Carioca na RecordTV, sem exclusividade e com valor menor: pontos positivos e negativos
O Conselho Arbitral para realização da Série A do Campeonato Carioca, realizada na Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FFERJ) na tarde do dia 11 de fevereiro, aprovou a cessão dos direitos de transmissão para a RecordTV na plataforma da TV aberta, confirmando informações do blog do jornalista Rodrigo Mattos no UOL e da Máquina do Esporte.
São muitos detalhes interessantes num processo que surge como efeito das mudanças geradas pela Medida Provisória 984/2020 (MP 984). Como a notícia no site da FFERJ não entra em detalhes, usaremos como base documental para argumentação o que foi informado por Erich Beting em notícia e na coluna de opinião da Máquina do Esporte.
Síntese sobre efeitos da MP 984 no Carioca
Não irei me prolongar sobre a MP 984, então sugerirei o artigo “Barreiras político-institucionais em ação no futebol: Efeitos da MP 984 para a transmissão do Campeonato Carioca”, que apresentei no 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, no segundo semestre do ano passado. Assim como, diferentes lives realizadas com outros camaradas para o podcast Na Bancada, da Central 3.
Em síntese, a Medida Provisória, assinada em 18 de junho de 2020, alterava a Lei Pelé (9.615/98). Entre outros elementos, o direito de arena passava a ser exclusivamente do clube mandante da partida, não mais dos dois em campo.
O contexto de criação da MP foi marcado por uma conversa do presidente do Flamengo, Rodolfo Landim, com o presidente da República após o primeiro informar que os jogos do clube não seriam exibidos por limitação legal. Com ela, publicada no mesmo dia da volta do Carioca após a paralisação causada pela pandemia da Covid-19, a equipe rubro-negra pôde transmitir suas partidas enquanto mandante.
Um dia após a transmissão do primeiro jogo, em 2 de julho, o Grupo Globo anunciou a rescisão do acordo de transmissão do campeonato, que terminaria em 2024, pela incapacidade de os clubes e a FFERJ garantirem a exclusividade contida no contrato.
Aspectos positivos
Beting faz uma boa análise da negociação para 2021, destacando a importância da venda centralizada, algo que teria evitado toda a crise gerada no ano passado.
Há um consenso na análise sobre direitos de transmissão, de jornalistas especializados a pesquisadores e órgãos em defesa da concorrência, que se trata de um mercado em que a negociação coletiva é o ideal, ainda que sob o formato jurídico-econômico de cartel.
Do lado do produto midiático, isso ajuda a evitar o aumento de assimetrias geradas entre quem ganha mais e menos na principal fonte de recursos, que é a transmissão das partidas. A negociação em conjunto evita que o peso individual na negociação prepondere, seja pelo tamanho da torcida ou até mesmo pela situação financeira das equipes no momento.
Para os veículos de comunicação, é muito mais fácil negociar com apenas um agente do que com 16, para ficar na quantia do Carioca. Além de deixar mais claro para o espectador onde todos os jogos do torneio são exibidos.
Outro ponto positivo, em meu ver, é a geração das partidas ser do torneio, repassada a quem transmitir. Modelo, por sinal, adotado recentemente pela Conmebol para os seus campeonatos. Isso possibilita um padrão visual único, que gera identificação ao torcedor, e abre uma via importante de publicidade para patrocinadores da competição.
Além disso, há algo que a paralisação do futebol mostrou: a possibilidade mais fácil de os clubes reaproveitarem imagens de jogos do passado para exibição em suas plataformas e, quem sabe, para utilização em vídeos comemorativos futuros.
A agência Sportsview foi quem negociou com as empresas interessadas. Dentre outros elementos considerados para a escolha estavam, para além da geração das imagens, a negociação por plataformas, de maneira que um mesmo conglomerado não ficasse com tudo o que era ofertado, independentemente do valor.
Assim, negou-se a principal oferta em valores, a do Grupo Globo, de R$ 45 milhões. A proposta era de transmissão na TV aberta, na fechada e no pay-per-view do conglomerado nacional.
A “licitação” na TV aberta mostra a importância dessa mídia para o mercado nacional, algo que alguns dirigentes de clubes pareciam não entender quando opinavam sobre a transmissão pela internet. Avalio ainda que tratar diferente as distintas mídias seja algo positivo, mas desde que cruze visibilidade e potencial financeiro.
