O que os anos de 1989 e de 1995 têm em comum? Aparentemente nada de concreto. Para que possamos ver as possíveis intersecções é preciso relembrar alguns acontecimentos marcantes desses dois anos.

Em 1989 o mundo mudou, aconteceram grandes transformações: no Paraguai, Alfredo Stroessner foi derrubado (fevereiro), o protesto dos estudantes chineses que acabou conhecido como o Massacre da Praça da Paz Celestial (junho), uma revolta na Romênia derruba o ditado Ceaussescu (dezembro) e no Brasil é eleito para presidente, Fernando Collor de Melo (como esquecer disso?). No futebol, o Vasco sagrou-se campeão brasileiro ao derrotar o São Paulo, no Morumbi, por 1 a 0, gol de Sorato (lembra-se dele?). E o artilheiro do campeonato foi Túlio Maravilha, ainda no Goiás, depois disso passou por uma infinidade de times.

No primeiro dia do ano de 1995, Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência do Brasil, o filme Forrest Gump ganha o Oscar (março), Jacques Chirac é eleito presidente da França (maio), a internet ainda em crescimento sofre mudanças, agora o registro dos domínios são cobrados (setembro) e, no futebol europeu, é criada a Lei Bosman que pôs fim ao passe, sendo permitido o livre-trânsito entre os jogadores europeus dos clubes da União Européia (dezembro). No futebol brasileiro, o Botafogo sagrou-se campeão nacional ao empatar o segundo jogo por 1 a 1. Adivinha quem foi o artilheiro da competição? Ele, Túlio Maravilha, pelo Botafogo, agora com 23 gols.

Será que as semelhanças limitam-se ao fato dos times cariocas terem sido campeões brasileiros e o Túlio Maravilha ter sido artilheiro das competições? Claro que não, temos que lembrar em 1989 começou a dinastia Teixeira no futebol brasileiro e, em 1995, a dinastia Nuzman no esporte nacional.

Os dois estão no poder desde esses anos e por lá ficarão por mais alguns anos, pois o Brasil foi confirmado como sede da Copa de 2014 e o país também conquistou o direito em ser sede dos Jogo Olímpicos, agora de 2016. Será que teremos que esperar até 2014 ou 2016 para ver alguma mudança esporte nacional? Claro que o futebol brasileiro está bem diferente daquele de 1989. Entre as principais mudanças (recentes) foi a adoção dos pontos corridos como modelo de campeonato e parece que esse ano está mais emocionante, pois nenhuma equipe disparou. A disputa se mantém interessante tanto na parte de cima da tabela quanto na parte de baixo para saber quem vai para a série B.

Diante do seu poder absoluto, Teixeira que, além de presidente da CBF, também será o presidente do conselho de administração e da diretoria executiva, não tem a menor vergonha em dar um cargo à sua filha, que será a secretária administrativa. Não discuto a competência da sua filha, afinal, nem a conheço. As críticas feitas pela mídia em relação às suas escolhas são o puro reflexo da sua postura diante da presidência da CBF, local em que se estabeleceu, conseguiu o pode e não quer soltá-lo. Teixeira pouco se importa com as críticas, faz o que sua convicção manda, ou seja, que é manter-se no poder.

O seu colega de cargo, Nuzman, que preside o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) parece que aprendeu bastante com a gestão de Teixeira. Na gíria popular, podemos dizer que gostou do poder, está fascinado. Não se importa com nada, quer estar à frente, ser o comandante, levar o Brasil ao topo olímpico. As eleições para o COB de 2009 foram feitas às pressas. Poucos dias antes do evento, os eleitores, membros da assembléia do comitê, foram avisados. A publicação do edital, restringiu-se ao “Jornal dos Sports” e ao “Jornal do Comércio”, que não estão entre os jornais de maior circulação no Rio de Janeiro. Segundo Kfouri (2008b), Nuzman:

Atingiu aquele ponto que só a pessoa sem nenhum problema de consciência, ou com todos, alcança: dane-se o que vão dizer de mim. O que tem a consciência tranqüila sabe que nada pode feri-lo. O que perdeu a vergonha na cara não está nem aí mais para coisa alguma, só quer desfrutar, pensem o que pensarem as pessoas, a opinião pública, o país.

O jornalista Doro (2008) conversou com o ex-judoca Aurélio Miguel e o ex-iatista Lars Grael que apóiam uma proposta não aprovada sobre a regulamentação das eleições nas confederações esportivas. Na proposta vetada, o presidente eleito só poderia se candidatar a uma reeleição, cada mandato teria apenas quatro anos e o número de votantes aumentaria, com a inclusão de clubes, associações e atletas (atualmente somente as federações estaduais participam da eleição na maioria das entidades).

Para a candidatura do Rio de Janeiro, o presidente Lula assinou uma medida provisória que destinou 85 milhões ao projeto. Se o sonho de Nuzman é criar um Brasil olímpico forte será que ele vai no caminho certo? Investir no esporte de alto rendimento não seria inverter a lógica dos fatos? Afirmar que seria o papel da Educação Física Escolar garimpar os talentos também nãos seria outro grande equivoco? Lembro que o governo federal apóia essa iniciativa, basta consultar o programa de descoberta do talento esportivo disponível na internet.

Se quer um Brasil forte nos esportes deveria investir na base e essa base não é a Educação Física. Significa montar centros esportivos de qualidade em diversas cidades brasileiras e não centralizar as ações nas principais cidades do país. Mas isso custa caro, então, é mais fácil utilizar uma estrutura escolar que, se não é boa, já existe e isso é o essencial.

O problema do poder absoluto do futebol brasileiro e do esporte nacional enquadram-se numa inversão de valores, investe-se sempre no produto final, no ponto em que aparece na mídia, enfim, na visibilidade. Os times brasileiros estão falidos, cheio de dívidas e a CBF cada vez mais forte. Não nos esqueçamos que a CBF só existe porque existem clubes filiados a ela e, dessa forma, não seria mais lógico ajudá-los? Uma Copa do Mundo vai realmente melhorar o nosso futebol? Ao invés de gastar o dinheiro que foi gasto com o Pan e com as inúmeras candidaturas olímpicas, não teria sido melhor investir na base, ter mais crianças praticando esporte? Qual o legado de eventos desses esportes para a cidade, para o país? A população poderá usar as instalações? Bom, se você perguntar ao Ricardo Teixeira e ao Carlos Nuzman eles certamente dirão que não!

Bibliografia
DORO, Bruno. “Era Nuzman” ajuda a perpetuar cartolas eternos no esporte olímpico. UOL. Disponível em: http://esporte.uol.com.br/ultimas/2008/10/10/ult58u1209.jhtm. Acesso em: 15/10/2008.
KFOURI, Juca. A Copa é nostra. Folha de S. Paulo. 2 de outubro de 2008a.
KFOURI, Juca. Medalha de lata. Folha de S. Paulo. 5 de outubro de 2008b.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Poder absoluto no esporte brasileiro. Ludopédio, São Paulo, v. 09, n. 2, 2010.
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