Racismo na Fórmula 1: A mídia esportiva precisa mudar a mentalidade
Mais uma vez, Lewis Hamilton sofre ataques racistas na Fórmula 1. Desta vez efetuados por Nelson Piquet. Mais uma vez, o piloto britânico precisa repetir que o racismo não tem lugar no esporte, mesmo em um ambiente extremamente branco como a Fórmula 1. E, mais uma vez, a reação de Hamilton é alvo de mais ataques racistas.
O ex-piloto se refere a Hamilton como “neguinho” em uma entrevista para o canal Motorsport Talk. A entrevista, publicada em março de 2022, foi realizada em novembro de 2021, e o trecho que viralizou é em uma conversa sobre o acidente entre Hamilton e Max Verstappen no GP de Silverstone na temporada passada.
“É mais do que a linguagem. Esses pontos de vista precisam mudar e não têm espaço no nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes e fui um alvo por toda a minha vida. Houve tempo o bastante para aprender. Agora é hora de agir”, publicou Hamilton.
No entanto, não foram só as palavras de Piquet que caracterizaram os ataques racistas. Com o pronunciamento de pilotos, da própria Fórmula 1 e da FIA, outros racistas, validados pelo primeiro comentário, também se sentiram confortáveis para exibirem as suas próprias “opiniões” nas redes sociais.
Na mídia esportiva brasileira e internacional, o tom foi de condenação, considerando inaceitável. Alguns veículos fizeram a conexão entre o bolsonarismo de Piquet e o seu racismo; outros lembram que o piloto sempre foi conhecido pela sua personalidade controversa. Outros tiveram que explicar por que a fala de Piquet foi racista.
Seguindo o conselho do próprio Hamilton, que tuitou em português para não deixar dúvidas: “Vamos focar em mudar a mentalidade.”
De piloto fora-de-série a chofer de Bolsonarohttps://t.co/JINbSTaCJb
— Milly Lacombe (@millylacombe) June 28, 2022
Isso não se aplica apenas a mudar a mentalidade racista de Piquet ou de pessoas nas redes sociais. Por que não mudar a mentalidade da mídia que dá espaço para que pessoas façam declarações racistas sem serem contestadas? Afinal, se uma fala como essa repercute, é porque ela foi veiculada em algum lugar – mesmo que em um canal que, até o momento, só tinha o vídeo daquela entrevista.
Nelson Piquet é um ex-piloto brasileiro, tricampeão mundial, obviamente uma referência no esporte. No entanto, para quem acompanha as suas declarações e ações recentes, quão importante é essa voz? Quão relevante é a opinião dele sobre um acidente envolvendo o seu genro?
Pode-se até dizer que a conversa seria restrita à história dele ou às suas opiniões sobre o esporte. Pode-se dizer que ele é um campeão e, por isso, alguém noticiável. No entanto, não dá para separar a política do debate esportivo.
It’s more than language. These archaic mindsets need to change and have no place in our sport. I’ve been surrounded by these attitudes and targeted my whole life. There has been plenty of time to learn. Time has come for action.
— Lewis Hamilton (@LewisHamilton) June 28, 2022
Por isso, é necessário que o jornalista ou produtor de conteúdo responsável por aquela entrevista esteja preparado. Ouvir uma declaração racista durante uma entrevista e não debater aquele tópico específico, não questionar o uso do termo racista?
Isso só permite que pessoas se sintam confortáveis em dizer o que querem. Quando uma autoridade expressa racismo em uma entrevista e passa “impune”, que recado isso dá? Ainda mais quando é contra um dos principais pilotos da categoria, o único negro em todos os grids de largada há anos, e que faz questão de lutar pela diversidade no automobilismo.
É uma reflexão que cada vez mais precisa chegar à mídia esportiva, que não é isenta. Mais do que criticar o racismo de Piquet, deve-se refletir seriamente o processo de construção dos conteúdos. Como disse Hamilton:
“É mais do que a linguagem. Esses pensamentos arcaicos precisam mudar e não têm espaço no nosso esporte. Fui cercado por essas atitudes e virei alvo a minha vida inteira. Já houve tempo demais para aprender. Agora é hora de reagir.”