Pontos negativos (?)
Sair de um contrato de longo prazo, comparado ao modelo considerado ideal para este tipo de mercado (3 anos), que poderia chegar a R$ 120 milhões para outro em que a certeza, por enquanto, é de R$ 11 milhões – com previsão de chegar até R$ 55 milhões com as receitas geradas por outras plataformas – é um claro ponto negativo em curto prazo.
Além disso, com a maior parte do valor a ser repartido vindo do ppv e de receitas móveis, caso a divisão ocorra seguindo o modelo dos últimos anos da Série A do Brasileiro – de acordo com o tamanho da torcida ou da identificação do time que se torce –, os clubes de menor torcida tendem a ganhar ainda menos que Flamengo, Vasco, Fluminense e Botafogo. Pior, como também destacou Beting, já partem de um valor fixo inicial que dificilmente conseguiriam repetir em curto prazo.
Se a centralização da negociação é ponto positivo, criar mecanismos para distribuição mais justa, no sentido da “solidariedade”, também o é. Não à toa que o modelo considerado ideal de distribuição de cotas de broadcasting, a Premier League, ocorre a partir de 3 critérios: 50% igualitário; 25% partidas exibidas; e 25% pela classificação. Isso gera uma diferença de menos de 2 vezes entre o que mais ganha daquele que menos ganha. Lembrando que quanto maior o equilíbrio concorrencial para uma partida maior também pode ser o interesse num jogo para além dos torcedores dos clubes em campo.
Enquanto a transmissão por streaming estaria sendo negociada com Facebook e Youtube, o ppv deve ficar a cargo de distribuidoras de TV fechada (Claro, Vivo e Sky). Conforme já opinei nos casos dos torneios da Conmebol e da Copa do Nordeste, não vejo como boa opção porque a quantidade de assinantes é cada vez mais baixa, com queda recorrente desde 2014.
Compreendo, entretanto, ser um momento de transição da aplicação do streaming, tanto pelos efeitos da crise econômica também neste mercado, com o recuo da atuação da DAZN no Brasil; quanto pela fase de testes de grandes agentes, como a Amazon, com o Prime Video e a Twitch, e o próprio Mycujoo, testado pelo Flamengo no ano passado.
Considerações provisórias
Volto a destacar que a minha argumentação toma como base as informações divulgadas nos últimos dias, sem acesso ao contrato final. Mas é possível afirmar que o Carioca é mais um campeonato que demonstra a transição de modelos de negociação de eventos esportivos no Brasil.
Podemos lembrar como caso de sucesso a opção do Novo Basquete Brasil em 2018 de não renovar o acordo com o Grupo Globo para ter maior visibilidade na pulverização de oferta de jogos em distintas plataformas midiáticas (TV aberta, dois canais na fechada e diferentes mídias sociais).
Além disso, com o recuo do investimento do Grupo Globo nos direitos de transmissão de eventos esportivos a partir de 2020, vimos ainda a Copa Conmebol Libertadores ir para o SBT e a Fórmula 1 fechar acordo com a Band sob modelos semelhantes. Recebe-se menos em valor fixo, mas é formada uma sociedade na publicidade, além de te flexibilidade no uso de marcas patrocinadoras dos torneios e a transmissão na internet pelos cedentes.
Aguardemos se esse modelo se tornará o hegemônico também em outros contratos, o que poderia ser o fim da hegemonia do modelo de aquisição sob exclusividade, barreira de mercado do Grupo Globo enquanto líder do mercado.
Referências
BETING, Erich. Carioca de 2021 terá Record, streaming e PPV na Claro, Vivo e Sky. Máquina do Esporte, São Paulo, 11 fev. 2021.
BETING, Erich. Opinião: Venda centralizada é a única boa notícia do Campeonato Carioca. Máquina do Esporte, São Paulo, 11 fev. 2021.
SANTOS, Anderson David Gomes dos. Barreiras político-institucionais em ação no futebol: Efeitos da MP 984 para a transmissão do Campeonato Carioca. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 43., 2020, Salvador. Anais…São Paulo: Intercom, 2020.