103.3

Reflexões pós-Copa do Mundo de 2014

capacopa2014helalEm setembro de 2014 o Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte da FCS/Uerj organizou o seminário internacional “Copa do Mundo, Mídia e Identidades Nacionais”. Ainda perplexos pelos 7 a 1 contra a Alemanha, os conferencistas expuseram ali suas observações e reflexões sobre o Mundial organizado no Brasil. Estas exposições se transformaram posteriormente em artigos que foram reunidos no livro Copa do Mundo 2014: futebol, mídia e identidades nacionais, organizado por Édison Gastaldo e por mim, e lançado no dia 14 de setembro de 2017.

O conjunto de artigos contidos no livro indicam que a tão decantada “tragédia” de 1950, quando o Brasil perdeu a final para o Uruguai por 2 a 1 no Maracanã, perdeu algo de sua carga simbólica. O 7 a 1, inicialmente visto como “vexame” e “humilhação” virou piada alguns dias depois e tirou de 1950 o fardo de grande “tragédia” do nosso futebol.

Muitas matérias com entrevistas a ex-jogadores e técnicos de futebol foram produzidas tentando explicar as razões para a goleada sofrida pela seleção brasileira em uma Copa do Mundo sediada no país. Muitos elogiavam o trabalho de base feito na Alemanha e criticavam o de nosso país. Ninguém parecia crer que a seleção brasileira poderia se recuperar a tempo de disputar como favorita a próxima Copa do Mundo na Rússia.

Hoje, faltando pouco mais de seis meses para o início do próximo Mundial, a seleção desponta como favorita, sendo a primeira a se classificar com uma série de vitórias consecutivas nas eliminatórias para a Copa de 2018.

Afinal de contas, o que mudou de 2014 para cá? Foi realizada alguma mudança estrutural em nosso trabalho de base? Não que isso não seja importante, mas o fato é que as principais mudanças ocorreram simplesmente no comando técnico e na escalação da seleção. Com a saída de Luiz Felipe Scolari, técnico em 2014, a CBF convidou o ex-técnico Dunga. Após acumular um início ruim nas eliminatórias e fracassar na Copa América, Dunga foi demitido e em seu lugar entrou o técnico Tite. Além disso, um jogador começou a despontar no cenário brasileiro: o atacante Gabriel Jesus.

Após uma série de vitórias seguidas, a seleção ocupou a primeira posição com uma larga vantagem sobre o segundo colocado e foi a primeira a se classificar para a Copa do Mundo de 2018. Além disso, interna e externamente, o Brasil é visto como um dos favoritos a conquistar o próximo Mundial.

E não se fala mais em mudança estrutural na base. O que se dizia era que o trabalho na base era mal feito, que os técnicos preferiam um jogador forte a um talentoso baixinho, coisas deste gênero. Por que não continuamos a produzir matérias sobre o trabalho de base? Talvez, porque sejamos imediatistas e, assim, os resultados recentes meio que ofuscaram as demandas pós Copa de 2014.

A Copa do Mundo é um torneio curto, de duração de um mês, onde após a primeira fase os jogos passam a ser eliminatórios. Isso faz com que o acaso tenha um papel maior aí. Países que possuem tradição no torneio tendem a crescer quando passam das quartas de final. Brasil, Alemanha e Itália, conquistaram 13 das 20 Copas disputadas até hoje. Uruguai e Argentina venceram quatro vezes, duas vezes cada um. Inglaterra, França e Espanha, venceram as outras três, sendo que só a Espanha foi campeã fora de casa.

Gabriel Jesus comemora seu gol durante o jogo da Selecao Brasileira contra o Chile pela 18ª rodada das eliminatorias sul-americanas para a Copa da Russia de 2018 no Allianz Parque Arena em Sao Paulo.
Gabriel Jesus comemora seu gol durante o jogo da Seleção Brasileira contra o Chile pela 18ª rodada das eliminatórias sul-americanas para a Copa da Russia de 2018 no Allianz Parque Arena em Sao Paulo. Foto: Mauro Horita/Mowa Press.

O que quero dizer é que em uma bolsa de apostas estas seleções, mais ou menos, na ordem acima, estariam entre as mais votadas. Talvez o Uruguai, por ter conquistado seu último torneio em 1950 perca para um país que não esteja entre os oito mencionados acima. Afinal, volta e meia a Holanda, por exemplo, chega perto.

Com estes números em mente, podemos especular sobre o papel do acaso nesta competição, tanto no sentido da seleção se apresentar com os jogadores no auge de sua forma, como no chaveamento e/ou um lance fortuito durante uma partida. A parte que não cabe ao acaso diz respeito à preparação física, treinamentos e também ao trabalho de base. Como dizia Maquiavel em O Príncipe, o acaso governaria 50% por cento de nossas ações. Os outros 50% diriam respeito ao livre arbítrio. Então seriam nestes últimos 50% que o “príncipe prudente” deveria trabalhar e se preparar. Assim, quando os reveses da “fortuna” aparecessem os estragos seriam menores.

No caso da atual seleção sabemos que o acaso nos deu Gabriel Jesus, um grande jogador para fazer dupla com o extraordinário Neymar. E ainda o retorno de Philippe Coutinho. Não sabemos se estarão no auge na Copa de 2018. Tomara que sim. Louvemos também o trabalho de Tite, que deu um espírito de combatividade e jogo coletivo que estava faltando à seleção. Aqui entrariam uma parte dos 50 % que caberiam ao livre arbítrio. Ficaria faltando ainda o tal do trabalho na base. Mas o curioso de tudo isso é que não se fala mais no trabalho de base feito aqui no Brasil. Será que o assunto virá à tona caso tenhamos outro revés?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
Seja um dos 14 apoiadores do Ludopédio e faça parte desse time! APOIAR AGORA

Ronaldo Helal

Possui graduação em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1980), graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1979), mestrado em Sociologia - New York University (1986) e doutorado em Sociologia - New York University (1994). É pesquisador 1-C do CNPq, Pós-Doutor em Ciências Sociais pela Universidad de Buenos Aires (2006). Em 2017, realizou estágio sênior na França no Institut National du Sport, de L'Expertise et de la Performance. É professor associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi vice-diretor da Faculdade de Comunicação Social da Uerj (2000-2004) e coordenador do projeto de implantação do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Uerj (PPGCom/Uerj), tendo sido seu primeiro coordenador (2002-2004).Foi chefe do Departamento de Teoria da Comunicação da FCS/Uerj diversas vezes e membro eleito do Consultivo da Sub-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa da Uerj por duas vezes. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Teoria da Comunicação, atuando principalmente nos seguintes temas: futebol, mídia, identidades nacionais, idolatria e cultura brasileira. É coordenador do grupo de pesquisa Esporte e Cultura (www.comunicacaoeesporte.com) e do Laboratório de Estudos em Mídia e Esporte - LEME. Publicou oito livros e mais de 120 artigos em capítulos de livros e em revistas acadêmicas da área, no Brasil e no exterior.

Como citar

HELAL, Ronaldo. Reflexões pós-Copa do Mundo de 2014. Ludopédio, São Paulo, v. 103, n. 3, 2018.
Leia também:
  • 112.18

    80 anos do artigo Foot-Ball Mulato de Gilberto Freyre: a eficácia simbólica de um mito

    Ronaldo Helal
  • 109.2

    O acaso na Copa do Mundo

    Ronaldo Helal
  • 108.16

    O singular e o universal no ato de torcer

    Ronaldo Helal