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Estremecendo o chão da Vila Oficinas: A história do Operário Ferroviário de Ponta Grossa e a invenção de uma tradição baseada no futebol

Pedro Luís Macedo Dalcol 6 de maio de 2024

O dia 1° de maio de 1912 é celebrado como a data de fundação do clube ponta-grosense Operário Ferroviário Esporte Clube, que se encontra atualmente disputando a segunda divisão do campeonato brasileiro de futebol. 

O Operário Ferroviário representa, para o povo ponta-grossense, um grande símbolo da história local, levando a história do município para os campos de futebol de todo o Brasil. Sendo o maior clube da cidade, o fantasma (apelido que o clube recebe por seus torcedores) se tornou através dos anos o representante da cidade e da região dos Campos Gerais no esporte.

A noção de uma identidade regional formada em volta do futebol, perpassa o conceito de invenção das tradições, como abordado pelo historiador Eric Hobsbawn. Para ele, tradições inventadas são:

Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regras tácitas ou abertamente aceiras; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, viram inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica automaticamente uma continuidade em relação ao passado. (Hobsbawn, Eric; Ranger, Terence, 1997, p.9)

O autor usa como exemplo de sua tese, a forma como o futebol apresenta diversas tradições que, mesmo que obviamente inventadas, dentro do espaço imaginário do campo de futebol, parecem verdades concretas, absolutas e incontestáveis.

Na mesma linha, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, analisa a história regional com enfoque em sua constituição discursiva, historicizando o local e o separando de suas características puramente materiais, geográficas e espaciais.

A criação de uma história local, então, perpassa não apenas seu espaço físico, mas, também, os elementos discursivos e ideológicos que concebem uma narrativa regional com seus próprios símbolos e tradições:

Ele, o espaço, como também a região, não são pensados como acontecimentos históricos, apenas exerceriam funções históricas à medida que as condicionariam, que lhes serviriam de suporte. A flecha do tempo, a historicidade não estaria presente no relevo, na altitude, na natureza e na constituição do solo e de suas capacidades, na eventual proximidade do mar, no curso dos rios, nas temperaturas, no regime de ventos e de chuvas. Eles são tomados como elementos a-históricos que condicionariam a ocupação humana, a relação do homem com a terra, relação fundante da historicidade dos espaços. (ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de, 2008, p. 4)

O futebol, surge nesse debate como um exemplo desse fenômeno, onde uma noção identitária é criada através de símbolos, tradições e costumes. Através de suas torcidas, os clubes de futebol apresentam seus próprios simbolismos que se baseiam em diversas questões como, por exemplo, o local onde esse clube foi criado, que classe social ele representa, etc.

Nesse contexto, analisar um clube como o Operário Ferroviário, fundado na cidade de Ponta Grossa no interior do Paraná, nos mostra de que forma um clube de futebol pode representar a população de onde o mesmo se originou.

Mesmo que não exista necessariamente um consenso sobre a data real da fundação do clube, a dia 1°  de maio (onde se celebra o dia do trabalhador) se torna, simbolicamente, o aniversário do clube formado por operários que trabalhavam nas ferrovias da cidade nas primeiras décadas do século XX:

Ribeiro o Júnior (2002) salienta que apesar dos dados históricos apontarem que o clube foi fundado em 7 de abril de 1913, o mesmo existia de maneira informal entre os trabalhadores ferroviários desde os meados de 1912 ou 1911 e consequentemente, foi escolhido de maneira simbólica em seu estatuto a data de 1° de maio de 1912 como o dia de fundação da equipe. Essa data foi escolhida por ser a “Data Universal do Operário”. Assim, tradicionalmente o aniversário do Operário se comemora no dia 1° de maio, com promoções, amistosos e festas em geral para atrair mais torcedores. (Santos, 2010, p. 41)

A data escolhida reflete a bandeira que o clube busca se associar, se tornando o clube de futebol da classe operária da cidade, algo importante em um momento onde o futebol começava a se desvincular das elites e se tornar uma grande representação identitária das camadas populares brasileiras. Esse fator se torna ainda mais definitivo em uma cidade ferroviária como Ponta Grossa, onde a ferrovia era o ponto central do desenvolvimento econômico da cidade.

