O folkmarketing no campo do futebol: a produção de conteúdo para o Nordeste
Cordel, festas juninas, tons terrosos que remetem ao imaginário popular da região e, claro, à trilha sonora embalada pelo forró. A lista de (quase) obrigatoriedades na produção de peças publicitárias e jornalísticas sobre ou para a região Nordeste é seguida à risca há anos e segue sendo predominante no meio. No futebol, é comum nos depararmos com as características citadas quando as empresas de mídia buscam atingir determinado público específico, neste caso, o nordestino.
A produção está para além do reforço aos estereótipos construídos e enraizados no imaginário social. Para pesquisadores da regionalização da mídia e da disputa de marketing no meio esportivo, a produção pautada nessas imagens, símbolos e signos servem, também, para representar o espectador como participante do meio e do produto, movimento que gera adesão e fidelização do público, um processo importante para contribuir com a consolidação do veículo ou marca no mercado e mundo capitalista em que estamos inseridos.
Há anos, a indústria do esporte estrutura-se e estuda as mais variadas faces do mercado para conhecer o processo de decisão de todos os torcedores, neste novo momento cada torcedor está vulnerável e disponível. Desse modo, as estratégias precisam ser eficazes na constante luta entre os concorrentes.
Nessa nova era, todos os torcedores são inconstantes; e todos os torcedores estão em jogo. Os concorrentes se empenham cada vez mais em guerra total pelo dinheiro, pelo tempo e pela preferência dos torcedores. Os executivos do mundo do esporte enfrentam hoje um novo nível de competição, uma verdadeira corrida para sobreviver num mercado assoberbado pelas opções, e uma batalha para definir, atrair e manter a fidelidade dos torcedores cada vez mais inconstantes (REIN et al., 2008, p. 20).
Para Irving Rein, Philip Kotler e Ben Shields (2008):
São incontáveis os fatores e as forças que pesam na decisão de quem adora esportes sobre comparecer a um evento, passar a tarde assistindo a um jogo na televisão ou mesmo de se envolver em atividades relacionadas a determinado tipo de esporte. O torcedor inconstante faz parte de um mercado dinâmico ao qual podemos atribuir as seguintes características: 1- ambiente competitivo; 2- torcedores com expectativas elevadas; 3- paradoxo comercial; 4- novas tecnologias; 5- individualismo; 6- mudanças na estrutura e no comportamento das famílias; 7 – falta de tempo. (REIN et al., 2008, p.21).
Para atingir os objetivos, as empresas de mídia buscam aproximar-se cada vez mais do nicho de mercado pretendido, incorporando fatores culturais e identitários para fortalecer os laços com o consumidor.
O folkmarketing como alternativa
No Nordeste, o caso mais claro e próximo é o da Copa do Nordeste. Desde a sua reestruturação e integração na grade do Esporte Interativo, a competição ganhou espaço no cenário nacional, consolidou-se entre os nordestinos e contribuiu para que a emissora conquistasse o seu lugar no mercado competitivo, apesar de, a preço de hoje, o torneio regional não ter sido o suficiente.
No entanto, os seus artifícios de marketing utilizados pelo Esporte Interativo para conquistar torcedores e espaços continua sendo seguido pelas empresas de mídia que continuam transmitindo a competição. A produção voltada para nichos específicos traduz os interesses das instituições/empresas e pode ser explicada através da ótica do folkmarketing.
Com foco na venda dos produtos quer seja em níveis simbólicos ou materiais, o enunciador usa a estratégia de gerar discursos onde o destaque está focado no reforço à identidade cultural como elemento valorativo. A medida não é inédita e vem sendo discutida em âmbito acadêmico como uma ramificação da teoria da Folkcomunicação. A tese foi formulada por Luiz Beltrão e tem como princípio voltar as atenções para as manifestações culturais populares no contexto das teorias da comunicação analisando a vertente da comunicação popular como uma manifestação do saber dos excluídos e marginalizados institucionalizados pela sociedade.
No contexto do folkmarketing, as manifestações culturais são apropriadas por empresas em mercadorias de cunho regionalista com objetivo mercadológico (vender e lucrar) e institucional (ganhar adesão do público).
Por folkmarketing entende-se:
“Modalidade comunicativa adotada pelas organizações públicas e privadas, para buscar identificação com seus públicos-alvo, falando a linguagem que eles querem ouvir, e mostrando as imagens que eles querem ver, fazem assim com que elas sejam percebidas segundo uma semântica de valoração das culturas rurais” (FILHO, 2011, p. 79).
