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Técnica nas mãos e Superstição – A história por trás da camisa do “Gol do Século” feito por Maradona

Era o dia 30 de junho de 1986, no Estádio Azteca, diante de mais de cem mil pessoas sob o alto calor na Cidade do México, um lance genial feito por Maradona levava todas as pessoas do mundo ao delírio. Diante da comemoração dos jogadores argentinos, a camisa 10 de “El Pibe” parecia brilhar, literalmente.

Maradona na Copa de 1986.

O que muitos não sabiam é que haviam brilhantinas nos números dos uniformes dos atletas albiceleste. Resultado de uma nova confecção feita às pressas e da corrida contra o tempo para achar o manto ideal para a partida decisiva contra os ingleses.

Essa epopeia toda só aconteceu porque o técnico Carlos Bilardo não gostou do segundo uniforme argentino – usado nas oitavas contra o Uruguai e feito de algodão – o qual fazia os jogadores suarem mais rápido, acentuando o cansaço durante a partida.

O próximo e importante compromisso seria contra a Inglaterra – lembrando que quatro anos antes o país sulamericano foi humilhado pela terra da rainha no confronto pelo controle das Ilhas Malvinas. Ou seja, o embate dentro de campo seria uma espécie de revanche com o que aconteceu no Atlântico Sul, em 1982.

Nada poderia ser empecilho naquelas quartas de final. A FIFA então sorteou quem usaria as cores principais do seu manto nacional. O English Team conseguiu o direito de usar a sua tradicional camisa branca, já a Argentina, a problemática peça azul-marinho.

O comandante latino então pediu para a fornecedora na época – Le Coq Sportif – mudar o tecido e deixar igual ao que era usado na primeira camisa albiceleste. O azul e branco habitual tinha a tecnologia Air Tech, que continha poros que não pesavam durante a partida, ao contrário do que se tinha no tecido de algodão do segundo uniforme. A marca francesa avisou que não teria tempo para atender ao pedido.

Além da falta de tempo, o sempre supersticioso Carlos Bilardo foi até o Secretário Técnico, Ruben Moschella, dobrou em quatro a camiseta problemática usada contra o Uruguai e rasgou com uma tesoura para mostrar como queria o uniforme contra os ingleses, mas essa ação prejudicou todo o conjunto de peças do fardamento reserva.

Então, o Secretário precisou conseguir novos trajes, faltando apenas 48 horas para um jogo decisivo da Copa do Mundo. Ele fez 40 visitas nas lojas de roupas nos bairros da Cidade do México. Dois modelos foram os escolhidos: um azul mais claro e outro com cores parecidas com o da armadura usada nas oitavas, só que menos escuro. Porém, o treinador ainda teimava com a textura e a forma das peças encontradas – lembrando que o material era pirata -, até que Diego Armando Maradona estava de passagem na hora, olhou um dos uniformes e falou: ” Com ela, vamos ganhar da Inglaterra”, profetizou “El Pibe”.

Curiosamente, era o modelo parecido com o que eles usaram contra o Uruguai, só que pirata e comprado por menos de 10 reais.

Por conta disso, uma força-tarefa foi montada para confeccionar o novo fardamento. As encarregadas dessa missão foram as costureiras do América do México – que era treinado pelo também hermano Miguel Ángel Lopez – além de um designer que redesenhou o escudo da Federação Argentina de Futebol (AFA). A diferença maior deste novo símbolo estava na ausência dos louros debaixo do brasão da entidade e do tamanho maior das siglas.

O famoso gol de Maradona.

Coube às costureiras trabalharem em cima dos 38 uniformes. Com linhas e agulhas colocaram o novo símbolo da AFA e bordaram números maiores de cor prateada, estampados com ferro de passar atrás das novas camisas, com pitadas de brilhantinas. Apesar do grande trabalho, o tempo foi vencido, e a Argentina tinha uniforme para a batalha contra os ingleses no outro dia.

No final, o que todo mundo sabe, o novo material improvisado pelas mãos das costureiras do América deu sorte para que o árbitro Ali Bin Nasser não visse a mão esquerda celestial de Diego Armando Maradona encobrir Peter Shilton. Além de ser a camisa imortalizada no que é considerado o maior gol de todos os tempos.

Após o término da partida, o meia Steve Hodges teve a sorte de trocar a camisa com Don Diego. Atualmente, a peça está guardada no ‘National Football Museum’ em Manchester, avaliado em quase um milhão de reais, porém, o ex-meia inglês não vende e justificou isso em uma recente entrevista à BBC: “Gosto de ter, tem um valor sentimental incrível”.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Andrade Dias

Estudante de jornalismo, cinéfilo e amante de esportes

Como citar

DIAS, Pedro Henrique Andrade. Técnica nas mãos e Superstição – A história por trás da camisa do “Gol do Século” feito por Maradona. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 40, 2020.
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