07.8

Nem aqui, nem na China

Paulo Nascimento 31 de janeiro de 2010

Primeiro, foram os protestos pró-Tibete. Isso, em concomitância a um trágico terremoto. Em seguida, a espetaculosidade do evento chamou a atenção da maioria de modo que não conseguíamos pensar em muita coisa além de resultados, partidas, medalhas. Quadro de medalhas… Muito se falou sobre a mudança de critério dos americanos para apontar quem era o país de melhor desempenho dos Jogos, sobre as maracutaias da organização dos Jogos para a Cerimônia de Abertura, o sueco da luta greco-romana que abandonou sua medalha de bronze em protesto, sobre Phelps, Usain Bolt… Mas o que poderia servir de mote para discussões políticas e sociais acabou não acontecendo.

Fiquei impressionado como, ao menos aqui na mídia brasileira, pouco ou nada se falou de outros assuntos. Eram análises restritas aos acontecimentos nas piscinas, nas quadras, os recordes… e quase nada além disso. E isso porque estava acontecendo uma guerra simultaneamente à realização dos Jogos1! Com isso não quero dizer, de modo algum, que há uma alienação inerente aos Jogos Olímpicos ou a qualquer grande evento esportivo. Não é essa a questão que me chama a atenção. Acredito, inclusive, que a beleza atlética2 seja um atrativo bastante legítimo para que prestemos atenção às disputas esportivas de qualquer ordem, de qualquer alcance, e que, por conta da dimensão dos Jogos Olímpicos, acabam adquirindo uma repercussão enorme mundo afora. Contudo, no que diz respeito aos recém-encerrados Jogos Olímpicos de Pequim, pouco se falou sobre questões de ordem geopolítica, social, econômica. Sendo que a China é, talvez hoje, a nação que chame mais a atenção da comunidade internacional globalizada, por conta de sua ascensão econômica concomitante à estagnação econômica norte-americana, por seu jeito comunista de fazer capitalismo, pelo pouco respeito a demandas da ordem dos direitos humanos e da liberdade de imprensa. Nem uma palavra sobre estes pontos polêmicos. E, aos atrevidos, foi relegado um discreto cala-boca. Afinal, o espetáculo não pode parar.

E como o futebol brasileiro ficou nessa história? A equipe feminina, à qual não irei me ater muito, teve um papel interessante, embora com um gosto de frustração ao final da participação, um paradoxal misto entre a consciência de que poderiam ter vencido, acompanhada da resignação de que, comparado ao apoio que recebem das instituições em seus países, o resultado que alcançaram foi excelente. Na terceira final seguida de um torneio importante, as brasileiras ficam com a prata, o segundo, o não-ouro, o vice, tão achincalhado por aqui. Triste, talvez, mas nada vergonhoso. Já a masculina…

Como era de se esperar, muita polêmica nos momentos pré-Jogos. A não-liberação de alguns atletas por seus clubes, o pouco respaldo dado pelos dirigentes brasileiros, a ínfima preparação, feita em poucos dias, para o torneio. Tudo isso somado ao ufanismo exagerado por parte dos brasileiros, que mantêm a torcida por seus atletas, seus times, sua nação, acreditando que, já que o brasileiro não desiste nunca, as chances de vitória sempre existem. Pois é, existirem, elas existem, mas raramente se efetivam quando desassociadas de uma preparação séria, realizada em longo prazo – predicados estes que, ao que me parece, são desconhecidos entre a maioria dos dirigentes esportivos brasileiros, aqueles mesmos que incharam o número da delegação brasileira em Pequim com poucos ou nenhum atributo para colaborarem com o desempenho dos atletas.

Quanto ao time olímpico de Dunga, com um jogo precário, a equipe foi dominada durante a maior parte do revés contra a Argentina. Embora alguns queiram pensar o contrário, não há, no esporte de alto rendimento, chance para o improviso: ou você se prepara seriamente, com afinco, para alcançar os melhores resultados, ou é se contentar com as sobras e com um desempenho mediano – ou, parafraseando nosso presidente (que inclusive acompanhou a partida semifinal olímpica no estádio, não escondendo sua frustração com o placar), um desempenho razoável. No caso do pretensioso time de Dunga, o razoável foi o bronze.

A partida contra a Argentina mostrou uma equipe frágil, sem conseguir valorizar sua posse de bola, cujo esquema ofensivo foi pouco eficiente, e ainda por cima excessivamente faltoso. Desnecessário jogo-sujo, que em se tratando de Jogos Olímpicos, soou como a exata antítese do alardeado fair-play. Festa para a Argentina, que depois comemoraria o bicampeonato, e subiria ao pódio para cumprir o ritual olímpico – não sem antes presenciar um descompromissado Ronaldinho Gaúcho, que, depois de ter sido flagrado de olhos vermelhos após a derrota na semifinal, mostrou ter superado bem (e rápido) o trauma da eliminação à final e permitiu-se um papinho no celular em plena cerimônia de entrega das medalhas. Afinal, aquela era a hora daquela gente bronzeada mostrar o seu valor.

A redenção dourada não veio. Dunga permanecerá sob intensa pressão para seguir no cargo de técnico da seleção. E é bom o time mostrar ao que veio nas eliminatórias, pois, do contrário, a pressão (que já é grande) aumentará. Se tomarmos como exemplo o nada empolgante futebol apresentado ao longo do torneio olímpico, sobretudo o da semifinal contra a Argentina, fica difícil esperar muito dessa comissão técnica. Com esse futebol pouco empolgante, já experimentado nas eliminatórias e retificado em Pequim, não precisou muito para o povo brasileiro, que adora rir de si mesmo (inclusive em momentos trágicos) popularizar o chiste: Dunga não é técnico de futebol nem aqui, nem na China.

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[1] Refiro-me, aqui, ao recente conflito no Cáucaso entre Rússia e Geórgia, pelo controle da região autônoma da Ossétia do Sul (“Confronto no Cáucaso faz 40 mil refugiados”. FOLHA DE S. PAULO, São Paulo, 11/08/2008, Caderno “Mundo”, p. A12).
[2] Tenho como referência para este conceito o livro “Elogio da Beleza Atlética”, de Hans Ulrich-Gumbrecht (GRUMBRECHT, 2007).

 

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Paulo Nascimento

Professor de História.

Como citar

NASCIMENTO, Paulo. Nem aqui, nem na China. Ludopédio, São Paulo, v. 07, n. 8, 2010.
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