As ferrovias, implantadas no Brasil ao longo do século XIX pelo governo imperial, têm um papel fundamental na disseminação do esporte originário da Inglaterra em território brasileiro, onde muitos engenheiros ferroviários e demais trabalhadores britânicos vinham ao país para auxiliar as primeiras estradas férreas.  Além de seus conhecimentos sobre ferrovias, esses estrangeiros também trazem consigo o futebol que passa a ser praticado no Brasil. 

Dessa forma, muitas equipes locais formadas por trabalhadores ferroviários vão surgindo em todo território nacional, começando como uma forma de lazer para o tempo livre dos trabalhadores e que, ao passar dos anos, se tornam equipes oficiais e que por vezes saiam do amadorismo para emergirem em um clube profissional.

Ponta Grossa foi um dos berços do futebol no Paraná, onde diversas equipes foram formadas, principalmente ligadas aos escritórios da via férrea. Uma dessas equipes, vínculada a empresa American S. Brazilian Engineering Co., tinha trazido para a cidade, através de um de seus funcionários chamado Charles Wright, os materiais necessários para a prática do esporte bretão. (Ribeiro, 2004)

No ano de 1909, e  Ponta Grossa, ocorreu a primeira partida de futebol do estado organizada por jogadores Curitibanos que haviam começado a praticar o esporte após a chegada da primeira bola de futebol na cidade em julho do mesmo ano nas mãos de Frederico Essenfelder e de seu pai Florian Essenfelder, proprietário da famosa empresa de pianos Essenfelder.

Após ficarem sabendo da existência de um time de ferroviários ingleses em Ponta Grossa, os Curitibanos  desafiam a equipe ponta-grossense para uma partida. Com isso, em 23 de outubro de 1909, acontecia a primeira partida de futebol disputada no Paraná no Jockey Club Pontagrossense com vitória apertada da equipe de Ponta Grossa por 1 a 0. 

Poucos anos depois, com a crescente popularização do esporte e a criação de diversas novas equipes, o Operário Ferroviário (na época Foot Ball Club Operário Pontagrossense) surge nos aredores da Vila Oficinas. A história da fundação do Operário Ferroviário Esporte Clube é debatida dentro da historiografia local:

Entre os historiadores existem várias versões sobre a origem do clube em tela. Para Cardoso (1978), o Operário Sport Club (como era chamado na época) originou-se de outra equipe esportiva, o Tiro de Guerra Ponta Grossense. Já para João Alves Pereira (citado por RIBEIRO JÚNIOR, 2002) o Operário proveio do Riachuelo Sport Club. Mas a versão mais aceita hoje é de Ribeiro Júnior, que após pesquisar em jornais da época e entrevistar pessoas que vivenciaram o início do século XX, concluiu que o clube surgiu de um grupo de operários ferroviários que “trabalhavam nos escritórios e oficinas da Rede Viação Paraná – Santa Catarina, em Vila Oficinas, não havendo ligação alguma com o Riachuelo e o Tiro de Guerra Pontagrossense” (Santos, 2010, p. 40)

Como dito à priori, desde o início o Operário Ferroviário surge como um clube que visa representar a classe trabalhadora da cidade, diferentemente de outras equipes da cidade que tinham em seu elenco e na sua torcida apenas representantes da elite, como por exemplo, o Guarani, clube que protagonizou durante anos o principal clássico da cidade. Em entrevista cedida à Edvaldo Santos em ocasião de sua pesquisa que originou o Trabalho de Conclusão de Curso do mesmo, um torcedor relata:

Na época, ele tinha um diferencial. O torcedor do Operário era o Graxeiro. Já o do Guarani era só rico e branco. Negro eles não tinha. Primeiro jogador de cor que jogou no Guarani foi o Dimas, só em 1959 mais ou menos. Já o Operário era a torcida do povão. (Mauro Ferreira, entrevista para Edvanderson Santos, julho de 2010).

A entrevista aborda outro fator importante na criação de uma identidade baseada no clube, a democratização racial presente na história do Operário Ferroviário, fato que o próprio clube busca abraçar. 

Um exemplo disso é a descrição presente no site oficial do time que explica o uso das cores alvinegras desde a fundação do clube:

Segundo o pioneiro senhor Abel Ricci a cor do uniforme principal, não modificada até os dias atuais, foi idéia do senhor Alberto Scarpim: “trata-se de uma homenagem às raças branca e negra, que sempre terão vez em nossa agremiação”.

