Há mais de 20 anos somos frequentadores de estádios, não só do nosso clube do coração, mas estádios de uma maneira geral, em jogos principalmente. Assistir a partidas de futebol e observar as torcidas e suas manifestações é um hábito antigo, anterior ao início das nossas pesquisas acadêmicas. Com experiências distintas na primeira ida ao estádio, uma coisa temos em comum a figura de um ídolo em campo.  Os ídolos eram Cláudio Taffarel, herói na última Copa do Mundo de Futebol e Éder Aleixo, criado nas categorias de base do América Mineiro e com sucesso na primeira metade da década de 1980 pelo Clube Atlético Mineiro.

Ronaldo Helal[1] ao falar da presença dos ídolos no futebol, os coloca como figuras fundamentais. Segundo ele, um fenômeno de massa não consegue se sustentar sem a presença destas figuras de destaque. Não à toa, conseguimos nos recordar de alguns ídolos ao longo da história de nossos clubes, mesmo da história não vivida. E as razões para a construção de um ídolo não tem caminho único a ser trilhado. Uma narrativa clássica de superação de obstáculos com ápice em uma redenção, ou mesmo o herói que antes não era bem quisto na comunidade em que ele se insere e após um momento de glória tem transformada sua história.

Seja a performance, a vontade demonstrada em campo, a “fidelidade” ao clube, há sempre a ânsia pela presença de um ídolo. O ídolo tem um papel claro, conceder aos semelhantes dádivas, que no futebol não necessariamente são títulos, ou vitórias magistrais. Em cada um dos chamados grandes clubes do futebol brasileiro, não seria uma tarefa difícil elencar ídolos ao longo de suas histórias.

Acompanhando o momento social que vivemos, parece ter havido um esvaziamento na construção destes ídolos. Com a saída muito cedo dos jovens talentos, raramente existe tempo para que os garotos da categoria de base se tornem ídolos em seus respectivos clubes. Some-se a isso uma carga de cobrança exacerbada como se a base tivesse o dever de ser a salvadora das “nações”.

Na ponta contrária, a chegada de jogadores de mais experiência e algum sucesso, muitas vezes com idade relativamente avançada, tem catapultado esses jogadores a figura de ídolos. Muitas vezes em função de o clube estar carente destes. Vide o exemplo da chegada de Ronaldinho Gaúcho nas Minas Gerais para jogar pelo Clube Atlético Mineiro. Ao confirmar a contratação, os torcedores o aguardaram com dúvidas em relação ao seu rendimento em campo mas com uma esperança de que mostrasse seu bom futebol e levasse o time a grandes conquistas e se firmasse como ídolo do clube. Além da expectativa do torcedor, foi notório o esforço da diretoria do clube para que as desconfianças fossem esvaziadas em campanhas de marketing para fortalecer a imagem do atleta como o “novo ídolo”.

VESPASIANO / MINAS GERAIS / BRASIL (04.06.2012) - Treino do Atlético na Cidade do Galo - Foto: Bruno Cantini
Ronaldinho Gaúcho no Atlético Mineiro. Foto: Bruno Cantini / Clube Atlético Mineiro.

Nesse contexto, figuras como Rogério Ceni e Marcos, para citarmos os mais recentes, são cada vez mais, raras exceções. Não por acaso, ambos goleiros, posição que não chamava tanta atenção de investidores estrangeiros nas décadas passadas. Questionamo-nos se é possível a formação e manutenção de ídolos nos clubes brasileiros. A movimentação do mercado estrangeiro com a emergência de tantos novos compradores com alto poder aquisitivo tem complicado ainda mais a manutenção desses jovens jogadores.

A chegada de Robinho ao Clube Atlético Mineiro e recente entrevista[2] levantam outras questões. Jogadores que antes partiam ídolos e posteriormente retornavam ao clube como é o caso do próprio Robinho, Nilmar, Luís Fabiano, Juninho Pernambucano, Alex, põe em dúvida a manutenção destes ídolos. Robinho, de história vitoriosa no Santos, mesmo após sua saída havia se tornado ídolo do clube, mais ainda ao retornar ao seu clube formador em passagens anteriores pelo futebol brasileiro. Todavia, tal qual Ronaldinho Gaúcho, considerando as diferenças no desenvolvimento da chegada, ele optou por não ir ao clube que o formou, partindo para o Atlético Mineiro. Tendo criado um desconforto com a torcida do Santos que se manifestou intensamente quanto a isso[3].

