Jornalismo, Telê, Roberto DaMatta … E por que o Brasil não precisa imitar o Barcelona
A paixão do brasileiro pelo futebol é decorrente das características figurativas que unem a filosofia do esporte à cultura popular do país. Durante a partida, o objetivo do jogador é driblar os obstáculos (regras, adversários…) para conquistar o seu o objetivo, no caso o gol. Com sua habilidade, destrói táticas opostas sem se preocupar como o estereótipo de gênio ou louco. Foi assim como Leônidas, Zizinho, Ademir Menezes, Pelé, Garrincha, Zico e Romário, entre outros tantos craques.
O mesmo se pode dizer do povo brasileiro. Mesmo na pobreza, ele usa a sua criatividade para vencer as dificuldades, ou seja, “(…) o futebol institui abertamente a malandragem como arte de sobrevivência e o jogo de cintura como estilo nacional.”, relembrando Roberto DaMatta (1994, p.17).
A espontaneidade o convence a ser um misto dos maridos de Dona Flor, sendo, de um lado, meio inconsequente, alegre e sexualmente perfeito e, de outro, certinho, com poucos vícios, cheio de moral e socialmente exemplar.
O ritual do futebol é assim, como uma união entre os protagonistas do espetáculo. Como no carnaval, a função de ambos é apenas transmitir a fantasia – apesar das normas e estratégias. Dentre as personagens, surge a figura do treinador como o Pai que transmite ordens e ensino o filho as manhas da vida: “Faça assim, mas do seu jeito”.
Deste modo, revela-se a natureza do futebol-arte brasileiro, que é mágica e deslumbrante; espontânea e individualmente coletiva; admirada mundialmente desde 1958. Quando esse estilo sobre interferências que o descaracterizam, os jornalistas do país, na maioria das vezes, se rebelam, fervorosamente, contra os invasores. Está em pauta a defesa do jogo ofensivo, que significa a própria sobrevivência da modalidade e, principalmente, a manutenção da arte local de se jogar futebol (o privilégio do ataque, dinâmico, cheio de dribles e gols, com o jogador olhando para frente, com a tática servindo apenas como um referencial ao jogador).
Uma dessas lutas dos jornalistas aconteceu em 1990, quando o treinador Sebastião Lazaroni implantou na seleção brasileira um esquema tático semelhante ao estilo de jogo europeu, que é popularmente conhecido como futebol-força (retrancado, baseado na tática que coloca os jogadores em posições fixas sem poder, em parte, exaltar a sua criatividade, com o esquema a privilegiar os atletas de maior força física e velocidade em detrimento dos mais habilidosos). Na época, os comunicadores locais se uniram contra a tentativa de descaracterização do futebol-arte brasileiro, que observavam na forma implantada por Lazaroni um estilo contrário às próprias tradições do país.
Outro fator preponderante para os jornalistas serem contrários à implantação do futebol-força era de que a prática interna (dos clubes) estava se curvando ao novo modelo, ou seja, os treinadores brasileiros começavam a aderir ao estilo europeu devido às derrotas da seleção nacional nas últimas Copas do Mundo.
Contudo, a chamada Imprensa Esportiva não possuía argumentos necessários para defender a manutenção do futebol-arte no Brasil, porque a tendência – na época – era por aderir ao modelo europeu. O auge seria a Copa de 1990, na Itália, quando 23 das 24 seleções (exceto a equipe de Camarões), praticavam o futebol-força. Além disso, a eterna sensação de inferioridade em relação à Europa fez com que os jornalistas nacionais, muitas vezes, conduzissem o assunto como uma nova forma de aculturação.
O ponto crítico do embate jornalístico foi logo após a Copa de 1990, quando o técnico Carlos Alberto Parreira – um adepto do futebol-força – reassume o comando da seleção brasileira, no mesmo momento em que ressurge a figura de Telê Santana, um defensor do futebol-arte e ex-treinador da escrete nacional em 1982 e 1986.
Com sua praticidade e reconhecimento (tinha formado uma das melhores seleções brasileiras de todos os tempos em 1982), Telê havia resgatado com a equipe do São Paulo Futebol Clube (Bicampeão Mundial Interclubes e da Copa Libertadores da América) a magia do futebol “bem jogado”, ofensivo, com jogadores habilidosos e atuantes, ligado à escola brasileira. Além disso, o treinador defendia, publicamente, as suas ideias, com a tentativa clara de moralizar o futebol – dentro e fora de campo – com o objetivo de resgatar a tradição da modalidade no Brasil.
Foi assim que os jornalistas esportivos começaram a utilizar a figura de Telê Santana como símbolo da luta em defesa da manutenção do futebol-arte na seleção e nas equipes brasileiras.
Cronistas dos principais meios de comunicação do Brasil mostravam o futebol defendido por Telê como o ideal para ser jogado no Brasil e no resto do mundo. Treinadores começaram a aderir ao propósito do colega tricolor, impondo aos seus times o estilo de jogo à brasileira. Desse modo, o futebol nacional volta a ser reconhecido pelos demais países como alegre e espetacular.
Mesmo com a retomada do futebol-arte, o selecionado treinado por Parreira aderiu ao estilo europeu, sem empolgar os torcedores e a imprensa. Durante a disputa das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994 e mesmo com a conquista do tetracampeonato mundial nos Estados Unidos, ocorreram duras críticas à “falsidade ideológica” do jogo apresentado pela equipe nacional.
A vitória em terras norte-americanas fortaleceu o futebol-força, que ganharia também muitos admiradores, entre eles os futuros treinadores da seleção brasileira. Por isso, diante da atual fase de descrédito do nosso futebol, torna-se obrigatório alertar os jornalistas esportivos sobre a necessidade de produções de relatos que defendam futebol-arte. Com isso, renascerão novos heróis como Telê Santana e Pelé, porque está em jogo não somente a preservação do esporte, mas também a própria manutenção e a sobrevivência da Cultura Popular Brasileira. Como referência, deixo um depoimento de Armando Nogueira (1997) sobre o significado do futebol-arte:
“O Futebol-arte é intuição. O Futebol-arte é invenção. O Futebol-arte é delicadeza no trato com a bola. O Futebol-arte é um drible, é um passe de calcanhar, é um drible inesperado, é uma finta, é um gol de voleio. Este é o Futebol-arte, é o requinte, é o refinamento do esporte. O esporte elevado à culminância da arte”.
Referências
(2) BARRETO, Fábio. Dona Flor e seus dois maridos. Produção: Luiz Carlos Barreto, Newton Rique e Sr. Distribuição: Embrafilme e New Yorquer Filmes. Brasil, 1976, 120 minutos, colorido.
(3) NOGUEIRA, Armando. Depoimento gravado pela empresa Xapuri Serviços de Comunicações Ltda em junho/ 1997, exclusiva para a dissertação O Futebol-Arte de Telê Santana no Jornalismo Esportivo de Armando Nogueira. MALULY, Luciano Victor Barros. São Bernardo do Campo: UMESP, 1998.