Essa atitude de busca de harmonia entre todos causou imediata simpatia pelo clube, lembrando que em 1912, apenas 24 anos após a promulgação da Lei Áurea, pouquíssimos times no país aceitavam jogadores negros em suas formações.

O Operário Ferroviário é considerado um dos pioneiros clubes no Brasil a ter tal postura civilizada.

Texto retirado do site oficial, acesso em: https://www.operarioferroviario.com.br/historia/

Conforme os anos foram passando, o Operário Ferroviário foi se destacando cada vez mais dentro do cenário paranaense de futebol, conquistando títulos importantes e visibilidade dentro do estado, e aos poucos foi se tornando o clube oficial do ponta-grossense. Fato que naturalmente foi utilizado pelos políticos da cidade que promoviam toda uma festa em dias de jogos do time:

Normalmente, quando uma equipe de fora vinha jogar em Ponta Grossa, esta era recebida na estação de trem, e de lá, quase em marcha militar seguia para a Vila Oficinas, acompanhada de bandas musicais (com destaque para a banda Lyra dos Campos) aonde se realizaria o jogo. Após este, independente do resultado, ambas as equipes voltavam de trem até o centro da cidade cantando juntos e se preparando para uma “cervejada” oferecida por algum diretor ou jogador do fantasma, onde torcedores, jogadores adversários e os anfitriões se confraternizavam. E muitas vezes, essa festa e se prolongava através de bailes animados por alguma banda (como por exemplo, o quarteto Smart Cinema) madrugada adentro ou acabava com a ida ao cinema Renascença onde assistiam a algum filme. (RIBEIRO JÚNIOR, 2002 e 2004). Estes acontecimentos mostram toda a força cultural e conseqüentes modificações sociais, espaciais e culturais que o Operário gerou já no início do século na cidade de Ponta Grossa. (Santos, 2010, p. 46)

Carro alegórico usado nos jogos. (Fonte: Ribeiro Junior, 2002)
Carro alegórico usado nos jogos. (Fonte: Ribeiro Junior, 2002)

A influência do time, pode ser vista em um fato que ocorreu no começo da década de 1970, onde por conta de crises financeiras, o Operário e o Guarani pediram desligamento da Federação Paranaense de Futebol e inscrevendo, no lugar do Operário, uma nova equipe na primeira divisão estadual de 1970, chamado Pontagrossense para representar a cidade no campeonato. O clube contava com jogadores do Operário e do Guarani e, mesmo com bons resultados no estadual, o clube não conseguiu apoio popular, gerando diversas campanhas para a volta do Operário ao campeonato, o que se concretizou em 1974.

Desfile do troféu do Campeonato Paranaense da Zona Sul de 1961. Fonte: Ribeiro Júnior (2002).
Desfile do troféu do Campeonato Paranaense da Zona Sul de 1961. Fonte: Ribeiro Júnior (2002).
 

A história do clube é regada de conquistas importantes como o título do Campeonato Paranense da Zona Sul em 1961, o título da primeira divisão paranaense em 2015, o título da Serie D do Brasileirão em 2017 e o título da Série C do Brasileirão em 2018, além de representar um importante símbolo da história da cidade e e seus habitantes que sempre lotam o estádio Germano Krüger em Vila Oficinas com sua apaixonada torcida.

Referências

ALBUQUERQUE JR., Durval Muniz de. Receitas Regionais: a noção de região como um ingrediente da historiografia brasileira ou o regionalismo como modo de preparo historiográfico. In: Anais do XVIII Encontro de História. Anpuh, Rio de Janeiro: 2008.

HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. 1997.

RIBEIRO JÚNIOR, José Cação. Operário o fantasma da vila. Ponta Grossa: UEPG, 2002.

RIBEIRO JÚNIOR, José Cação. Futebol ponta-grossense: Recortes da História. Ponta Grossa: UEPG, 2004

SANTOS, Edvanderson Ramalho dos. Operário Ferroviário Esporte Clube: Patrimônio cultural da cidade de Ponta Grossa. 2010. 141 f. Monografia (Geografia) – Setor de Ciências Exatas e Naturais, Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2010.

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Como citar

DALCOL, Pedro Luís Macedo. Estremecendo o chão da Vila Oficinas: A história do Operário Ferroviário de Ponta Grossa e a invenção de uma tradição baseada no futebol. Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 6, 2024.
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