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Fernando Collor de Mello, presidente… do CSA

Fábio Areias 11 de outubro de 2019

Desde 1973 Fernando Collor já combatia a ameaça vermelha. No caso, não eram os comunistas, mas o vermelho e branco do CRB, eterno rival do CSA em Alagoas.

Naquele distante ano, Collor assumiu a presidência do Centro Sportivo Alagoano, conhecido pela sigla CSA. O jovem Fernando tinha apenas 24 anos e seu mandato no clube de Maceió marcou o pontapé inicial de uma carreira política que culminou com a vitória na disputa presidencial de 1989.

Fernando Collor, presidente do CSA. Foto: Reprodução/Adailson Calheiros/Blog Cidadão Fluminense.

A revista Placar realizou em 1990 uma matéria com o balanço da passagem de Fernando Collor pelo Azulão do Mutange. Com o título de “A primeira presidência”, a reportagem do jornalista Warner Oliveira era interessante, mas infelizmente deve ter passado completamente desapercebida pelos brasileiros. Chegou às bancas em 16 de março, um dia após a posse de Collor no Congresso Nacional e no exato (e fatídico) dia do anúncio do confisco das poupanças. “Agora é vencer ou vencer” decretava o enérgico caçador de marajás.

https://books.google.com.br/books?id=1tl02-FlstQC&printsec=frontcover&dq=placar+1030
Capa da Revista Placar de 16 de março de 1990, data do confisco. Foto: Reprodução/Revista Placar.

“Conhecido à época apenas como o filho do senador Arnon de Mello e como diretor do jornal Gazeta de Alagoas, uma das empresas da família em Maceió, Fernando Collor não precisou de mais de um mês para percorrer aos 24 anos de idade o caminho entre o Conselho Deliberativo e a presidência do CSA, integrante do terceiro mundo do futebol brasileiro- clube de poucos recursos financeiros, dívida em formação, nenhuma tradição contra grandes times, mas imensa torcida.

Nesse cenário que até lembra o Brasil atual, Fernando Collor tornou-se conselheiro no dia 07 de agosto e a 3 de setembro era eleito presidente por aclamação forma que impôs para aceitar o cargo, pois não queria concorrer com outro candidato. Após a incomum subida, assumiu em um sintomático 7 de setembro, data do 60º aniversário do clube. No discurso de posse, a defesa contra as insinuações dos inimigos e frases que hoje soam curiosas: “Não vou fazer política no CSA, mesmo sendo filho de político. Não sou político. Sou um jovem que procura desempenhar suas funções da melhor maneira possível […] o azul sempre foi minha cor preferida […] As notícias que dão conta da minha condição de não azulino são falsas.” (Placar, ed. 1.030, p. 14).

Collor foi o primeiro e único presidente do Brasil que começou a carreira pública como presidente de um clube de futebol. Sua primeira base de apoio foi construída com os gols de Giraldo, Bibiu, Zé Leite e Manuelzinho nos gramados alagoanos. Em 1974, o CSA conquistou o campeonato estadual e após uma manobra política conseguiu a disputa de uma seletiva contra o CRB para a vaga do Alagoas no Campeonato Brasileiro daquele ano. Após dois empates, o CSA venceu o CRB por 3×1 e conquistou a vaga que nos anos anteriores era do rival. Naquele dia nenhum azulino o deixaria só.

No dia da posse, Collor abraça o antecessor José Maurício Breda. Foto: Reprodução/Revista Placar.

O então lateral-direito Valdyr Espinosa faz um relato positivo do jovem presidente: “Ele organizou muito bem o nosso time. Contratou uns cinco jogadores lá do futebol gaúcho, deu uma estrutura muito boa para a gente seguir nosso trabalho e acabamos campeões. Como dirigente, sempre foi um cara muito bacana, muito humilde, sempre atento com a gente”, relatou ao site Lance.