BELO HORIZONTE/ MINAS GERAIS / BRASIL 06.03.2016 Atlético x Tombense no estádio Arena Independência - Campeonato Mineiro 2016 - foto: Bruno Cantini/Atlético MG
Robinho atuando pelo Atlético Mineiro. Foto: Bruno Cantini / Clube Atlético Mineiro.

Não é recente mudanças de clubes, mesmo para os principais rivais, como exemplo podemos usar o próprio Atlético Mineiro que teve Reinaldo, tido como maior ídolo da história do clube, como jogador do Cruzeiro (veja vídeo abaixo), sem, contudo, um desfazimento da sua imagem de ídolo. O que estaria então criando esse extremo incomodo dos torcedores destituindo seus ídolos?

A volatilidade financeira dos clubes brasileiros parece proporcionar mais casos de desconstrução de ídolos e novas formas de produzi-los. Com as mudanças de regras para presença de investidores para contratação e manutenção de jogadores se tornam ainda mais incertas as possibilidades de um determinado clube conseguir manter ou repatriar um atleta. Associado a isso uma postura de “profissionalismo” em relação ao clube atual pode gerar uma interpretação de desmerecimento do clube que formou ou teve passagem marcante anterior. Outro fato que pode influenciar esta questão é a própria formação de atletas nas categorias de base. Você se lembra do último jogador formado na base de seu time que se postulou ao título de ídolo da torcida?

Parece que os lamentos pela diminuição de histórias como as de Rogério Ceni e Marcos, ou de retornos aclamados como os de Sorín, Alex, Marques, Juninho Pernambucano entre outros tendem a aumentar. Parece-nos que essa pode ser mais uma das pedras que constituem a base do futebol como fenômeno sociocultural a ser removida aos poucos. Um exercício de produção artificial de ídolos tão efêmeros quanto significativos pode significar mais um esvaziamento do futebol.

[1] HELAL, Ronaldo. Mídia, construção da derrota e o mito do herói. In:HELAL, Ronaldo; SOARES, Antônio Jorge Soares; LOVISOLO, Hugo. A invenção do país do futebol: mídia, raça e idolatria. Mauad Editora Ltda, 2001.

[2] Em entrevista Robinho afirma que comemoraria gol contra o Santos. http://www.mg.superesportes.com.br/app/noticias/futebol/interior/1,17,1,9/2016/04/16/noticia_atletico_mg,334056/robinho-celebra-fase-de-artilheiro-no-atletico-e-promete-comemorar-gol-contra-santos.shtml

[3] Algumas reportagens da época mostram a irritação da torcida: http://globoesporte.globo.com/sp/santos-e-regiao/futebol/times/santos/noticia/2016/02/vandalismo-torcedores-do-santos-picham-imagem-de-robinho-no-ct.html. http://espn.uol.com.br/noticia/577216_torcedores-picham-imagens-de-robinho-no-ct-e-santos-apaga-o-craque-do-muro

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Luiz Gustavo Nicácio

Professor de Educação Física, formado pela UFMG, mestre em Lazer pela mesma universidade. Integrante do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT).

Jefferson Nicássio Queiroga de Aquino

Bacharel em Educação Física pela UFMG, Licenciando em Educação Física pelo Claretiano - Centro Universitário, Mestrando em Estudos do Lazer pela UFMG e pesquisador do Grupo de Estudos sobre Futebol e Torcidas (GEFuT) também da UFMG.

Como citar

NICáCIO, Luiz Gustavo; AQUINO, Jefferson Nicássio Queiroga de. Quem são os ídolos no futebol de hoje?. Ludopédio, São Paulo, v. 82, n. 13, 2016.
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