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Futebol, política e torcidas em Israel: o antagonismo de Hapoel Tel Aviv e Beitar Jerusalém

Luis Bouissou 26 de outubro de 2023

As tensões entre árabes e judeus são notícias frequentes nos jornais. Os conflitos datam desde meados do século XX, quando, em resposta ao Holocausto nazista, o Estado de Israel foi criado em território palestino. Em 1947, a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou a divisão da Palestina em dois Estados: um judeu e um árabe, e em 1948 o Estado de Israel foi formado. Assim, a partir desde momento, judeus de todo o mundo imigraram para o novo Estado. Árabes e judeus passaram a reclamar domínio do território, e disputá-lo.

O futebol é o esporte mais popular do mundo, é uma paixão compartilhada por milhões de pessoas em todo o planeta. No território que é, hoje, dominado pelo Estado de Israel não é diferente: o futebol, junto com o basquete, é a atividade mais assistida e praticada.

O Hapoel Tel Aviv, fundado em 1923, antes da própria criação de Israel, é um dos principais e mais antigos clubes de futebol de Israel. Segundo o seu website oficial: “Os valores do clube estão profundamente enraizados na história de Israel, e são baseados na garantia mútua, no amor às pessoas independente de raça, religião e sexo, no amor à pátria e na busca por excelência”. O clube está localizado na cidade de Tel Aviv, que é dita como o centro empresarial, de entretenimento e de artes da nação; e o nome Hapoel, significa trabalhador, em hebraico. O clube era parte da Histradrut, a Organização Geral dos Trabalhadores em Israel, havia uma ligação direta do clube com os ideais socialistas; o seu escudo tem a imagem da foice e do martelo, junto com a silhueta de um trabalhador e com a inscrição Hapoel.

Tel Aviv
Torcedores do Hapoel Tel Aviv fans no Bloomfield Stadium. Fonte: Wikipédia

O clube dos trabalhadores de Israel foi um dos primeiros a terem jogadores árabes- israelitas, e foi onde se formou o primeiro futebolista árabe a representar a seleção nacional de Israel, Rifaat Turk. O jogador árabe sofreu protestos racistas continuamente de torcedores rivais, e quando representava a seleção.

O Ultras Hapoel é o principal grupo de torcedores do Hapoel Tel Aviv, e se intitula como o único grupo de torcedores esquerdista de Israel. O grupo apoia a coexistência entre judeus e árabes, e é conhecido pelas ações sociais promovidas, como a coleta de suprimentos para refugiados. Na arquibancada, as bandeiras e outros materiais do grupo estampam o rosto de líderes comunistas, símbolos socialistas e protestos antirracistas. Em uma partida contra o Beitar Jerusalém, na temporada 05/06, os Ultras exibiram faixas contra o racismo em diversas línguas.

O Beitar Jerusalém, clube da capital declarada de Israel, representa a antítese ideológica do Hapoel Tel Aviv. Fundado em 1936, o clube conhecido como “O time do Estado” tem sua origem no Movimento Beitar, movimento sionista que defende a autodeterminação do povo judeu e a existência de um Estado nacional judaico, soberano e independente, no território onde historicamente existiu o antigo Reino de Israel. Sediado na cidade de Jerusalém, centro do confronto entre árabes e judeus, o clube tem o apoio dos principais líderes políticos do Estado, inclusive do Primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e é dito como “um time judeu em um Estado judeu”. Assim como o Hapoel Tel Aviv, a ideologia política é uma parte essencial do Beitar Jerusalém.

Beitar jerusalem
Teddy Stadium, estádio do Beitar. Fonte: Wikipédia

O clube nunca teve um jogador árabe-israelita em seu plantel, e em 2013, quando contratou dois jogadores muçulmanos da Chechênia, os atletas foram alvo de diversos protestos racistas. Em janeiro de 2013, Zaur Sadayev e Djebrail Kadiyev foram anunciados pelo Presidente Itzik Korenfine em uma conferência de imprensa, talvez, já prevendo a indignação dos torcedores. Segundo o Presidente, era esperado que novos jogadores fossem recebidos com amor, seguindo a cultura do clube, porém, as contratações deram origem aos protestos mais racistas vistos no futebol israelita; os jogadores foram recebidos com gritos de “vocês contrataram dois muçulmanos, e não jogadores de futebol”, “guerra”, e com o hino de Israel sendo cantado em coro. Quando Sadayev fez o seu primeiro gol pelo clube no Teddy Stadium, casa do Beitar Jerusalém, os torcedores não aceitaram o fato de um jogador muçulmano ter feito um gol pelo   clube, e abandoaram as arquibancadas, em protesto, exibiram a faixa “Beitar forever pure”, ou  seja, Beitar para sempre puro. Após quatro meses intensos, Sadayev e Kadiyev retornaram para a Chechênia.