Talvez como um prenúncio, a aventura de Collor como presidente durou pouco. Em agosto de 1974, menos de um ano após assumir, ele se licenciou do cargo para ajudar a mãe Leda a concorrer ao cargo de deputada federal por Alagoas. Alegou não querer utilizar a influência do cargo para a campanha. A decisão de sair no auge da popularidade provavelmente foi a melhor escolha. No Campeonato Brasileiro de 1974, o clube fez uma campanha terrível com apenas uma vitória, dois empates e dezesseis derrotas. Último lugar entre os 40 participantes. O CSA foi mal no Nacional.

De acordo com o livro Notícias do Planalto, Arnon de Mello encontrou em Fernando Collor o seu sucessor político após tentativa frustrada com a mulher Leda e os problemas com os filhos Leopoldo e Pedro, mais velhos que Collor.

“Fernando Collor não estava destinado a ser o herdeiro político de Arnon de Mello. Havia outros dois Collor de Mello na linha sucessória: a sisuda Leda e o recalcitrante Leopoldo. Filha e mulher de políticos Leda queria ser parlamentar. Filiou-se à Arena e candidatou-se a deputada federal em 1974. Sua votação foi vexaminosa. Seria difícil a uma senhora de espesso sotaque gaúcho, orgulhosa de “só pensar em francês” como dizia, e sem nenhuma tarimba de palanque ser eleita em Alagoas. Ainda mais concorrendo pela Arena no ano em que o partido governista foi surrado nas urnas de norte a sul. […] Como a única coisa que Leopoldo queria da família era distância e Pedro era um rapazola estourado, sobrava Fernando Collor. Ele tinha transferido sua matrícula da UnB para a Universidade Federal de Alagoas e, aos trancos e barrancos, concluíra o curso de economia. Casara com Celi Elisabeth Montero de Carvalho, apelidada de Lilibeth, uma das herdeiras do conglomerado Monteiro Aranha, que estava entre os maiores grupos empresariais do país. O pai argumentava que o filho jovem poderia renovar a Arena em Alagoas. Collor não concordava nem discordava, ganhando tempo. Decidiu-se quando a saúde do pai fraquejou.”

A partir de 1975, Fernando Collor e o CSA seguiram caminhos distintos. Collor foi nomeado prefeito de Maceió em 1979, depois eleito deputado federal (1982-1986), governador de Alagoas (1987-89) e presidente do Brasil. A segunda presidência. Sofreu impeachment, perdeu e recuperou os direitos políticos, virou Senador e continua no noticiário político. Às vezes em outras editorias.

O presidente Fernando Collor acena para a população, após a cerimônia de descida da rampa. Foto: Wikipedia.

O CSA, por sua vez, mantém as ligações políticas. Arnon de Mello (filho de Collor, não o pai) e Euclides Mello, primo de Collor, também já ocuparam a presidência do clube. Desde 2015, quem manda é o empresário Rafael Tenório, outro nome com atuação política: no ano passado foi eleito suplente ao Senado Federal por Alagoas na chapa de Renan Calheiros. O sucesso do clube nos gramados com três acessos consecutivos se refletiu nas urnas. Algo relativamente comum para os padrões brasileiros.

Política e futebol em Alagoas – e em todos os estados – permanecem interligados. A visibilidade que o esporte proporciona é capaz de construir em um curto espaço de tempo heróis e políticos. Como negar um humilde voto a um “enviado de Deus” que ajuda tanto meu time? Não há como mensurar o tamanho do amor de Fernando Collor pelo CSA, mas com certeza seu sangue azulino o ajudou na estratégia de collorir o país.

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Referências

CONTI, Mário Sérgio. Notícias do Planalto. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

Revista Placar. Edição 1.030. A Primeira Presidência, p.14 e 15 (16 de março de 1990).

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Fábio Areias

Formado em Comunicação Social pela ESPM , cocriador do site Extracampo, projeto que busca apresentar as entrelinhas do futebol e seu impacto na sociedade e vida das pessoas.

Como citar

AREIAS, Fábio. Fernando Collor de Mello, presidente… do CSA. Ludopédio, São Paulo, v. 124, n. 11, 2019.
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