Ainda segundo o autor, sintetizando o pensamento, as constantes apropriações das expressões e imagens folclóricas das culturas populares pelas organizações públicas e privadas têm objetivos comunicacionais de identificar-se com o seu público-alvo bem definidos (FILHO, 2008, p. 211). E, por isso, precisam conhecer a fundo os interesses do nicho para garantir o lugar de fala. As empresas de mídia “acompanham as mudanças sociais, econômicas e culturais da região onde atuam, como forma de conhecer e participar ativamente no mercado” (FILHO, 2011, p. 5).
Para ilustrar, na prática, o Esporte Interativo utilizou instrumentos característicos no imaginário popular para ilustrar imagens que são compartilhadas na internet, vinhetas que ilustram e embalam a abertura dos jogos da Copa do Nordeste, discursos durante a transmissão, realização de matérias e ainda adoção de representantes modelo. O chapéu e artigos de couro de vestimenta, forró, xilogravuras e tipografias que remetem à literatura de cordel, cores que compõem a paleta de cores estereotipada pela seca e aridez da caatinga, também estão presentes. A bola da competição, batizada de ‘Asa Branca’, representa o “hino” do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. Marco na vida dos nordestinos.
Outro marco das transmissões é a valorização dos sotaques com equipe da própria região. A integração dos sotaques regionais na programação nacional das televisões – regionalizar o nacional – pode valorizar a cultura local de um povo e, proporcionalmente, tornar a audiência mais cativa, já que a imagem do cidadão é refletida na tela (BAZI, 2006, p. 85).
Herança que se propaga
Ano após ano de transmissões, as empresas de mídia continuam utilizando tais imagens. Depois de encerrar a transmissão da competição pelo Esporte Interativo, as emissoras afiliadas ao SBT e Live FC modificam as ilustrações, mas os elementos sempre permanecem presentes. Ao ativar esses símbolos e discursos, cria-se a possibilidade de ativar o consumo.
Do Esporte Interativo herdou-se também discursos de caráter libertário incentivando o futebol e os clubes nordestinos. Campanhas com discurso de resistência a produção fora da região foram amplamente acolhidas pelo torcedor, pelo telespectador e pelo público no estádio.
Em 2021, por exemplo, para se aproximar ainda mais dos torcedores nordestinos, o serviço de streaming Live FC, que faz a cobertura oficial da competição, alterou o nome para Nordeste FC. Na peça publicitária de divulgação da mudança, o texto fala sobre a readequação ao DNA nordestino. Vale salientar que o (re)posicionamento das empresas não surgiram do nada. Ele é originário das próprias arquibancadas e da inquietação dos torcedores que buscam a valorização do esporte regional e local.
A partir dessa profusão de termos, sons e imagens que cercam as situações corriqueiras e muitas vezes nos perseguem em todas as horas do dia a dia, cria-se um cenário de intercomunicação mediada, de identificação social. O torcedor nordestino, conectado às novas mídias digitais, mantém contato com o conteúdo disseminado pelas empresas, interagindo e construindo o sentimento de pertencimento, orgulho e, consequentemente, fidelização.
Referências
ARAÚJO, Ana Flávia Nóbrega. O jogo da conquista no campo do folkmarketing: regionalismo e consumo nas telas do Esporte Interativo. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Comunicação Social) – Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2018.
BAZI, Rogério E. R.. Dilemas e perspectivas da televisão regional. In: FADUL, Anamaria e GOBBI, Maria Cristina. Mídia e região na era digital: diversidade cultural, convergência midiática. São Paulo: Arte&Ciência, 2006. p. 77-87.
BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: conceitos e definições. In: Rio de Janeiro (Cidade). Secretaria Especial de Comunicação Social. Folkcomunicação – a mídia dos excluídos. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro: Rio de Janeiro: A Secretaria, 2007.
FILHO, Severino Alves de Lucena. Folkcomunicação no contexto da Comunicação. Anuário Unesco/Metodista de Comunicação Regional, ano 15, n. 15, 2011.
FILHO, Severino Alves de L. O Cordel: Um Discurso Popular no Contexto do Folkmarketing. In: TRIGUEIRO, Osvaldo Meira; MELO, José Marques de. (orgs.) Luiz Beltrão: pioneiro das ciências da comunicação no Brasil. Editora Universitária da UFPB; INTERCOM, 2008. João Pessoa, Paraíba.
REIN, Irving; KOTLER, Philip; SHIELDS, Ben. Marketing esportivo: a reinvenção do esporte na busca de torcedores. Bookman, 2008.