Os protestos foram liderados pelo grupo La Familia, o principal grupo de torcedores do Beitar Jerusalém se intitula como o mais racista do país, cantando: “Aqui estamos, somos o clube de futebol mais racista do país”. O grupo foi fundado em 2005, e deste então é conhecido pela violência, racismo e extremismo ideológico. Em 2015, em uma nova onda de violência entre árabes e judeus em Israel, o grupo marchou pelas ruas de Jerusalém gritando em coro “morte aos árabes”, e procurando árabes para atacar.

Para o torcedor comum de futebol em Israel, o comportamento extremista do grupo não é aceitável, e segundo o Presidente Executivo do clube, Itzik Korenfine, os dizeres “Beitar Forever Pure” são intoleráveis, tendo em vista o que o povo judeu sofreu no passado.

O confronto entre Hapoel Tel Aviv e Beitar Jerusalém é a maior rivalidade não local de Israel, Tel Aviv e Jerusalém estão separadas por uma viajem de uma hora de carro, e representa o antagonismo existente na sociedade do israelita entre árabes e judeus. As manifestações da maioria dos torcedores de Tel Aviv e as posições tomadas pelo clube em si defendem a coexistência e o processo de paz, enquanto grande parte dos torcedores, especialmente do grupo “La Familia”, e os posicionamentos tomados em algumas situações pelo clube de Jerusalém defendem a separação e a guerra.

No dia 07 de outubro de 2023, o Hamas, grupo palestino que governa Gaza, atacou Israel. Um ataque tão mortífero e organizado não era esperado por Israel ou pela comunidade internacional, gerando novos ataques vindos de Israel e virando notícia no mundo inteiro. Ambos clubes, o Hapoel Tel Aviv e o Beitar Jerusalém, se posicionaram nas redes socias, promovendo doações e pesando pelos mortos, porém, o teor do posicionamento de cada clube foi diferente; nas redes sociais do clube de Tel Aviv haviam declarações como: “Mantenha-se seguro a ti e a teus familiares” e “O Hapoel Tel Aviv inclina a cabeça aos mortos e pede o envio de ajuda…”; enquanto o clube de Jerusalém declarou: “Juntos venceremos!”, “Deus vingará o sangue deles” e “Nós vamos ganhar”.

Referências

 DW Kick off!. Hapoel Tel Aviv: A bridge between Jews and Arabs in Israel. Youtube, 12 de set. de 2017. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=VZlJDYl-9rc

The Guardian. Beitar Jerusalem fans: ‘Here we are, we’re the most racist football team in the country’. Youtube, 24 de nov. de 2015. Disponível em: www.youtube.com/watch?v=GJOV_cN-JP8&t=2s

Hapoel Tel Aviv, 2023. Disponível em: www.htafc.co.il. Acesso em: 15 de set. De 2023.

Israel e Palestina: entenda a origem do conflito, 2021. Guia do, Estudante Editora Abril. Disponível em: https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/israel-e-palestina-entenda-a- origem-do-conflito. Acesso em: 15 de set. de 2023.

Ultras Hapoel, 2023. Disponível em: https://www.ultrashapoel.com/lenglish. Acesso em: 15 de set. de 2023.

Beitar Jerusalém, 2023. Disponível em: www.beitarfc.co.il. Acesso em 15 de set. de 2023.

FutbolGrad. Beitar Jerusalém – The History Behind The Chechen Affair. Disponível em: http://www.futbolgrad.com/beitar-jerusalem-the-history-behind-the-chechen-affair/. Acesso em: 15 de set. de 2023.

ETH Zurich. Israeli Football: The Politics off Play. Disponível em: https://css.ethz.ch/en/services/digital-library/articles/article.html/105084. Acesso em: 15 de set. de 2023.

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Como citar

BOUISSOU, Luis. Futebol, política e torcidas em Israel: o antagonismo de Hapoel Tel Aviv e Beitar Jerusalém. Ludopédio, São Paulo, v. 172, n. 26, 2023.
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