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Performance artística, dança, esporte: qual é a identidade do Pole Dance?

Provavelmente você já ouviu falar, pratica ou viu algo relacionado ao pole dance. Emergindo como uma atividade aeróbia desenvolvida em academias de ginásticas (assim como pilates, spinning, kickboxing, body combat e outras) ou estúdios privados, o pole dance aglutina cada vez mais adeptos, principalmente entre jovens, mulheres e homens, em grandes centros urbanos. E, se sua popularidade cresce numa velocidade exponencial, crescem também perguntas relativas à sua prática corporal e origens.

Se proveniente do famoso Mastro Chinês, vertical e emborrachado, que aparecia nos circos antigos dos anos 1000 d.C. na China, se originário do Mallakhamb, uma antiga competição que testa reflexo, concentração, resistência em volta de um poste de madeira muito comum até hoje na Índia, ou se oriundo das danças exóticas nos cabarés de fins do século XIX nos Estados Unidos e Canadá, ainda pouco sabemos. O pole dance não apenas desperta a atenção como exercício físico, mas possibilita uma agenda de pesquisa na contemporaneidade relativa ao corpo da mulher e sua agência, à discussão da relação gênero/sexualidade mediante uma atividade não convencional, e à supersexualização de corpos na cultura do consumo.

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Corpo feminino numa das posições do Pole Dance. Foto: Jim O’Connell (CC BY-NC-ND).

No entanto, quaisquer que sejam suas origens, o pole dance passou para a história com a pecha de atividade vulgar, vinculado à exposição sexualizada do corpo feminino agarrado a um mastro, em ambientes de prostituição de casas noturnas, tradicionalmente voltadas para entretenimento de homens heterossexuais (os chamados clubes de striptease). Podemos desenvolver, assim, um novo e interessante olhar a partir disso, baseado nas novas contingências e contextos que envolvem o exercício do pole dance na atualidade.

Sem dúvida a proliferação de academias e estúdios para mulheres, que oferecem a prática da modalidade para elas como se fora qualquer outra listada nestes ambientes, desloca o pole dance de uma espécie de “dança erótica” direcionada a homens para um exercício corporal performático, realizado com fins de entretenimento ou condicionamento físico de mulheres (e entre mulheres). Isso tem implicações feministas sintomáticas, pois a “passividade” e “subserviência” tradicionalmente atribuídas às mulheres nesta prática corporal dariam lugar à agência e à subversão.

De outra parte, o famigerado olhar masculino, componente perverso da objetificação do corpo da mulher no contexto dos cabarés, seria agora esvaziado de sentido, pois não faz mais parte da prática em questão. As sessões de pole dance envolvem mulheres treinando entre si e quando homens estão presentes, em geral, são minoria ou possuem vínculos com as praticantes (namorados ou amigos). A operação de desfocar ou apagar o olhar masculino do contexto é estratégica para o empoderamento da mulher. A atividade pela atividade passa, assim, pelo viés do prazer próprio, pelo desvínculo sexual e pelo apagamento da situação dicotômica sujeito/objeto.

Por sua vez, alguns homens trocaram de lado e têm se tornado praticantes efetivos de pole dance na atualidade, principalmente pelo argumento de que exercícios praticados em academias de musculação são enfadonhos e repetitivos. Essa é uma tendência também que atinge outras práticas esportivas contemporâneas como o crossfit, a corrida de aventura, as escolas de atividades circenses, os esportes radicais e os esportes aéreos (saltos de paraquedas, voo de parapentes, asa deltas ou monomotor), todas com muito apelo por parte deles.

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Público assiste a uma apresentação de Pole Dance. Acervo: Karen Vaz de Lima.

Aliás, essas mudanças de comportamentos generificados na atualidade trazem elementos para refletir sobre ideias de senso comum acerca do pole dance. Em geral, ele é alvo de críticas descabidas, relacionadas ao sexo ou gênero de praticantes: julga-se, por exemplo, que a atividade deva ser eminentemente feminina e que homens praticantes são, necessariamente, homossexuais. As mulheres são, igualmente, tachadas como vulgares ou prostitutas, particularmente pelas roupas curtas e quando usam alguma maquiagem ou batom. Infelizmente esses preconceitos são oriundos das concepções heteronormativas vigentes nas sociedades contemporâneas, ou seja, aquelas que tomam como norma única o modo de funcionamento da heterossexualidade.

O fato é que o pole dance é um fenômeno cultural (re)editado pela/na contemporaneidade e que participa da indústria do entretenimento. Está presente em academias e estúdios em grandes cidades de todo o globo. Essa sua popularização atual deve-se a uma multiplicidade de possibilidades recreacionais ou esportivas à disposição de um amplo público da atual sociedade de consumo. Alguns indagariam se isso não é apenas e tão somente uma onda midiática(?), ao que propriamente não sabemos responder.

Contudo, o que nos parece enigmático de ser questionado é em que medida o pole dance não se caracterizaria como uma prática corporal esportificada dissonante, que propõe uma releitura permanente dos gêneros em relação? A especulação e a resposta para tal pergunta abriria não apenas novas considerações sobre esta prática corporal em si, como apresentaria uma releitura dos corpos generificados em movimento e, sobretudo, postularia um questionamento sobre o status do esporte mainstream.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Wagner Xavier de Camargo

É antropólogo e se dedica a pesquisar corpos, gêneros e sexualidades nas práticas esportivas. Tem pós-doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Carlos, Doutorado em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina e estágio doutoral em Estudos Latino-americanos na Freie Universität von Berlin, Alemanha. Fluente em alemão, inglês e espanhol, adora esportes. Já foi atleta de corrida do atletismo, fez ciclismo em tandem com atletas cegos, praticou ginástica artística e trampolim acrobático, jogou amadoramente frisbee e futebol americano. Sua última aventura esportiva se deu na modalidade tiro com arco.

Karen Vaz de Lima

Graduada em Gestão Empresarial - Comércio Exterior, professora de inglês, instrutora de pole dance, estudante de Educação Física - FEF Unicamp.

Como citar

CAMARGO, Wagner Xavier de; LIMA, Karen Vaz de. Performance artística, dança, esporte: qual é a identidade do Pole Dance?. Ludopédio, São Paulo, v. 100, n. 15, 2017.
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