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Mineirão: a nossa ‘cancha’ nem sempre esteve lotada

Rivelle Nunes Carlos 5 de maio de 2020

É inevitável. Sempre que matérias de TV retratam o futebol das décadas de 70 e 80, lá estão as imagens de estádios lotados, fogos de artifício, inúmeras bandeiras desfraldadas nos nossos gigantes estádios. Maracanã, Morumbi, Mineirão são exemplos de colossos inaugurados entre 1950 e a metade dos anos 60 que nos remetem a suas antigas arquibancadas de concreto abarrotadas de torcedores. 

As imagens da decisão do Paulista de 1977, da invasão corintiana ao Maracanã em 1976, as decisões de Campeonato Brasileiro no início dos anos 80, os clássicos entre Atlético e Cruzeiro, Grêmio e Inter serão sempre as memórias mais sólidas. Geralmente são nessas partidas que ocorrem aquilo que, para muitos, merece ser lembrado. O fim da fila de títulos, aquele gol inesquecível, a decisão no último minuto. Porém, o futebol das décadas passadas era feito, também e em maior quantidade, de partidas com menos nobreza, que colocavam nossos gigantescos estádios quase às moscas. Principalmente em campeonatos estaduais, arquibancadas vazias era o mais corriqueiro.

O objetivo desse artigo é fazer um recorte dos públicos pagantes no estádio Mineirão, da sua inauguração até o final de 2019. Há no imaginário do torcedor que o Mineirão sempre recebeu grandes multidões, o que se mostrou incorreto com o estudo de cada um dos públicos, ano a ano. A soma total de público pagante do Mineirão em toda história encontrada nessa pesquisa é de 64.920.480 torcedores, nas 3.664 partidas disputadas. A média é de 17.719/jogo, ou seja, bem menor que a metade da atual capacidade. Nunca é demais lembrar que o estádio foi inaugurado para receber 130 mil torcedores.

Nas primeiras temporadas do Mineirão, de Setembro de 1965 até o final de 1969, o estádio recebeu 455 jogos e 7.664.097 torcedores pagaram ingressos para acompanhar as partidas, o que corresponde a uma média de 16.844 torcedores/jogo. Excluindo os clássicos entre Atlético e Cruzeiro, que nos primeiros anos levavam multidões acima de 70, 80 e 90 mil torcedores à Pampulha, poucas partidas eram capazes de atrair a atenção da grande massa de torcedores. Na maioria das oportunidades, apenas jogos do Santos, com Pelé, contra Seleção Mineira, Cruzeiro e Atlético, ou confrontos decisivos dos rivais mineiros contra forças de outros estados, pela Taça Brasil e Robertão, o Campeonato Brasileiro da época, atraíam mais do que 50 mil torcedores. Sempre importante lembrar que, se nos dias atuais 50 mil torcedores é maior até mesmo que a capacidade de público de grandes arenas, naquela época correspondia a menos da metade da ocupação do Mineirão, inaugurado para 130 mil ocupantes. Outros fatores, como rodadas duplas e amistosos contra seleções nacionais, como a URSS de Iashin por exemplo, atraíam o torcedor, mas longe de lotar o ‘Gigante da Pampulha’.

A década de 1970 foi marcada pela hegemonia cruzeirense nos primeiros anos e o Atlético dominando o final, com o time que iniciou a maior sequência de títulos mineiros no estádio, o hexa de 1978 a 1983. Porém, a grande quantidade de jogos dos dois gigantes pelo Campeonato Mineiro, que historicamente puxa a média de público para baixo, e vários outros com mandos de campo de Villa Nova e América fizeram com que a média de público no período fosse de apenas 15.528 torcedores. No período foram 958 partidas, com um total de 14.875.867 pagantes. Somente em 1979 foram realizadas 125 partidas no Mineirão. Alguns destaques no período foram as oito partidas com público acima de 100 mil pagantes. Em toda história, o Mineirão recebeu 16 confrontos nos quais mais de 100 mil torcedores pagaram ingressos. Foram 10 clássicos Cruzeiro e Atlético, outras cinco partidas do Atlético contra adversários de outros estados (Santos, Flamengo duas vezes, Fluminense e São Paulo) e uma do Cruzeiro, a final do Mundial Interclubes de 1976, contra o Bayern. O site Verminosos Por Futebol apresenta 19 partidas, porém o critério utilizado é o de público presente, não pagante.

