A manhã do dia 29 de novembro começou como qualquer outro dia da semana de uma família com dois filhos. Acordar, preparar o café da manhã, acordar os filhos caso eles ainda não tenham te acordado, os vestir para ir à escola e escovar os dentes. Diante desta rotina o celular não parava de anunciar novas mensagens.

Como a tecnologia tem me consumido nos últimos anos, resolvi não olhar as mensagens. Assim que minha esposa foi levá-los à escola, peguei o celular. As mensagens, como todos podem supor, traziam as notícias do desastre aéreo sofrido pela delegação da Chapecoense, do presidente da Federação Catarinense, de vários jornalistas e da própria tripulação que acompanhavam o voo.

A Chapecoense faria a final da Copa Sul Americana contra o Atlético Nacional, da Colômbia. A conquista desse campeonato levaria o time de Chapecó para a Libertadores da América. Vale lembrar que, em 2009, a Chapecoense foi campeã da Série D do Campeonato Brasileiro. Nos anos seguintes foi subindo até chegar aonde chegou.

No último final de semana, em um campeonato em que não existe final aquela partida entre a Chape e o Palmeiras foi uma rodada decisiva para o Campeonato Brasileiro. Por uma circunstância do campeonato, o Palmeiras sagrou-se campeão neste jogo. Ao final daquela rodada, o Santos havia perdido para o Flamengo e qualquer que fosse o resultado no Allianz Parque daria o título ao Palmeiras. Apesar da Chapecoense estar nesta “final”, uma vitória sobre o Palmeiras não lhe daria o título, mas sabia que era uma oportunidade para treinar sua equipe diante de um time que seria o campeão do campeonato. Sua verdadeira final seria jogada dali alguns dias e uma boa partida contra o Palmeiras era a última motivação antes da decisão.

#Forçachape
O menino, o clube e o sonho. Foto: Giancarlo Marques Carraro Machado.

Enfim, a Chapecoense estava no auge de sua exposição no cenário nacional, pelo jogo contra o Palmeiras, e no cenário internacional, ao menos na América do Sul, pela final contra o Atlético Nacional. A sensação dessa manhã eu já havia sentido em outras ocasiões: lembro-me da morte do jogador Dener, em um acidente de trânsito; do acidente fatal de Ayrton Senna e do acidente aéreo que acabou com a trajetória do grupo Mamonas Assassinas.

O que estas histórias guardam de relações com o trágico acidente da Chapecoense é o desencontro de informações e a busca de vários veículos de comunicação pelo furo da notícia. Nas redes sociais as imagens do último jogo, que teve transmissão ao vivo pela televisão aberta, juntavam-se a espetacular defesa do goleiro Danilo aos 48 minutos do segundo tempo na segunda partida da semifinal contra o San Lorenzo. A defesa com o pé, cara-a-cara com o jogador do San Lorenzo, colocava a Chape na final. Tudo isso narrado na voz de Deva Pascovicci. E se o goleiro não tivesse feito aquela defesa quem estaria na final era o San Lorenzo.

https://www.youtube.com/watch?v=-nx9aWYypDk

Será que nada disso teria acontecido? Nunca saberemos. O fato é que aquela defesa levou a Chape para a final. Mas se tomarmos esse argumento como base, de que a nossa vida é uma sucessão de fatos, de decisões e de oportunidades, sejam individuais ou coletivas, não podemos olhar apenas para essa defesa. Afinal, se o Atlético Nacional tivesse sido desclassificado pelo Cerro Porteño na outra semifinal o jogo da Chape seria no Paraguai e não na Colômbia. Seria, portanto, outra companhia aérea. Outra história.

São muitos fatores, muitas histórias que se somam e passam a compor a nossa vida, as nossas escolhas. Se mudamos alguma de nossas escolhas elas afetarão não só a nossa vida, mas a vida das pessoas que possuem alguma relação com você.

Assim foi com a delegação da Chapecoense e dos jornalistas envolvidos no acidente. Se tivessem tomado decisões diferentes ao longo de suas vidas, talvez, alguns dos envolvidos não estivessem nesse voo. Isso, porém, não muda os fatos já que foi o conjunto de escolhas de cada um que os colocaram ali. Estavam em busca de um sonho. No caso dos jogadores: serem campeões. E também estavam ali para nos alertar que a vida é feita por uma sucessão de dias importantes que integrados a nossa rotina não aparentam ser, mas que realmente são. Força Chape!

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Sérgio Settani Giglio

Professor da Faculdade de Educação Física da UNICAMP. Líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Esporte e Humanidades (GEPEH). Integrante do Núcleo Interdisicplinar de Pesquisas sobre futebol e modalidades lúdicas (LUDENS/USP). É um dos editores do Ludopédio.

Como citar

GIGLIO, Sérgio Settani. Uma manhã qualquer. Ludopédio, São Paulo, v. 89, n. 14, 2016.
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