Um clube em busca de lar: a identidade itinerante do Nação Esportes
Os estaduais são competições controversas no cenário do futebol brasileiro no tempo presente. Apesar da qualidade técnica questionável, os torneios sustentam-se pelos interesses das federações locais, que possuem uma estrutura arcaica e centralizada. Os torneios representam uma tradição identitária na história do futebol nacional. Para além dos campos desvelam histórias interessantes e problemas crônicos. E o problema que se pretende abordar aqui são os endereços itinerários dos clubes, para a reflexão parte-se do caso do Nação Esportes, de Araquari, por ora, em Santa Catarina, que disputará a primeira divisão do estadual pela primeira vez em 2024. O Nação é apenas um exemplo, entre outros que repetem uma trajetória nômade. A questão que se mobiliza é a formação identitária territorial da comunidade ligada ao futebol.
O Nação Esportes é um clube novo, fundado em 2018, na cidade de Joinville. A primeira competição profissional disputada foi no ano de 2019, quando o clube comprou a vaga, na Série C do Catarinense, que pertencia ao Operário de Mafra. Na primeira disputa, conquistou o acesso para a Série B. No ano de 2021, em acordo com a prefeitura de Canoinhas, mandou os seus jogos na cidade do Planalto Norte, no Estádio Ditão. Na ocasião alterou o escudo, adicionando o nome da cidade, mantendo a sede em Joinville. Percorrida uma distância de 200 quilômetros para mandar os seus jogos. A parceria não rendeu os patrocínios planejados pela prefeitura de Canoinhas, algumas condições de contrato não foram cumpridas e o fã do futebol da cidade não abraçou o time. No ano seguinte, em 2022, o time retorna o mando dos jogos para Joinville, retirando a marca “Canoinhas” do escudo, alterando-o pela terceira vez.
No ano de 2023, o clube, em Joinville, conquistou o acesso à elite do campeonato estadual, quando levantou a primeira taça da história profissional, a Série B, superando o Internacional de Lages na final. No último dezembro, o clube anunciou a mudança de nome, passando a chamar-se, agora, Nação Araquari, e marcando a quarta troca de escudo em cinco anos. Em campo, o clube continuará com sede em Joinville e mandará seus jogos na Arena Joinville, acordo válido até dezembro de 2024. A prefeitura de Araquari trabalha para viabilizar a construção de um estádio para 2026.
Araquari é cidade polo-industrial limítrofe com Joinville. A mudança tem objetivo de atrair patrocinadores na cidade que tem um dos maiores crescimentos do estado. Araquari está num corredor entre Joinville e o Porto de São Francisco do Sul, possui uma localização econômica estratégica. A história recente do município é marcada pela instalação de uma montadora europeia de carros de luxo, em 2014. A partir dela, a cidade transformou-se, por exemplo, a soma dos bens e serviços finais produzidos pulou de R$ 474 milhões para R$ 4,4 bilhões, o que representa um crescimento de, 933%, segundo reportagem do Portal ND+ (2023).
A curta trajetória do Nação é marcada por dois acontecimentos. O primeiro deles é a rápida acessão à elite do estadual, o que não é inédito na história do futebol catarinense, e a segunda condição, a não territorialização do clube. A história do clube é marcada pelo envolvimento de quatro cidades, Mafra; Canoinhas; Joinville e agora Araquari. O que também não é inédito no futebol brasileiro. Qual a identidade de um clube itinerante?
O sentimento de pertencimento, ou identidade, se desenvolve a partir do encontro de indivíduos que compartilham valores culturais, se comunicam e interagem entre si, formando assim uma ideia de comunidade, como sugerido por Damo (2007). A identidade surge a partir de um sentido compartilhado no território, onde são construídas representações coletivas.
A consequência disso é que o sentimento de pertencimento fortalece os laços sociais e promove a coesão dentro da comunidade. Isso pode levar a um maior senso de solidariedade, cooperação e apoio mútuo entre os membros da comunidade. No caso do futebol, nem sempre, o senso de solidariedade representa uma condição moralmente aceitável de comunidade. O texto não entrará neste debate.
Além disso, a identidade compartilhada pode, em certo grau, servir como uma fonte de motivação e inspiração para ações coletivas, como a defesa dos interesses comuns ou a busca por melhorias em determinadas áreas. Por outro lado, a identidade também pode gerar exclusão e preconceito em relação a grupos que não compartilham dos mesmos valores ou características culturais, o que pode gerar conflitos e divisões sociais.
Como tudo isso pode ser gerado por um clube itinerante?
Evidente que o futebol do tempo presente atua num cenário globalizante e a razão da existência de muitos clubes é o valor comercial que possuem. Veja a metamorfose dos clubes – no sentido estrito da palavra – em sociedades anônimas do futebol, SAF. Esta transformação visa a atração de patrocinadores, parceiros de mídias e investidores. São elementos que estaria na base de uma mudança para Canoinhas, a volta a Joinville e agora, o olhar estratégico para Araquari.
A questão estética que envolve a torcida e a formação cultural com o torcedor tornar-se um elemento secundário. E isto é um grande problema. O torcedor é o maior defensor da entidade e assume uma posição secundário frente ao negócio. Patrocinadores e investidores vêm e vão, conforme as ondas do mercado. A formação da comunidade não está nas cifras, mas sim, nas pessoas. E aqui está o problema na formação itinerante do Nação e de tantos outros. Como o torcedor de Araquari receberá um clube itinerante? A experiência de Canoinhas, mesmo no durante-pós Covid-19, mostrou-se problemática.
Na questão torcida, há de se considerar que o município, nos últimos vinte anos, dobrou sua população. O crescimento é dado pela expansão econômica e oportunidade de empregos ofertados. A população, que sofre um processo de desterritorialização e nova formação identitária cultural, adotará as raízes de um clube de endereço fluído para torcer como “seu”? A mobilidade do Nação não gera mobilidade de laços entre os torcedores.
O futebol do tempo presente é outro, quando comparado àquele surgimento dos estaduais. O negócio é o grande elemento mobilizador. A identidade cultural com o torcedor é uma perspectiva secundária. O caso do Nação é apenas um entre tantos outros. Veja por exemplo os clubes empresas formador de atletas, sem nenhuma intenção de profissionalizar-se. A capacidade do futebol de agregar identidade cultural em torno do pertencimento entre torcedores esvaísse-se nos processos de desterritorializações. E o novo território, do mercado, não comunica a perspectiva de um lar para chamar de seu.
Referências
PORTAL ND+. Araquari: a cidade que mais cresce em Santa Catarina | ND Mais. Florianópolis, 2023. Disponível em: https://ndmais.com.br/economia/araquari-a-cidade-que-mais-cresce-em-santa-catarina/. Acesso em: 5 jan. 2024.
DAMO, Arlei Sander. Do dom à profissão: formação de futebolistas no Brasil e na França. São Paulo: Aderlado & Rothshild/ED. ANPOCS, 2007.