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O folkmarketing no campo do futebol: a produção de conteúdo para o Nordeste

Ana Flávia Nóbrega Araújo 16 de fevereiro de 2021

Cordel, festas juninas, tons terrosos que remetem ao imaginário popular da região e, claro, à trilha sonora embalada pelo forró. A lista de (quase) obrigatoriedades na produção de peças publicitárias e jornalísticas sobre ou para a região Nordeste é seguida à risca há anos e segue sendo predominante no meio. No futebol, é comum nos depararmos com as características citadas quando as empresas de mídia buscam atingir determinado público específico, neste caso, o nordestino.

A produção está para além do reforço aos estereótipos construídos e enraizados no imaginário social. Para pesquisadores da regionalização da mídia e da disputa de marketing no meio esportivo, a produção pautada nessas imagens, símbolos e signos servem, também, para representar o espectador como participante do meio e do produto, movimento que gera adesão e fidelização do público, um processo importante para contribuir com a consolidação do veículo ou marca no mercado e mundo capitalista em que estamos inseridos.

Há anos, a indústria do esporte estrutura-se e estuda as mais variadas faces do mercado para conhecer o processo de decisão de todos os torcedores, neste novo momento cada torcedor está vulnerável e disponível. Desse modo, as estratégias precisam ser eficazes na constante luta entre os concorrentes.

Nessa nova era, todos os torcedores são inconstantes; e todos os torcedores estão em jogo. Os concorrentes se empenham cada vez mais em guerra total pelo dinheiro, pelo tempo e pela preferência dos torcedores. Os executivos do mundo do esporte enfrentam hoje um novo nível de competição, uma verdadeira corrida para sobreviver num mercado assoberbado pelas opções, e uma batalha para definir, atrair e manter a fidelidade dos torcedores cada vez mais inconstantes (REIN et al., 2008, p. 20).

Para Irving Rein, Philip Kotler e Ben Shields (2008):

São incontáveis os fatores e as forças que pesam na decisão de quem adora esportes sobre comparecer a um evento, passar a tarde assistindo a um jogo na televisão ou mesmo de se envolver em atividades relacionadas a determinado tipo de esporte. O torcedor inconstante faz parte de um mercado dinâmico ao qual podemos atribuir as seguintes características: 1- ambiente competitivo; 2- torcedores com expectativas elevadas; 3- paradoxo comercial; 4- novas tecnologias; 5- individualismo; 6- mudanças na estrutura e no comportamento das famílias; 7 – falta de tempo. (REIN et al., 2008, p.21).

Para atingir os objetivos, as empresas de mídia buscam aproximar-se cada vez mais do nicho de mercado pretendido, incorporando fatores culturais e identitários para fortalecer os laços com o consumidor.

O folkmarketing como alternativa

O mascote, Zé Cabrito, a taça e a bola da competição, Asa Branca, no sorteio da Copa do Nordeste de 2021. Foto: Lucas Merçon/Divulgação.

No Nordeste, o caso mais claro e próximo é o da Copa do Nordeste. Desde a sua reestruturação e integração na grade do Esporte Interativo, a competição ganhou espaço no cenário nacional, consolidou-se entre os nordestinos e contribuiu para que a emissora conquistasse o seu lugar no mercado competitivo, apesar de, a preço de hoje, o torneio regional não ter sido o suficiente.

No entanto, os seus artifícios de marketing utilizados pelo Esporte Interativo para conquistar torcedores e espaços continua sendo seguido pelas empresas de mídia que continuam transmitindo a competição. A produção voltada para nichos específicos traduz os interesses das instituições/empresas e pode ser explicada através da ótica do folkmarketing.

Com foco na venda dos produtos quer seja em níveis simbólicos ou materiais, o enunciador usa a estratégia de gerar discursos onde o destaque está focado no reforço à identidade cultural como elemento valorativo. A medida não é inédita e vem sendo discutida em âmbito acadêmico como uma ramificação da teoria da Folkcomunicação. A tese foi formulada por Luiz Beltrão e tem como princípio voltar as atenções para as manifestações culturais populares no contexto das teorias da comunicação analisando a vertente da comunicação popular como uma manifestação do saber dos excluídos e marginalizados institucionalizados pela sociedade.

No contexto do folkmarketing, as manifestações culturais são apropriadas por empresas em mercadorias de cunho regionalista com objetivo mercadológico (vender e lucrar) e institucional (ganhar adesão do público).

Por folkmarketing entende-se:

“Modalidade comunicativa adotada pelas organizações públicas e privadas, para buscar identificação com seus públicos-alvo, falando a linguagem que eles querem ouvir, e mostrando as imagens que eles querem ver, fazem assim com que elas sejam percebidas segundo uma semântica de valoração das culturas rurais” (FILHO, 2011, p. 79).

