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Futebol e consumo turístico em Belo Horizonte

Erick Alan Moreira Ferreira 2 de setembro de 2015

Os dados apresentados neste texto são resultados parciais da dissertação de mestrado intitulada “Futebol e Turismo: possibilidades de aproximação entre o ‘novo’ Mineirão e a Pampulha”. Esta pesquisa foi realizada pelo Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Estudos do Lazer (PPGIEL/UFMG) e contou com o subsídio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

A interface entre o futebol e o turismo, que resulta no consumo turístico agregado a vivência futebolística, constitui-se um tipo de turismo denominado de “turismo futebolístico”. Enquanto tema acadêmico, o turismo futebolístico se insere dentro das concepções teórico-conceituais do segmento do turismo esportivo. Grosso modo, a literatura existente sobre este tema trata o turismo esportivo como uma inter-relação entre as áreas e não uma ruptura entre o esporte e o turismo, ou seja, este segmento representa o corpo de conhecimento e o conjunto de práticas em que as áreas do turismo e do esporte tornam-se interdependentes.

Ainda em termos de definições, autores de relevância internacional, como Charles Pigeassou (Universidade de Montpellier – França), Pedro de Carvalho e Rui Lourenço (Universidade da Beira Interior – Portugal), classificam a participação de viajantes – categoria que abarca tanto o turista (visitante que pernoita na cidade) quanto o excursionista (visitante de um dia apenas) – em atividades esportivas em três diferentes modalidades: “turismo de prática esportiva”, “turismo de evento esportivo” e “turismo esportivo de nostalgia”.

Não obstante, devido ao propósito deste texto, é importante elucidar as principais especificidades em relação ao turismo de evento esportivo. O conceito desta modalidade de turismo compreende o deslocamento daqueles indivíduos que viajam para assistir algum evento que envolve o esporte, não àqueles que participam de competições (turismo de prática esportiva), ou apenas, interessam pela contemplação de atrativos e equipamentos ligados a história e a memória do esporte (turismo esportivo de nostalgia). Trata-se, portanto, de um conjunto de atividades esportivas de que usufruam os viajantes enquanto espectadores.

O turismo de eventos esportivos também se difere das demais modalidades, pois, muitas vezes, a participação no esporte e no turismo ocorre de forma simultânea, já que os recursos empregados na infraestrutura esportiva e turística frequentemente são partilhados – isso inclui as instalações construídas, transportes, serviços de alimentos e bebidas, hospitalidade etc. Assim, a probabilidade dos investimentos empenhados para o desenvolvimento do esporte afetar o setor do turismo – e vice-versa – é grande. Pode-se citar como ilustração o fato de um equipamento esportivo – uma arena multiuso – servir tanto para o espetáculo esportivo quanto para a visitação turística.

Tratando-se especialmente sobre a capital mineira, o estádio Governador Magalhães Pinto (conhecido popularmente como Mineirão) – localizado ao lado do Conjunto Arquitetônico da Pampulha, espaço criado e recriado pelo poder público municipal para se tornar referência em termos de lazer e turismo – desde a sua inauguração, em 1965, além de ter se constituído como o principal símbolo da grandiosidade do futebol mineiro, sempre foi visto como um dos principais atrativos turísticos de Belo Horizonte, inclusive, fazendo parte de um dos mais imponentes cartões postais da cidade.

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Mineirão visto da Lagoa da Pampulha. Foto: Sérgio Settani Giglio.

Todavia, neste ano em que se comemora o meio-centenário do “gigante da Pampulha”, o “antigo” Mineirão já não existe mais, ele se perdeu junto ao processo de modernização do estádio para Copa do Mundo de 2014. Em detrimento ao estádio, emergiu o conceito de arenas multiuso, categoria na qual se insere o “novo” Mineirão, e, apesar deste novo modelo de equipamento esportivo apresentar diversas contradições – que merecem ser analisadas em um texto a parte – a sua atratividade turística tem se tornado mais evidente. Os dados da pesquisa supracitada mostram que, para 58,5% dos torcedores viajantes, a reforma do estádio é um motivo para querer frequentá-lo. Para esses torcedores, a melhoria dos aspectos que são intrínsecos à idealização das arenas multiuso (conforto, segurança, oferta de serviços, organização, infraestrutura, etc) são fatores que agregam valor ao “novo” Mineirão e o torna mais atrativo.

É importante destacar que, o viajante que participa de eventos esportivos, concomitantemente ao interesse pela vivência esportiva propriamente dita – como, por exemplo, o espetáculo futebolístico – necessita também consumir outro conjunto de componentes da oferta turística. Ele necessita de transporte, hospedagem (no caso de turistas), alimentação, informações turísticas, comércio local, serviços públicos, entre outros.

