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Por quem torcerá o brasileiro?

Marcos Teixeira 24 de maio de 2017

Uma das marcas mais fortes na cultura brasileira é a escolha do time para torcer. É razão de orgulho do pai passar o amor pelo time do coração para o filho. É quase um evento quando a previsão feita no nascimento se confirma e o pai, geralmente, passa a ter no herdeiro seu companheiro de arquibancada.

Existem diversas maneiras de se cativar o novo torcedor, sendo duas as principais: influência da família e sucesso da equipe no período em que o futuro torcedor está decidindo que emblema cobrirá seu peito, além de outras, que são subjetivas, como um determinado jogador no time, a beleza ou as cores da camisa, uma partida histórica ou uma virada épica.

No entanto, um fenômeno recente pode ser observado. Agora existe a concorrência com o futebol da Europa. Colaboram para aumentar a torcida deles aqui a chegada de craques “puxadores de torcida”, além de títulos, muitos títulos, e a exposição da marca.

O marketing esportivo brasileiro está na idade da pedra lascada e, quando muito, limita suas ações a lançamento de camisas e tour pelos estádios ou programas de sócios-torcedores. Nem se compara com o que é feito no Velho Continente, inclusive com excursões para expor a marca, que é ativada constantemente.

Não é pouco.

Os ídolos dos brasileiros na faixa de 15 a 20 anos estão lá fora. O jogador permanece uma ou duas temporadas no clube e sai, não cria uma identificação. Nos anos 1980, os principais jogadores do país saíam após os 25 anos, isso quando saíam. Zico deixou o Flamengo após 13 temporadas; Enéas jogou quase 10 anos na Portuguesa; Careca foi para o Napoli depois de nove temporadas no Brasil; Sócrates já tinha 30 anos quando foi para a Fiorentina. Além do mais, muitos garotos nascidos aqui têm como ídolos os craques de fora porque no Brasil não há este apelo, porque Neymar é o único craque de uma geração inteira que jogou mais de três anos no Brasil, sem contar que, dos maiores jogadores do mundo, apenas um é brasileiro. Isso faz com que vejamos meninos que têm, como ídolos, Cristiano Ronaldo e Messi.

Existe quem torcia para o Santos quando Neymar estava lá e depois parou de torcer quando ele saiu porque não houve tempo de maturação, outro fator importante para formar a torcida, principalmente no caso dos times que não conquistam grandes títulos frequentemente. Até clubes estrangeiros que tinham muitos admiradores em terras tupiniquins podem observar a diminuição de suas camisas circulando pelas ruas. O Milan é o maior exemplo deles. Potência mundial quando os euros de Berlusconi recheavam seus elencos de craques, os rossoneri perderam espaço a partir do momento que a torneira secou e a equipe ficar quase uma década longe das grandes conquistas.

MUNICH, GERMANY - JULY 31:  Micah Richards of Manchester City scores his teams second goal during the first semi-final of the AUDI Cup 2013 between Manchester City and AC Milan at Allianz Arena on July 31, 2013 in Munich, Germany.  (Photo by Dennis Grombkowski/Getty Images) *** Local Caption *** Micah Richards
Partida entre Milan e Manchester City. A primeira já foi grande referência para os torcedores brasileiros e a segunda equipe pode ocupar esse lugar. Foto: Dennis Grombkowski/Getty Images.

Tenho quase 40 anos. Minha geração decorava as escalações, que eram mantidas por uma ou duas temporadas, e criava-se o vínculo com o ídolo. O baixo nível do futebol praticado por aqui também não favorece a formação de uma nova torcida nos mesmos moldes de como era, ainda mais com facilidade para acompanhar o futebol do exterior, que aumentou demais nos últimos anos com a velocidade da internet e a alta exposição nos canais de TV fechados. Quando garoto, acompanhava o futebol do Velho Mundo pela Revista Placar ou quando algum campeonato era transmitido na TV Bandeirantes, como era o fantástico Campeonato Italiano nos anos 1980, ou o alemão na Cultura, isso já nos anos 1990, mas eram ações isoladas. Campeonatos como o inglês, que engatinhava como liga e era terrivelmente ruim, e o espanhol nem sonhavam em ser transmitidos no Brasil.

Hoje é tão fácil assistir a um jogo do Barcelona quanto a um do Corinthians. A única diferença é que fisicamente o novo torcedor não está no estádio, mas qual é o problema nisso? Ele aprendeu a torcer de um jeito diferente, com internet, pelas redes sociais, em que o gramado concorre pela sua atenção com a tela do celular.

Proporcionalmente, ainda é pequeno o número de adeptos que preferem levar um emblema estrangeiro no peito, mas é uma tendência a ser vista com cuidado, pois daqui a 20 anos pode ser que o menino que escolha torcer pelo time do pai, que é o mais bonito dos mundos, será filho de um torcedor de um Manchester City.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Marcos Teixeira

Jornalista, violeiro, truqueiro e craque de futebol de botão. Fã de Gascoine, Gattuso, Cantona e Rui Costa, acha que a cancha não é lugar de quem quer ver jogo sentado.

Como citar

TEIXEIRA, Marcos. Por quem torcerá o brasileiro?. Ludopédio, São Paulo, v. 95, n. 27, 2017.
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