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Marcações históricas do Campeonato Paraibano de Futebol Feminino

Futebol feminino
Fonte: Divulgação/TV Tambaú

O Campeonato Paraibano de Futebol Feminino começou há mais de 25 anos, mas antes disso já havia uma movimentação em João Pessoa para dar o primeiro passo na modalidade feminina. Em 1991, um homem chamado Antônio Carlos Andrade de Medeiros, conhecido como Baza[1], promoveu um campeonato de futebol feminino de campo em João Pessoa. Disputaram as partidas os seguintes times: Marista, Palmeiras, Monte Castelo, União do Rangel, Grêmio Futebol Clube e o Ibis Atlético Clube, com vitória do Monte Castelo. Baza conta que, apesar de ele ter entrado com a ajuda prática para que o campeonato pudesse acontecer, quem comandava tudo era uma das atletas, Maria Rejane. Inclusive, foi ideia dela a criação do primeiro campeonato.

O primeiro Campeonato Paraibano de Futebol Feminino, então, aconteceu em 1991, mas sem oficialização, porque não foi organizado pela Federação Paraibana de Futebol (FPF). Este pode ser considerado como uma espécie de preparação para o campeonato oficial. Como já organizava os eventos da Prefeitura de João Pessoa, Baza também organizou o campeonato de 1991. Foi o primeiro da sua carreira no futebol feminino. O primeiro time de futebol feminino a surgir em João Pessoa, pela memória de Baza, foi o Monte Castelo, formado apenas por mulheres, no bairro do Castelo Branco.

Em 1995 a FPF organizou o primeiro Campeonato Paraibano de Futebol Feminino. Apesar de os times não precisarem de filiação, o campeonato foi promovido pela Federação. Fizeram parte desta data histórica os clubes Monte Castelo, Clube Recreativo do Flamengo, Santa Cruz de Santa Rita, Mamanguape Esporte Clube, SeleRocha Futebol Feminino, Sociedade Esportiva Manaíra, Gama, Comercial Esporte Clube e Santos Futebol Clube. O Monte Castelo entrou para história como o primeiro time campeão na modalidade, com a presença de Gleide Costas – atual técnica do time feminino do Botafogo-PB – como atleta, ao lado de Maria Rejane. Foi um campeonato aberto, tendo o Flamengo e o Santa Cruz como únicos clubes filiados à FPF.

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O que essas mulheres queriam era movimentar o futebol feminino pelo menos entre os bairros, para que pudesse incentivar cada vez mais as mulheres que gostavam da modalidade. “Elas começaram a trabalhar observando em cada bairro as meninas que jogavam, fazendo jogos amistosos nas escolas, observava quem tinha vontade, talento para futebol feminino”, conta Baza. Foi dessa forma que surgiu o campeonato de 1991 e, em seguida, houve a preparação para o de 1995. Depois disso, os amistosos foram mais frequentes.

Botauto - Campeonato Paraibano de Futebol Feminino
Edição de 2020 do Campeonato Paraibano de Futebol Feminino. Foto: Clicksportive

Baza foi diretor de futebol da FPF por quatro gestões, de 1980 até 2018. No entanto, mesmo com a sua presença, houve anos, desde 1995, em que o Campeonato Paraibano de Futebol Feminino não aconteceu. “Não existia motivação e não existia muitas equipes para se inscreverem pela Federação, ninguém se interessava”, ele conta. Com times femininos, eram mais de 50 clubes filiados, mas nenhum, conforme Baza, queria criar o time feminino. Até 2018, a média por campeonato feminino era de quatro a seis equipes. Muitos clubes não tinham sequer categoria de base e atuavam sem fins lucrativos. Dessa forma, os presidentes também não tinham poder aquisitivo.

Em 2008 o Campeonato Paraibano de Futebol Feminino aconteceu com todos os clubes filiados à FPF, tendo como time campeão a Portuguesa. Gleide também estava na formação do time. “Comandava o time sem ser treinadora, eu que armava o time, mas tinha um treinador oficial”, conta Gleide. Baza relembra a mesma situação. “Gleide era atleta, mas se juntava ao treinador. Jogava e ajudava no treinamento. Ele aprendeu muita coisa com ela. Começamos esse trabalho, principalmente, com a iniciativa dela. Foi uma vontade dela.”

