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“Para além do futebol” – Nova coluna do Ludopédio

Wagner Xavier de Camargo 19 de fevereiro de 2017

Em geral, quando usamos o advérbio ‘além’ na língua portuguesa queremos dizer, numa primeira acepção, um lugar que se situa depois de dado limite, como, por exemplo, “da arquibancada olhava os jogadores consternados pela derrota, que além iam passando”. No exemplo, esse ‘além’ diz respeito ao local depois do alambrado que separa o sujeito que olhava (ponto de vista a partir da arquibancada) os jogadores passantes. Inclusive nessa primeira acepção o ‘além’ demarca um lado oposto ao emissor da opinião, ou do seu olhar. Num segundo sentido também usual, ‘além’ pode se referir a mais adiante, mais a frente, como no caso da seguinte expressão: “não consegui remar satisfatoriamente; o primeiro colocado estava muito além”. E, nesse exemplo dado, há uma terceira nuance de ‘além’, qual seja, o atleta remador que fala não conseguiu alcançar o primeiro colocado (e, portanto, não obteve medalha de ouro) porque “as habilidades do outro estavam muito além das suas” – e, aqui, podemos entender o uso do advérbio como muito distante, algo extraordinariamente inalcançável.

Todo esse blá-blá-blá etimológico acerca do significado do advérbio ‘além’ na língua portuguesa é para introduzir o título de minha coluna no Ludopédio. Ela se chamará “Para além do futebol” e aqui há duas intencionalidades que devem ser sublinhadas: a) os assuntos/temas que aparecerão têm a pretensão de ir além dos limites da modalidade futebol como ele tem sido tratado e considerado nos textos usuais do portal e, b) tais assuntos/temas não necessariamente passarão pelo futebol ou farão referência a ele, pois estarão além (dele).

Para além do futebol: jogo Ituano x Chapecoense (jan/2017). Foto: Fábio Soares/Futebol de Campo.
Para além do futebol: jogo Ituano x Chapecoense (jan/2017). Foto: Fábio Soares/Futebol de Campo.

Nessa altura do campeonato, você leitor ou leitora do Ludopédio estará pensando (talvez com certa irritação) “ora, se a coluna não tratará de futebol, porque sua presença se justifica num portal que pretende reunir justamente informações sobre a modalidade”. E, com o devido respeito, respondo: ela existirá no maior portal acadêmico de futebol do Brasil justamente para mostrar que o futebol não existe sozinho e sim numa relação referencial com todo o universo de outros esportes (principalmente os coletivos). Além disso, não há nada que se fale sobre o futebol que não tenha ecos em outras modalidades, desde características de entrenabilidade, torcidas, categorias etárias, materiais e implementos, espaços de prática, competições esportivas, nível de rendimento, etc., isso tanto no cenário brasileiro, como nas múltiplas realidades mundo afora.

A coluna surgiu para agregar conhecimentos, arejando ideias. Tem o propósito de reunir amantes de esportes e (atuais) fãs que compõem o fenômeno do multiesportivismo originado nos últimos anos em nosso país. Ela busca fortalecer as discussões realizadas pelos/as diversos/as colaboradores/as, bem como conferir opiniões e informações que desloquem o olhar para o que está além – e que pode, outrossim, também complementar as posições, visões e análises sobre o futebol feitas por toda essa gente expert. Dessa forma quero mostrar, a partir das ideias vislumbradas na coluna, que tudo o que se refere ao futebol também e, analogamente, faz menção às dimensões à sua volta: a não referência ao tipo de futebol de que se trata (de campo, de salão, ou americano) já parte de um pressuposto que é preciso superar; bem como quando se fala de “Copa do Mundo de Futebol” é tomado, implicitamente, que se trata do “padrão” e “hegemônico” futebol masculino – que não existe sozinho. E sabemos muito bem (talvez sem admitir) que o futebol tem múltiplas expressões, que vão das distinções de gênero (futebol de homens, futebol de mulheres, futebol de gays), passando pelos tipos de futebol (futebol aborígene, futebol americano, futebol ancestral) até às diferenças de habilidade (futebol sub-20, futebol de amputados, futebol de cegos).

Assim, queridos leitores e queridas leitoras, sintam-se convidados/as a lerem o que logo se seguirá nesta coluna, e, sobretudo, considerem-se provocados/as a se manifestarem, pois dessa forma não apenas melhoraremos nossos argumentos, como o próprio saber sobre futebol e suas dimensionalidades aumentará exponencialmente.

Obrigado pela leitura!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Wagner Xavier de Camargo

É antropólogo e se dedica a pesquisar corpos, gêneros e sexualidades nas práticas esportivas. Tem pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Carlos, Doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e estágio doutoral em Estudos Latino-americanos na Freie Universität von Berlin, Alemanha. Fluente em alemão, inglês e espanhol, adora esportes. Já foi atleta de corrida do atletismo, fez ciclismo em tandem com atletas cegos, praticou ginástica artística e trampolim acrobático, jogou amadoramente frisbee e futebol americano. Sua última aventura esportiva se deu na modalidade tiro com arco.

Como citar

CAMARGO, Wagner Xavier de. “Para além do futebol” – Nova coluna do Ludopédio. Ludopédio, São Paulo, v. 92, n. 16, 2017.
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