Os anos 80 começam com um aumento na média de público do estádio, 19.703 em 1980 e 18.208 em 1981. No ano de 1987 há uma média muito boa para os padrões do Mineirão (22.151). Esse número foi possível graças às finais do Campeonato Brasileiro de 1986 acontecerem em Janeiro e Fevereiro de 1987, com grandes públicos nas fases mata-mata, como nos jogos Cruzeiro x Joinville e Atlético x Flamengo nas oitavas de final, além dos clássicos Atlético x Cruzeiro das quartas de final, e a semifinal entre Atlético e Guarani. O confronto Atlético e Flamengo, inclusive, é a última vez que o estádio recebeu um público pagante acima de 100 mil torcedores (104.497), em 4 de fevereiro. Em 1987, houve também a Copa União, um organizado e muito bem acompanhado Campeonato Brasileiro. Nenhuma partida daquela competição teve menos que 15 mil pagantes no estádio. Em contrapartida, o ano seguinte, 1988, foi o de menor média da história mais que cinquentenária do estádio. Em média, apenas 9.310 torcedores pagaram ingressos para assistir aos jogos. No total, o público entre 1980 e 1989 foi de 11.351.269 torcedores nas 738 partidas, média de 15.381.

Em 1996, o Mineirão passou pela primeira reforma mais abrangente desde a inauguração. O estádio ficou fechado até o mês de maio para reforma do gramado e sua primeira setorização. Questões de segurança diminuíram a capacidade de público e a quantidade de ingressos colocados à venda. A década é marcada pelo maior público presente registrado da história do estádio. Em 1997, na final do Campeonato Mineiro entre Cruzeiro e Villa Nova, 132.834 torcedores estiveram presentes. Sempre importante frisar que o objeto desse estudo é o público pagante, que nessa partida foi de de 74.857 torcedores. Como curiosidade, esse não foi o maior público pagante do ano. Na final da Copa Libertadores, entre Cruzeiro e Sporting Cristal, do Peru, 95.462 torcedores pagaram ingressos para assistir ao segundo título mineiro na competição continental. Outros destaques da década foram os públicos do Cruzeiro na Supercopa de 1992. Nas quatro partidas disputadas em casa, o time celeste levou 292.419 torcedores a pagarem ingressos, média de 73.104. O Atlético, nas fases decisivas do Brasileiro de 1996 (Portuguesa), 1997 (Botafogo e Corinthians) e 1999 (Vitória e Corinthians), também foi responsável por públicos acima de 70 mil pagantes. Os anos 90 terminaram com 571 partidas no estádio, um público pagante total de 10.614.227, média de 18.589. É dessa década, também, o menor público do estádio. Em 1999, apenas 88 torcedores desembolsaram um valor para assistir à vitória do América, por 6 a 1, em cima do Democrata, de Governador Valadares.

Até o fechamento do estádio, em 2010, para obras visando a Copa do Mundo, o Mineirão teve sua capacidade reduzida em mais duas oportunidades. A primeira delas foi graças ao rigor do Estatuto do Torcedor, que entrou em vigor em 2003. Questões de segurança e a possibilidade de punição aos responsáveis pela organização das partidas de futebol restringiram ainda mais a capacidade de público do estádio. Além disso, em 2004, todo o anel superior ganhou cadeiras. As obras aconteceram para que o estádio recebesse, depois de 11 anos, uma partida de eliminatórias de Copa do Mundo. O estádio foi escolhido para sediar o encontro entre Brasil e Argentina e, com a colocação das antigas cadeiras vermelhas, a capacidade do Mineirão ficou abaixo dos 75 mil torcedores, mesmo assim com a utilização completa da geral do estádio, o que não era algo comum. Alguns destaques na década foram os públicos de 2009, quando houve a melhor média histórica do que podemos chamar de ‘velho’ Mineirão. Foram 27.341 pagantes por jogo no ano em que o Cruzeiro foi finalista da Copa Libertadores e que o Atlético levou grandes públicos ao estádio, graças à boa campanha na maior parte daquele Campeonato Brasileiro.

