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O Sebastianismo no futebol brasileiro

Dom Sebastião I
Dom Sebastião I, rei de Portugal. Fonte: Wikimedia Commons

Tal qual a crença profética portuguesa surgida no final do século XVI de que o Dom Sebastião, desaparecido em uma batalha, não estaria morto e retornaria para salvar seu reino, os dirigentes brasileiros creem que técnicos portugueses podem fazer o mesmo com a qualidade do futebol praticado nas terras tupiniquins.

Jorge Jesus
Foto: Alexandre Vidal / Flamengo / Fotos Públicas

Jorge Jesus capitaneou a nau do sucesso e todos os cartolas se voltaram para a Península Ibérica desde então. Atualmente temos quatro técnicos atuando aqui: Abel Ferreira (Palmeiras), Vítor Pereira (Corinthians), Luís Castro (Botafogo) e António Oliveira (Cuiabá).

Subtraímos dessa contagem Paulo Sousa, que fora dispensado de seu cargo no Flamengo recentemente.

Esse messianismo - busca incessante por um salvador da pátria que tire os clubes da mediocridade do futebol brasileiro - , se tornou um prato cheio para aproveitadores de todas as estirpes. Afinal, a cultura brasileira é imediatista e nada mais prático do que trazer alguém que forneça todas as “ferramentas” necessárias para aprontar a obra. Então, quando algum lusitano desembarca aqui traz consigo a batuta da sabedoria secular do Velho Mundo e num passe de mágica, tudo se transforma.

Essa ideia ingênua é passada pelos comandantes dos clubes para seus torcedores. Cansados de meio de tabela, de “quase ou pela lembrança do Flamengo de 2019, todos veem com bons olhos um “gringo” que fale português. E esse viralatismo nos torna “reféns” de apostas.

Até os mais apaixonados torcedores do Palmeiras admitem que não faziam ideia de quem era Abel Ferreira, antes dele chegar aqui. Sim, o português de Penafiel, teve brevíssima carreira em sua terra natal e na ocasião que fora trazido comandava o modesto PAOK da Grécia. Não havia pompa, títulos ou circunstância em seu currículo. Mas havia uma vitória em cima de Jorge Jesus, então no Benfica. Seriam essas as credenciais necessárias?

Abel Ferreira
Abel Ferreira, multicampeão pelo Palmeiras. Fonte: reprodução redes sociais

O que Abel Ferreira representa para o Palmeiras é inegável, conquistou duas Libertadores em sequência (2020, 2021), uma Copa do Brasil (2020), uma Recopa Sul-americana (2022) e um Campeonato Paulista (2022) e neste ano busca o caneco nacional que lhe falta, o Campeonato Brasileiro.

Podemos até questionar em que Abel Ferreira acrescenta ao futebol brasileiro, mas não podemos questionar que, até então, é o lusitano mais vencedor. Cabe dizer também que ele está desenvolvendo sua careira aqui. Se alguém acredita ter achado o seu Dom Sebastião, esse alguém é o torcedor palmeirense.

No que tange a roleta-russa que são as escolhas de técnico do Flamengo, Paulo Sousa foi o nome que menos empolgou a todos. Sonhou-se com o regresso de Jorge Jesus; paquerou-se com Leonardo Jardim; rolaram flertes com Carlos Carvalhal e o “match” foi com o então técnico da seleção da Polônia. Embora, ninguém soubesse, de fato, dar uma explicação lógica para tal escolha, o pedigree lusitano estava ali e era o suficiente. Hoje, nós podemos dizer que não era.

Vítor Pereira
Vítor Pereira, currículo de campeão e prestígio com a torcida corinthiana. Foto: Felipe Szpak/Agência Corinthians

O Corinthians, após demitir Sylvinho, viu-se tentado a embarcar nessa moda de técnicos lusitanos e foi atrás de um nome livre no mercado. Este não só com pedigree, como também status de campeão, Vítor Pereira. Contrato curto, um ano, afinal, estamos falando de imediatismo. O elenco? Vítor sabe bem o quão desequilibrado é. Os responsáveis por sua formação? A diretoria de futebol. 

Sorte que a Gaviões e os torcedores corintianos no geral, já sacaram que o “portuga” não levará todas as vaias e críticas se a cartada não funcionar. Lembrando que o clube paulista tem uma dívida tremenda e paga a Pereira e sua comissão técnica algo em torno de 300 mil euros (1,8 milhões de reais) por mês, é muito investimento!

Luís Castro
Luís Castro foi o nome escolhido para a reconstrução do Botafogo. Foto: Foto: Vitor Silva/BFR

Processo e reconstrução, esse é o lema do Botafogo nesta temporada. Com o bilionário John Textor a frente do futebol, o técnico Luís Castro (também especulado no Corinthians) assinou em março o seu contrato. Talvez seja o menos pressionado no momento, a torcida acredita em seu potencial para reconstruir uma equipe forte que num futuro próximo poderá levantar taças das principais competições novamente. Ninguém sabe ao certo se o Textor estava convicto disso, mas o “hype” lusitano afetou até o norte-americano.

António Oliveira
António Oliveira, atual técnico no Cuiabá. Foto: Divulgação/AthleticoPR

Por falar em “hype”, quando até uma equipe modesta da Série A aposta num português é porque a moda realmente pegou, caso este do Cuiabá. O time mato-grossense contratou recentemente António Oliveira. O lusitano teve uma passagem sem brilho pelo Athletico Paranaense, em 2021. Seria mais um caso de aposta na “grife portuguesa”? Eu acho que sim.

Paulo Sousa
Paulo Sousa, ex-técnico do Flamengo. Foto: reprodução redes sociais

Não é muito difícil desfazer essa crença secular atualmente, basta virar os olhos para a Gávea. O Clube de Regatas do Flamengo sofre com a mediocridade de seus dirigentes com escolhas aleatórias e completamente equivocadas de técnicos. Esse amadorismo dos cartolas já rendeu muitos milhões a menos nos cofres, gracejos e soluções caseiras pouco condizentes com as ambições do time.

Dito tudo isso, acho que é possível concluir que se quisermos realmente um futebol nacional forte e competitivo é preciso buscar qualificação do mais alto escalão até a base da pirâmide. O troca-troca de técnicos não convence mais as torcidas. A mediocridade saiu dos gramados para as salas das diretorias, ou o futebol brasileiro cria coragem e profissionaliza quem manda ou lentamente seremos engolidos por investidores (oportunistas ou não). Seria esse o novo sebastianismo?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Leila de Melo

Ex-atleta frustrada e jornalista por vocação. Fã de Kobe Bryant e de esquema 4-4-2. Escreve sobre esporte, porque a vida não  é o bastante. Jornalista formada em comunicação social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Como citar

MELO, Leila de. O Sebastianismo no futebol brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 156, n. 13, 2022.
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