Diante deste contexto, este texto busca apresentar os resultados que ilustram o consumo turístico agregado à vivência futebolística em Belo Horizonte, com foco especial para as possibilidades de aproximação entre o “novo” Mineirão e a Pampulha. Os dados que serão apresentados foram coletados na parte externa (na proximidade dos bares/restaurantes e meios de hospedagem da região) e interna (esplanada e cadeiras) do “estádio”, entre os meses de abril a dezembro de 2014, abarcando um total de vinte e quatro jogos transcorridos em cinco diferentes competições: Campeonato Mineiro (1); Campeonato Brasileiro (15); Copa do Brasil (5); Taça Libertadores da América (2) e Recopa Sul-Americana (1), ou seja, as principais competições ao nível estadual, nacional e continental. Para poder participar da pesquisa, o torcedor deveria ter mais de dezoito anos de idade e não possuir moradia fixa na cidade de Belo Horizonte.

Foto 2 (Fonte: autor da pesquisa)
Torcedores em área VIP no Mineirão. Foto: Erick Alan Moreira Ferreira.

Dos 335 torcedores que participaram da pesquisa, 97,6% possuem moradia habitual no Brasil, sendo que, 65,8% moram em cidades mineiras. Sobre a participação de torcedores de outros estados, destacam-se os torcedores oriundos de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia, Paraná, Distrito Federal e Rio Grande do Norte, respectivamente. Em relação ao meio de transporte utilizado para o deslocamento até a capital mineira, o veículo próprio foi o mais utilizado (53,5%), seguido do avião (27,8%), veículo de amigos ou parentes (7,8%), transporte regular de linha convencional (7,2%), ônibus ou van fretada (2,7%) e transporte de torcida organizada (1%).

No que se refere ao tipo de viajante, 57,9% são turistas e 42,1% são excursionistas. Sobre o consumo de hospedagem entre os turistas, 55,2% utilizaram hotel/pousada, 36,1% casa de amigos ou parentes, 4,6% casa própria, 3,1% albergue/república e 1% disse ter utilizado outros tipos meio de hospedagem. Tratando-se especialmente sobre a utilização de meio de hospedagem comercial, quando a motivação principal da viagem é assistir uma partida de futebol no “novo” Mineirão, a região da Pampulha é a mais demandada, já que está localidade foi escolhida por 47,6% dos participantes da pesquisa, seguidamente das regionais Centro-Sul (35,7%) e Nordeste (11,9%) e da Mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte (4,8%).

No que tange ao consumo turístico na Pampulha – considerando-se além da utilização de hospedagem comercial o consumo de serviços de alimentos e bebidas e a visita aos demais atrativos turísticos – a minoria, apenas 29% dos torcedores viajantes, realizaram outras atividades turísticas agregadas à vivência do espetáculo futebolístico. Contudo, apesar deste tipo de comportamento ser pouco predominante, notou-se que, entre os torcedores que vivenciaram outras coisas além do futebol na Pampulha, o passeio pela Orla da Lagoa, o consumo em bares e restaurantes da região, a visita a Igreja de São Francisco (Igrejinha da Pampulha) e ao Zoológico, foram as atividades mais recorrentes.

Foto 3 (Fonte: autor da pesquisa)
Bares perto do estádio Mineirão. Foto: Erick Alan Moreira Ferreira.

Sobre os principais fatores que impedem os torcedores viajantes a conciliar a vivência futebolística com a atividade turística na Pampulha, foram ressaltados aspectos como a falta de tempo (apesar da maioria dos viajantes ser turista grande parte permanece apenas uma ou duas noites na cidade) e o excursionismo (viagem de “bate e volta”); futebol como motivo exclusivo da viagem; já conhecer os atrativos turísticos da região; horário dos jogos (grande parte dos jogos pesquisados ocorreu à noite); falta de oportunidade e a opção por outras regionais da cidade para vivências de atividades turísticas.

Comparando-se o consumo turístico realizado na Pampulha com consumo em outras regionais da cidade, os resultados também demonstram que, pequena parte dos torcedores, 25,4%, vivenciaram atividades turísticas fora da Pampulha. Assim, nota-se que a demanda por outras atividades de lazer, além do futebol, considerando todas as opções existentes na cidade é pequena. Relacionando-se estes dados com os resultados sobre o consumo turístico na Pampulha, observa-se que, 52,4% dos torcedores viajantes que praticaram atividades turísticas nesta região também visitaram atrações turísticas em outras regiões da cidade, ao passo que, apenas 14,3% dos torcedores que não fizeram atividades turísticas na Pampulha visitaram as atrações existentes em outras localidades do município. Portanto, nota-se que a demanda por atrações turísticas é condizente com o perfil de um torcedor mais específico, interessado não apenas no futebol, mas também nas atrações da cidade.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Erick Ferreira

Mestre em Estudos do Lazer (UFMG) Especialista em Gestão Pública (UFOP) Bacharel em Turismo (UFOP)

Como citar

FERREIRA, Erick Alan Moreira. Futebol e consumo turístico em Belo Horizonte. Ludopédio, São Paulo, v. 75, n. 1, 2015.
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