Ainda segundo o autor, sintetizando o pensamento, as constantes apropriações das expressões e imagens folclóricas das culturas populares pelas organizações públicas e privadas têm objetivos comunicacionais de identificar-se com o seu público-alvo bem definidos (FILHO, 2008, p. 211). E, por isso, precisam conhecer a fundo os interesses do nicho para garantir o lugar de fala. As empresas de mídia “acompanham as mudanças sociais, econômicas e culturais da região onde atuam, como forma de conhecer e participar ativamente no mercado” (FILHO, 2011, p. 5).

Peça de divulgação da semifinal da Copa do Nordeste do ano de 2017. Foto: Reprodução/Esporte Interativo/YouTube.

Para ilustrar, na prática, o Esporte Interativo utilizou instrumentos característicos no imaginário popular para ilustrar imagens que são compartilhadas na internet, vinhetas que ilustram e embalam a abertura dos jogos da Copa do Nordeste, discursos durante a transmissão, realização de matérias e ainda adoção de representantes modelo. O chapéu e artigos de couro de vestimenta, forró, xilogravuras e tipografias que remetem à literatura de cordel, cores que compõem a paleta de cores estereotipada pela seca e aridez da caatinga, também estão presentes. A bola da competição, batizada de ‘Asa Branca’, representa o “hino” do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Marco na vida dos nordestinos.

Outro marco das transmissões é a valorização dos sotaques com equipe da própria região. A integração dos sotaques regionais na programação nacional das televisões – regionalizar o nacional – pode valorizar a cultura local de um povo e, proporcionalmente, tornar a audiência mais cativa, já que a imagem do cidadão é refletida na tela (BAZI, 2006, p. 85).

Herança que se propaga

Ano após ano de transmissões, as empresas de mídia continuam utilizando tais imagens. Depois de encerrar a transmissão da competição pelo Esporte Interativo, as emissoras afiliadas ao SBT e Live FC modificam as ilustrações, mas os elementos sempre permanecem presentes. Ao ativar esses símbolos e discursos, cria-se a possibilidade de ativar o consumo.

Do Esporte Interativo herdou-se também discursos de caráter libertário incentivando o futebol e os clubes nordestinos. Campanhas com discurso de resistência a produção fora da região foram amplamente acolhidas pelo torcedor, pelo telespectador e pelo público no estádio.

Em 2021, por exemplo, para se aproximar ainda mais dos torcedores nordestinos, o serviço de streaming Live FC, que faz a cobertura oficial da competição, alterou o nome para Nordeste FC. Na peça publicitária de divulgação da mudança, o texto fala sobre a readequação ao DNA nordestino. Vale salientar que o (re)posicionamento das empresas não surgiram do nada. Ele é originário das próprias arquibancadas e da inquietação dos torcedores que buscam a valorização do esporte regional e local.

A partir dessa profusão de termos, sons e imagens que cercam as situações corriqueiras e muitas vezes nos perseguem em todas as horas do dia a dia, cria-se um cenário de intercomunicação mediada, de identificação social. O torcedor nordestino, conectado às novas mídias digitais, mantém contato com o conteúdo disseminado pelas empresas, interagindo e construindo o sentimento de pertencimento, orgulho e, consequentemente, fidelização.

Referências

ARAÚJO, Ana Flávia Nóbrega. O jogo da conquista no campo do folkmarketing: regionalismo e consumo nas telas do Esporte Interativo. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Comunicação Social) – Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2018.

BAZI, Rogério E. R.. Dilemas e perspectivas da televisão regional. In: FADUL, Anamaria e GOBBI, Maria Cristina. Mídia e região na era digital: diversidade cultural, convergência midiática. São Paulo: Arte&Ciência, 2006. p. 77-87.

BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: conceitos e definições. In: Rio de Janeiro (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. Folkcomunicação – a mídia dos excluídos. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: A Secretaria, 2007.

FILHO, Severino Alves de Lucena. Folkcomunicação no contexto da Comunicação. Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, ano 15, n. 15, 2011.

FILHO, Severino Alves de L. O Cordel: Um Discurso Popular no Contexto do Folkmarketing. In: TRIGUEIRO, Osvaldo Meira; MELO, José Marques de. (orgs.) Luiz Beltrão: pioneiro das ciências da comunicação no Brasil. Editora Universitária da UFPB; INTERCOM, 2008. João Pessoa, Paraíba.

REIN, Irving; KOTLER, Philip; SHIELDS, Ben. Marketing esportivo: a reinvenção do esporte na busca de torcedores. Bookman, 2008.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Ana Flávia Nóbrega

Paraibana e jornalista. Atua como repórter no Jornal A União e portal Voz da Torcida. Comentarista esportiva na Rádio Tabajara. Já foi editora do programa Globo Esporte Campina Grande, na TV Paraíba e repórter do GloboEsporte.com/pb. É pesquisadora de futebol nordestino com ênfase nas relações entre regionalização das transmissões esportivas e os modos de torcer. Atualmente está com a pesquisa de mestrado em andamento no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Integra o Coletivo ReNEme.

Como citar

ARAúJO, Ana Flávia Nóbrega. O folkmarketing no campo do futebol: a produção de conteúdo para o Nordeste. Ludopédio, São Paulo, v. 140, n. 34, 2021.
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