O último 5 de julho marcou a despedida dos gramados do alemão Toni Kroos, um dos melhores e mais vitoriosos jogadores de sua geração, campeão de praticamente tudo que é possível, tanto pelo Bayern München, seu clube de formação, quanto defendendo o Real Madrid. Pelos merengues ele atuou de 2014 até o título da Liga dos Campeões da Europa, em 1º de junho passado, na final contra o Borussia Dortmund. Aos incríveis seis títulos da maior competição de clubes do mundo, e a uma série de troféus nacionais e internacionais desde as categorias de base, soma-se a Copa de 2014, disputada no Brasil, onde compôs o trio do meio-campo germânico com Bastian Schweinsteiger e Sami Khedira.

A despedida de Kroos, ainda no auge da carreira e da adoração por parte de seus compatriotas, aconteceu na derrota frente à seleção da Espanha, pelas quartas-de-final da Eurocopa 2024. Enquanto em campo ele liderava uma nova geração de futebolistas, depois de ter interrompido a aposentadoria (de 2020 a 2023) do selecionado alemão, seus antigos companheiros estavam em nova funções. Khedira assistia à partida das tribunas especiais da Mercedes-Benz Arena, em Stuttgart, casa do clube de mesmo nome, no qual se formou como atleta e onde permaneceu até a transferência para o Real Madrid, aos 23 anos. Schweinsteiger, por sua vez, comentava a partida para o ARD, canal televisivo que reúne nove emissoras regionais, todas públicas, da Alemanha. Na nova função, Schweini, como é chamado por seus antigos colegas de futebol, segue com a mesma simpatia dos tempos de jogador, mas, ao que parece, ainda carece frente às câmaras da antiga desenvoltura que mostrava no campo, agora prisioneiro do terno alinhado, do penteado correto e do microfone bem empunhado.

Toni Kroos
Kroos na final Alemanha x Argentina, Copa do Mundo 2014. Fonte: Wikipedia

Há exatos 10 anos os três foram campeões mundiais por sua seleção, depois da vitória contra os argentinos. Em 13 de julho de 2014 o Maracanã viu um encontro equilibrado, que terminaria com a vitória alemã sacramentada com um gol a apenas sete minutos do final da prorrogação. Um triunfo difícil, certamente, mas esperado, assim como tampouco seria surpreendente se os hermanos houvessem conquistado o título, apesar de na final não contarem com um Leonel Messi a todo vapor, tampouco com a presença de Ángel Di Maria, que fez um grande torneio, mas, lesionado, permaneceu no banco de reservas durante toda a partida.

Os teutônicos tinham uma equipe poderosa, bem desenhada taticamente e com atletas muito bem preparados. Além disso, realizaram um perfeito planejamento logístico no Brasil, idealizado principalmente pelo diretor e antigo jogador do selecionado, Oliver Bierhoff. Concentrados em uma praia isolada na Bahia, treinaram um pouco, repousaram e descontraíram muito, sempre longe dos holofotes, mas com um competente plano de publicidade e engajamento. Com isso chegaram descansados e com força máxima em cada uma das difíceis partidas – disputadas de Fortaleza a Porto Alegre –, todas vitoriosas, com exceção de um empate em dois gols contra Gana (essa partida, aliás, marcou o enfrentamento dos irmãos Boateng, ambos de nacionalidade dupla, Jérôme atuando pela Alemanha e Kevin-Prince pela equipe africana). Além dos três meio-campistas, havia ainda Manuel Neuer no gol, Philipp Lahm na lateral-direita, Boateng e Mats Hummels na zaga, além dos atacantes Mesu Özil, o estilista, e Thomas Müller, um jogador versátil e que talvez tenha atuado pela seleção pela última vez exatamente na Eurocopa deste ano, a mesma que marcou a despedida de Kroos.

Mineirão
Mineirão no dia da partida Brasil x Alemanha, na Copa do Mundo 2014. Fonte: Wikipédia

Se a conquista da Copa não foi uma surpresa, a vitória na partida semifinal, cinco dias antes da decisiva, não poderia ser, pelo placar alcançado, mais espantosa. O 7 x 1 contra o time da casa, a seleção brasileira, foi a mais acachapante derrota esportiva jamais infligida ao escrete. Com alguma frequência se compara aquela terça-feira à perda do título de 1950, frente ao Uruguai, no conhecido Maracanazo. Se naquela ocasião o trauma na cultura foi grande, e ainda não está de todo resolvido – apesar dos desagravos, a injustiça contra o goleiro Moacir Barbosa se mantém –, o debacle esportivo se mostrou discreto: o placar apertado, o desfecho a poucos minutos do final (o gol de Alcides Ghiggia foi aos 34 do segundo tempo), a ótima equipe que tinham os uruguaios etc., tudo isso compôs um quadro verossímil para a queda. 8 de julho de 2014, no entanto, nunca foi esportivamente bem elaborado e a seleção brasileira não voltou a ter bons times, como até então mesmo nos reveses com frequência acontecia.

Pois bem, naquela tarde, em que todos ficamos estupefatos, onde quer que estivéssemos (eu assistia à partida pela TV em São Paulo, enquanto meus amigos Eduardo Galak e Vanesa Kanevsky estavam no Mineirão, presenciando o cataclisma), os três jovens alemães dominaram o meio-campo com passes precisos em velocidade, deslocamentos sincronizados e ocupação de espaços segura, imprimindo um ritmo ao jogo, principalmente no primeiro tempo, que deixou os brasileiros literalmente prostrados. Schweinsteiger era o motor, Kroos fez dois gols em dois minutos, Khedira um outro logo depois. Aos 29 minutos, o placar marcava 5 x 0 para os visitantes, que depois claramente diminuíram o ímpeto. Mesmo considerando a excepcionalidade de tudo, a improbabilidade de que semelhante fenômeno volte a acontecer, e a tarde letárgica dos atletas nacionais, volto a aplaudir aquele trio de rapazes, assim como seus companheiros de jornada. Quanto à seleção brasileira, que busque algum dia uma organização estrutural que esteja à altura de sua história, sem as fanfarronices tão repetidas como grito desesperado que brada que somos pentacampeões e que todos nos invejam. Um pouco de autocrítica não iria mal.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Alexandre Fernandez Vaz

Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC e integrante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Como citar

VAZ, Alexandre Fernandez. Há 10 anos, três jovens alemães. Ludopédio, São Paulo, v. 181, n. 13, 2024.
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