. Lembramos que o poderoso Bayern compra quem quiser. Há dois anos atrás, Götze se transferiu de Dortmund para München e no ano passado foi a vez de Lewandowski. E assim se desfez uma máquina de fazer gols bonitos. Há outros motivos pelo fraco desempenho do time do técnico Jürgen Klopp. Seu esquema de jogo agressivo parece ter se esgotado, quer dizer, esgotou o time. Dizem que é por causa disso que anunciou o fim da sua permanência em Dortmund no final desta temporada.

Será que o Götze sentiu saudade dos tempos de Dortmund, quando errou – não, não errou. Chutou bem mas o goleiro reserva australiano da Borussia defendeu.

O trio Götze-Lewandowski-Reus encantou as arquibancadas da Borussia até o Bayern comprar dois deles e acabar com a festa. Deveria ser proibido a compra de um jogador para enfraquecer o rival e o encostar no banco de reserva. Foi isso o que aconteceu com Götze. Ainda bem que ele fez o gol da Copa no Maracanã, na final da Copa. Com escorregada para acertar.

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Götze, caído, faz o gol do título da Alemanha sobre a Argentina na Copa de 2014. Foto: J.P.Engelbrecht – PCRJ.

Será que o goleiro Neuer conseguiu se reprogramar dentro de poucos minutos de defensor do gol para atacante do mesmo? Ele foi o quarto cobrador nessa decisão e acabou por se tornar o último. Chutou na trave. Não é isso o último pensamento do goleiro? “Na trave!!! Se eu não pego, ainda tem a trave”. Ou o poste. Será que ele queria poupar o Schweinsteiger, escalado como último cobrador? Quem não lembra da final do Champions League, do Bayern contra Chelsea, em 2012? Lahm converteu na primeira cobrança. Schweinsteiger, por último, acertou o poste e Bayern perdeu.

Seja como for, no teatro grego os espectadores ficaram com a impressão que, de acordo com as mitologias antigas, as coisas são decididas pelos deuses.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Günther Augustin

Membro do grupo de pesquisa "FULIA - Futebol, Linguagem e Arte" na Faculdade de Letras da UFMG. Professor aposentado de Literatura Comparada. Formado em Lingua, Literatura e Cultura Alemãs e Inglesas, História e Ciências Políticas pelas universiadades de Tübingen/Alemanha e UFMG. Formado em futebol pela TSG Tübingen.

Como citar

AUGUSTIN, Günther. Escorregadas. Ludopédio, São Paulo, v. 71, n. 8, 2015.
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