A proposta desse texto é traçar uma conexão entre os argumentos defendidos pelo jornalista Paulo Vinícius Coelho de que o futebol olímpico seja algo menor com o canto entoado na partida entre Brasil e Colômbia pelas quartas de final do torneio de futebol do Rio 2016 de que “o campeão voltou”. A conexão que pretendo traçar é a de que em ambos os casos os aspectos históricos são negligenciados.

Apesar de o futebol ser uma das modalidades mais antigas do programa olímpico frequentemente ganha força o discurso de que não deveria estar nos Jogos Olímpicos. Este recorrente discurso reforça todos os esforços que a FIFA fez para valorizar a sua Copa do Mundo em detrimento de outras competições, especialmente, do torneio olímpico.

Aqui me refiro ao futebol masculino e não ao feminino pelo fato que este último entrou no programa olímpico apenas em 1996. O futebol masculino entrou no programa olímpico em 1900 como modalidade exibição. Assim ficou até 1904, ano de criação da FIFA. Em 1908 integrou oficialmente o programa olímpico.

O futebol masculino brasileiro nunca venceu essa competição. A estreia do futebol aconteceu apenas nos Jogos Olímpicos de Helsinque em 1952. Naquele momento das 13 edições realizadas o futebol esteve presente no programa olímpico em 11 delas (ficou de fora em 1896 e 1932), mas o Brasil não participou. Se o Brasil nunca ficou de fora de uma Copa do Mundo disputada desde 1930 no futebol olímpico em alguns momentos o Brasil não conseguiu sequer se classificar ou enviar uma equipe para os Jogos (1956, 1980, 1992 e 2004). Ao todo possui cinco medalhas. Foi três vezes medalha de prata (1984, 1988 e 2012) e duas vezes bronze (1996 e 2008).

Posto estes breves aspectos históricos do futebol olímpico masculino, eis que na partida pelas quartas de final disputada, em São Paulo, pelos Jogos Olímpicos Rio 2016 a torcida presente no estádio cantou, quando o jogo já estava 2 a 0 para o Brasil contra a Colômbia, “o campeão voltou”. Se nunca ganhamos como o campeão teria voltado? Eis um dos paradoxos da torcida que se faz presente nos megaeventos que sob a ideia de incentivar sua seleção acaba por incorrer do ponto de vista histórico.

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Seleção Olímpica Brasileira que enfrentou a Colômbia em jogo válido pelas quartas de final dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Foto: Lucas Figueiredo/Mowa Press.

Se o barulho que a torcida brasileira faz tem gerado uma visibilidade e questionamentos ao modo de torcer durante os Jogos do Rio 2016, muitas vezes desconsiderando o estilo de torcida que cada esporte definiu como padrão, pode-se facilmente perceber que a torcida do futebol é muito diferente da que participa dos campeonatos nacionais. Nessa partida contra a Colômbia em poucos momentos os gritos de incentivo duraram mais do que três repetições. Os cantos “sou brasileiro com muito orgulho”, “olelê, olalá, Brasil” ou o hit da Copa de 2014 “Mil gols, Mil gols, Só o Pelé, Maradona cheirador” estão longe de empolgar seja os jogadores brasileiros ou a própria torcida. Diante da falta de uma música que faça o estádio ferver eis que surge a música “o campeão voltou”.

Na última partida da fase de grupos do voleibol masculino nos Jogos do Rio 2016, o Brasil necessitava vencer a França. A torcida contagiou o estádio com a música do “campeão voltou”. Lá fazia sentido, a medalha de ouro olímpica já fora conquistada pela seleção brasileira de voleibol. Porém, cantar essa música em uma competição que nunca vencemos é um contra senso.

Ao menos do ponto de vista dos discursos a busca pela medalha de ouro é uma obsessão, afinal, é a única competição que o Brasil nunca conquistou. Para o colunista da Folha de S. Paulo, o jornalista Paulo Vinícius Coelho (PVC) trata-se de uma falsa obsessão. Seu argumento é que se fosse algo almejado e planejado o Brasil não montaria suas equipes em cima da hora. Podemos contrapor que essa falta de planejamento não é algo exclusivo do futebol olímpico, mas de todos os esportes olímpicos do país.

Além disso, nas disputas entre o COI e a FIFA pelo controle do futebol no mundo quem sofreu as maiores restrições foi o futebol olímpico. Como resultado dessas restrições muitos corroboram com o pensamento de PVC de que “o torneio olímpico nunca foi o título mais importante do futebol”. Afirmar isso é desconsiderar que, antes da criação da Copa do Mundo (1930), o campeão do torneio de futebol olímpico era considerado campeão do mundo. A importância que a Celeste Olímpica possui no futebol mundial é consequência do bicampeonato olímpico conquistado pelos uruguaios (1924-1928). Com a expansão da Copa do Mundo, especialmente, a partir do final dos anos 70 por meio da figura de um de seus presidentes, o brasileiro João Havelange, o futebol olímpico passou a ser considerado como algo menor e como uma etapa intermediária entre a recém criada Copa do Mundo de juniores em 1977 e a Copa do Mundo.

Quando PVC pontua que as duas medalhas de ouro conquistadas pela Argentina (2004 e 2008) são fruto do entendimento dos hermanos do que é o ciclo olímpico do futebol como “resultado final dos dois mundiais sub-20 anteriores. Coloccini, Ayala, Mascherano e D`Alessandro foram campeões mundiais de juniores e olímpicos, numa sequência de trabalho que levou ao primeiro ouro”. Veja o quadro fornecido pela própria FIFA sobre a ideia de que o futebol olímpico é uma etapa da formação do jogador que tem como topo a Copa do Mundo.

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Estrutura hierárquica dos campeonatos promovidos pela FIFA. Fonte: Olympic Football Tournament Los Angeles 1984 Technical Study, p. 23.

Como o esporte brasileiro é pautado pelo resultado imediato e não pelo investimento e preparação dos atletas pode ser que a seleção brasileira de futebol masculino finalmente consiga conquistar a medalha de ouro. Em um torneio curto como o futebol olímpico (ao todo uma seleção que chega à final faz seis jogos) vencer por 1 a 0 ou mesmo nos pênaltis pode levar uma seleção sem entrosamento até a partida final. Se é obsessão ou não pouco importa, o que importa é que o maior vencedor das Copas do Mundo ainda não tem em sua galeria de títulos a conquista do torneio olímpico. Se o Brasil ganhar a sua primeira medalha de ouro a partir da próxima edição olímpica a torcida brasileira poderá cantar “o campeão voltou”.

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COELHO, Paulo Vinicius. Falsa obsessão. Folha de S. Paulo, 12 de agosto de 2016, p. B5.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. O campeão voltou?. Ludopédio, São Paulo, v. 86, n. 8, 2016.
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