Dessa forma, é possível criar uma linha cronológica, com base nas informações cedidas por Gleide Costa e Baza, sobre os anos em que houve o Campeonato Paraibano de Futebol Feminino. A primeira edição aconteceu em 1995, com vitória do Monte Castelo, sem que os clubes fossem obrigados a se filiar à Federação. O segundo só vem a acontecer em 2008, treze anos depois, com a Portuguesa como campeã. Em 2009 o campeonato não foi realizado. E, em 2010, segundo Gleide, aconteceu a Copa Paraíba, um campeonato à parte, que não tinha relação com o Campeonato Paraibano de Futebol Feminino. Em 2011, o Campeonato Paraibano volta a acontecer com o Botafogo-PB sendo campeão e o Auto Esporte vice-campeão. Em 2012, o Kashima foi campeão com o time comandado por Gleide Costa. Entre 2013 e 2014, a FPF passou por uma intervenção e, por isso, não houve o campeonato[2]. De 2015 a 2018 houve a competição e em todos esses anos o Botafogo-PB foi campeão. A invencibilidade só foi quebrada em 2019, quando o Auto Esporte conseguiu a taça, que voltou para as mãos do Botafogo-PB em 2020. Em 2021, o VF-4 venceu a competição no seu primeiro ano de disputa.

VF4
Foto: Lucas Barros / Facebook Projeto VF4

No começo, tudo era organizado manualmente. Era necessária uma ficha com foto de cada atleta e informações pessoais. O documento era levado para o campo e só jogava a partida quem estivesse na relação. Embora as mulheres precisassem apresentar os documentos durante os jogos, não havia uma limitação de idade. Gleide chegou a jogar um campeonato com apenas 15 anos, por exemplo. Como o campeonato já sofria dificuldades em acontecer, a faixa etária pouco importava. Mesmo assim, ainda era difícil reunir tantas mulheres. Para participar de uma partida havia um limite mínimo de sete jogadoras. Com isso, muitos times jogavam 90 minutos sem possibilidade de reserva.

Baza acompanhou quatro gestões na FPF e, claro, percebeu as mudanças no decorrer dos anos trabalhados. Hoje cada clube se responsabiliza em cadastrar as atletas de forma eletrônica. “Os clubes estão mais preparados. Tem gente mais capacitada para registrar as atletas. Para fazer o futebol feminino não adianta ‘boniteza’, prepara o bolso para investir e ter dinheiro para gastar. Tem que treinar, ter campo disponível, ambulância em jogos”, lembra Baza, do básico que o futebol precisa, não apenas o feminino. “Não é todo mundo que está preparado para fazer isso”, ressalta.

Notas

[1] A entrevista com Baza foi realizada no dia 27 de janeiro de 2020, em sua residência, em João Pessoa.

[2] Rosilene Gomes foi afastada da presidência da FPF no dia 3 de abril de 2014 por uma determinação da juíza Renata Câmara. A decisão foi baseada em uma Ação Cautelar de Exibição de Documentos, transitada em julgado no Tribunal de Justiça da Paraíba e movida pelo Auto Esporte Clube. Segundo a juíza, houve evidências “de que os clubes e ligas votantes no último pleito (da FPF) não estavam constituídos de forma regular ou mesmo de que, embora possivelmente constituídas com CNPJ e demais exigências legais, os seus supostos representantes legais não foram eleitos na forma estatutária”. Com isso, uma Junta Administrativa nomeada pela juíza Renata Câmara tomou posse da Federação.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Ana Daniella Fechine

Paraíba, feminista e peladeira. Formada em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e mestrando em Antropologia pela mesma instituição. Atualmente, pesquisadora de futebol e gênero, integrante do grupo de pesquisa ReNEme e do Guetu (UFPB).

Como citar

FECHINE, Ana Daniella. Marcações históricas do Campeonato Paraibano de Futebol Feminino. Ludopédio, São Paulo, v. 154, n. 7, 2022.
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