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Interconexões culturais e econômicas no mundo futebolístico

Este é o segundo texto que representa a revisão de literatura empreendida para o desenvolvimento do projeto de pesquisa de iniciação científica (Pibic UFAL 2023-2024) intitulado “Estruturação, mercantilização e espacialização nos primeiros 10 anos da fase contemporânea da Copa do Nordeste (2013-2022)”. Recomenda-se a leitura prévia do primeiro texto, Entre a bola e a desigualdade: futebol nordestino”.

Prosseguindo com a etapa inicial do plano de trabalho 1, denominado “Estruturação da Fase Contemporânea da Copa do Nordeste (2013-2022) e Elementos Básicos para sua Mercantilização”, aqui serão abordados três textos: algumas partes do livro “Conceito de cultura em Celso Furtado”, de Bolaño (2015); “#Onordestemerece um #Nordestelivre: Futebol e identidade regional na TV Esporte Interativo”, escrito por Vasconcelos e Abreu (2015); e “Uma análise da eficiência entre desempenho esportivo e financeiro dos clubes da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil”, de Araújo et al. (2019).

A seguir, apresenta-se comentários com o propósito de articular as ideias dessas três obras dentro do mesmo contexto, culminando com a análise das relações entre elas para a importância do desenvolvimento do plano de trabalho delineado.

Copa do Nordeste
Fonte: reprodução

Cultura em evolução: perspectivas de Celso Furtado

A priori, ao aprofundarmos no primeiro texto “Conceito de Cultura em Celso Furtado”, de autoria de Bolaño (2015), pudemos ver algumas das contribuições do pesquisador brasileiro Celso Furtado, bem como adentrarmos de forma sucinta em algumas de suas análises sobre cultura.

Parte-se neste projeto do futebol enquanto elemento cultural apropriado enquanto mercadoria. A partir disso, a compreensão geral furtadiana de cultura como a “dimensão qualitativa de tudo o que cria o homem” (Furtado, 2012 apud Bolaño, 2015, p. 264) enfatiza que ela não se limita apenas às manifestações artísticas ou intelectuais, mas abarca todas as criações humanas que possuem uma dimensão qualitativa.

Bolaño (2015) expõe o argumento de Furtado sobre como o ato criativo é profundamente enraizado na herança cultural, mas também como é moldado pelo contexto histórico, geográfico, ecológico e social em que ocorre.

Isso é importante para analisar a cultura produzida nos estados de uma região de um país do tamanho do Brasil. Algo que se acentua quando Furtado reconhece a interconexão complexa entre esses diferentes elementos na formação da cultura e na expressão da criatividade humana, mas colocando isso na esfera do poder econômico e financeiro para tratar disso no século XX:

Essas transformações, causadas pelo impacto da tecnologia moderna, refletem-se na cultura como processo social. A elas deve-se a emergência de sociedades ou países especializados na produção e exportação de produtos culturais, graças ao avanço tecnológico e poder econômico, em direção aos quais tende a drenar-se a força criativa de outros povos. O problema da dominação cultural, antigo como a história dos contatos entre civilizações, assume novas formas em que prevalece o poder financeiro (Furtado, 2012, p. 58 apud Bolaño, 2015).

Assim, Furtado reconhece o impacto das tecnologias da informação e da comunicação na mudança estrutural da civilização industrial, que intensificou os fluxos de bens culturais e conduziu à homogeneização cultural, subordinando a produção cultural às leis do mercado. Segundo ele:

[…] vivemos numa civilização em rápida transformação. Numa época de revolução nas tecnologias da comunicação. A cultura não é apenas o acervo que recebemos do passado. Por mais importante que seja a defesa da herança cultural, não podemos desconhecer que a essência do homem como criador de cultura reside em sua criatividade, em poder romper com o passado ao mesmo tempo em que dele se alimenta (Furtado, 2012, p. 52-53 apud Bolaño, 2015, p. 264).

Discutir o futebol apropriado enquanto mercadoria e programa midiático num torneio nordestino pode refletir esses distintos elementos, passando então a compreensão dos elementos culturais em contradição direta com os econômicos no capitalismo contemporâneo.

A narrativa sobre o Nordeste  do Esporte Interativo na TV

O segundo texto, “#Onordestemerece um #Nordestelivre: Futebol e identidade regional na TV Esporte Interativo”, escrito por Vasconcelos e Abreu (2015), explora os elementos utilizados pelos canais Esporte Interativo ao falar sobre a identidade nordestina naquele momento em sua programação de TV, não só nas transmissões dos jogos da Copa do Nordeste.

Os autores enfatizam a inovação de ter uma emissora dedicada aos esportes da região, mesmo que a sua localização fosse no Rio de Janeiro, pois:

Mesmo as emissoras estaduais que transmitem jogos da Copa do Nordeste, afiliadas à Rede Globo, parecem não produzir um discurso tão frequente e específico sobre identidade regional. É o que percebemos, pelo menos, na TV Verdes Mares, afiliada de Fortaleza à Globo. Suas chamadas de jogos seguem o modelo preestabelecido pela emissora principal, sendo o mesmo para qualquer competição, seja ela local, regional, nacional ou internacional. Também não identificamos naquela TV cearense nenhum material voltado à questão do ser nordestino (Vasconcelos;, Abreu, 2015, p. 3).

Concomitantemente, são expostas considerações sobre o futebol como um elemento de suma importância de identificação para se pensar a respeito de discursos sobre identidade regional em detrimento a uma formação nacional que usa o futebol para se estabelecer.