As melhores médias

A história do Mineirão como uma arena padrão FIFA começou em 2013. Um dos primeiros estádios a ficar pronto para a Copa do Mundo do Brasil tem as suas melhores médias históricas justamente nos dois primeiros anos do ‘novo’ estádio. As copas, das Confederações e do Mundo, a excelente fase de Cruzeiro e Atlético, e a curiosidade pelo novo estádio fizeram com que, em média, 32.427 e 33.204 torcedores pagassem ingressos em 2013 e 2014, respectivamente. Importante ressaltar que, nas competições FIFA, há divulgação somente de público, sem especificar tratar-se de pagante ou presente. Portanto, para alcançar esse número, foram utilizados os dados divulgados pela entidade máxima do futebol na época das competições. Mesmo com a chamada elitização, a curiosidade pelo novo estádio levou torcedores como nunca ao Mineirão nos primeiros anos pós-reabertura. Até mesmo partidas do Campeonato Mineiro contavam com a presença acima de 10 mil torcedores por jogo. O público pagante total nos seis anos da ‘nova arena’ é de 7.602.803 torcedores, uma média de 25.948, nos 293 jogos realizados até então.

Interior do estádio Mineirão durante partida da Copa do Mundo FIFA de 2014. Foto: Wikipedia.

Antes de finalizar, importante alguns comentários para explicar o critério e dados utilizados na pesquisa. A extinta Administração de Estádios do Estado de Minas Gerais (ADEMG) produziu, durante os 45 anos em que geriu o Mineirão, fichas técnicas das partidas sediadas no estádio. Como ex-funcionário do Mineirão em duas oportunidades, tive acesso a essas fichas, de onde foram retirados os dados, o que facilitou imensamente toda a pesquisa. Ignorei clássicos pelas categorias de base que constavam nas fichas, uma vez que outras inúmeras partidas de divisões inferiores dos clubes aconteceram no estádio, mas sem ter os dados publicados. Esses arquivos também estão no site oficial do Mineirão e há no Museu Brasileiro do Futebol, espaço cultural do estádio, uma sala dedicada a esse acervo. Fiz o cruzamento das informações das fichas com acervos digitais de pesquisadores dos jogos de Cruzeiro e Atlético, além de plataformas confiáveis, como a RSSSF Brasil

Os próximos passos

Mesmo com toda cautela e apuro na pesquisa, por se tratar da história de 55 anos de um estádio que recebeu mais de três mil partidas, há possibilidade de ocorrer alguma pequena incoerência na catalogação dos dados. O estudo dos públicos pagantes é apenas o primeiro passo de uma pesquisa de resgate histórico do Mineirão, que no futuro podem responder a algumas perguntas. Quais as equipes mais jogaram no estádio? Qual é o público pagante por clube? Essas são apenas algumas respostas que virão na medida em que o estudo avançar e todos esses dados estiverem robustos. Uma forma de alimentar a curiosidade dos amantes do futebol mineiro.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Rivelle Nunes Carlos

Jornalista, com MBA em Jornalismo Esportivo, cursando MBA em Comunicação em Marketing. Por tanto frequentar as arquibancadas do Mineirão, foi assessor de Imprensa do estádio em duas oportunidades

Como citar

CARLOS, Rivelle Nunes. Mineirão: a nossa ‘cancha’ nem sempre esteve lotada. Ludopédio, São Paulo, v. 131, n. 10, 2020.
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    Rivelle Nunes Carlos