Afirmando o que já vimos por outros autores em outros momentos de pesquisa, a mídia é elemento importante para a difusão do futebol, de maneira que:  

Percebe-se como a relação entre mídia e esporte é estreita e mútua: o interesse que os esportes despertam ajuda aos veículos de mídia a incrementarem seu público. Em contrapartida, a imprensa contribui na divulgação do esporte, de seus clubes e atletas, fato que contribui para que estes tenham mais visibilidade e, por conseguinte, mais fãs, chances de patrocínio e de outros aportes financeiros (Vasconcelos; Abreu, 2015, p. 10).

A análise da produção jornalística do Esporte Interativo revela uma estratégia de comunicação intrinsecamente ligada à sua natureza comercial. Ao considerar o perfil privado, os autores apontam ser razoável inferir que suas escolhas editoriais e discursivas são em parte moldadas pela demanda do público consumidor, estabelecendo assim um diálogo de interdependência entre a emissora e sua audiência. Esse vínculo se manifestaria de forma notável nas transmissões das competições nordestinas de futebol, as quais, embora alcançassem todo o país, eram direcionadas especialmente aos torcedores da região.

Nesse sentido, a abordagem positiva do Esporte Interativo em relação ao Nordeste, ao seu futebol e aos seus torcedores pode ser interpretada como uma estratégia de conquista de audiência, visando atrair a simpatia do público-alvo. Não se trataria apenas de falar para esse público, mas também de falar sobre ele, reconhecendo sua importância e reforçando sua identidade dentro do cenário esportivo nacional.

Copa do Nordeste
Fonte: reprodução

Gestão esportiva e resultados financeiros em clubes brasileiros

Por fim, “Uma análise da eficiência entre desempenho esportivo e financeiro dos clubes da região Norte, Nordeste e Centro-Oeste do Brasil”, de Araújo et al. (2019) traz a análise da relação entre o desempenho esportivo e financeiro de clubes de futebol brasileiros durante o período de 2019 a 2021 a partir de amostra composta por 22 clubes de 3 regiões.

Este texto tem a importância de dialogar com a formação em andamento da bolsista, em Ciências Contábeis, delimitando dados importantes na relação desempenho e evidenciação financeira adequada e resultados esportivos, comparando regiões fora da hegemonia do campo esportivo brasileiro

A evidência do sucesso em campo e do sucesso financeiro nos fez refletir a partir de uma vertente do futebol não somente como time em campo, mas como uma entidade associativa que, assim como qualquer outra, precisa de uma saúde financeira para ter uma vida útil longa.

A eficiência dos custos foi analisada em relação ao desempenho esportivo, destacando que clubes com modelos de gestão baseados em participação acionária, como o Retrô-PE, obtiveram bons resultados. No entanto, houve casos como o do Vitória-BA, que aumentou seus custos e teve seu desempenho esportivo afetado, resultando em seu rebaixamento para a terceira divisão nacional em 2021.

Os resultados do estudo indicam que os clubes que priorizam tanto o desempenho esportivo quanto o financeiro tendem a ter mais sucesso em suas competições. No entanto, ressaltou-se que o desempenho financeiro não é o único determinante do sucesso esportivo, uma vez que há outras variáveis em jogo, como a qualidade dos jogadores e o fator sorte. Ainda assim, o texto enfatiza a importância da gestão financeira para o aprimoramento do desempenho.

Considerações finais

A perspectiva de Furtado sobre o ato criativo se dar a partir  de contexto histórico, geográfico e social pode ser vista ao observarmos os dois textos subsequentes quanto à representação simbólica e a relação econômica a partir de equipes nordestinas.

Vasconcelos e Abreu (2015) ilustram a evolução do futebol nordestino sob a influência da midiatização, com destaque para o papel do Esporte Interativo nesse processo. Entretanto, ressalta-se que tal evolução parte de uma estratégica, visando conquistar audiência e cativar os torcedores da região.

Por fim, Araújo et al. (2019) nos alertam para os fatores determinantes do sucesso de um clube, enfatizando a interconexão entre todos os aspectos que influenciam tanto dentro quanto fora de campo. Este entendimento ressalta a importância de uma abordagem holística para garantir um desempenho satisfatório no cenário esportivo.

É a partir dessa perspectiva e em diálogo com o que está sendo desenvolvido pelo projeto de pesquisa como um todo, que neste plano de trabalho seguiremos especialmente para descrição e análise de como as empresas, não só de mídia, tratam a Copa do Nordeste para a publicidade de mercadorias e serviços.

Referências

ARAÚJO, P. C. D. de et al. Uma análise da eficiência entre desempenho esportivo e financeiro dos clubes da região norte, nordeste e centro-oeste do Brasil. Revista Caderno Pedagógico, [s. l.], v. 16, n. 1, p. 28-53, 2019. DOI: https://doi.org/10.22410/issn.1983-0882.v16i1a2019.1410.

BOLAÑO, C. R. S. Conceito de cultura em Celso Furtado. Salvador: EDUFBA, 2015.

VASCONCELOS, Artur Alves de; ABREU, Domingos. #Onordestemerece um #Nordestelivre: Futebol e identidade regional na TV Esporte Interativo. Esporte e Sociedade, Niterói, v. 1, n. 25, set. 2015.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Anderson Santos

Professor da UFAL. Doutorando em Comunicação na UnB. Autor do livro "Os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro de Futebol" (Aprris, 2019).

Como citar

SOUZA, Viviane Silva de; SANTOS, Anderson David Gomes dos. Interconexões culturais e econômicas no mundo futebolístico. Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 8, 2024.
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