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1991: O Ano da Copa Feminina de Futebol FIFA

André Alexandre Guimarães Couto 20 de agosto de 2023

Hoje, em 2023, a Copa do Mundo de futebol feminino é considerada um grande sucesso, do ponto de vista comercial, esportivo e do entretenimento televisivo. Apesar das diferenças no tratamento, em especial da imprensa e das próprias federações com suas respectivas atletas, na comparação com a competição masculina, é inegável como a competição cresceu de importância nos últimos 12 anos.

Todavia, há 32 anos atrás, a FIFA organizava a primeira edição do torneio ainda sob muita desconfiança do público geral, assistente e das emissoras de televisão e demais veículos da imprensa.

Logo oficial da Copa de 1991.
Imagem 1: Logo oficial da Copa de 1991.

 

Cabe lembrar que desde a década de 1970 várias federações (algumas, inclusive, independentes como no caso do continente europeu) organizaram torneios internacionais com patrocínio de multinacionais como a Martini e Rossi, por exemplo. Aos poucos as federações continentais organizaram seus torneios (como a asiática em 1975 e a europeia em 1984). Nos anos 1980, algumas destas competições foram chamadas de mundialitos, porém a FIFA só chancelaria um primeiro torneio em 1988, uma espécie de preparação para um segundo passo, a Copa do Mundo, que só ocorreria em 1991. Nesta competição preliminar, que ocorreria na China, mesma sede da primeira edição da Copa, a final fora disputada por Noruega (então campeã europeia) e Suécia, sendo vencida pela primeira. O Brasil conquistara o terceiro lugar vencendo a China nos pênaltis. A “fórmula” estava pronta: sede ajustada com estádios preparados para as partidas, média de público em torno de 20.000 pessoas e a China interessada em mostrar para o mundo sua capacidade de organização esportiva e de infra estrutura urbana, além de consolidar uma política pós Mao Tsé-Tung (morto em 1976), incentivando a competição e o consumismo capitalistas, apesar do forte controle do Partido Comunista. A utilização da competição como propaganda do regime se tornou ainda mais importante e urgente por conta do massacre da Paz Celestial, ocorrido em 1989, resultante de um protesto de manifestantes (em sua maioria estudantes) em prol da abertura política. Na ocasião, centenas foram mortos e milhares, feridos e presos.

Cartaz mundial feminino
Imagem 2: Logo oficial do Torneio de 1988. Acervo: Michael Jackson.

 

Desta forma, a FIFA finalmente lançava a Copa do Mundo em 1991, apostando na ampliação do mercado e de seus “produtos” no continente asiático, em especial num país super populoso. Doze seleções (assim como foram em 1988) disputaram o torneio, sendo vencido pelos Estados Unidos, que na final batera a Noruega por 2 a 1. Suécia ficara com o terceiro lugar, demonstrando a forma do futebol nos países nórdicos desde pelo menos meados dos anos 1980.

Logo oficial da Copa de 1991.
Imagem 3: Logo oficial da Copa de 1991.
Copa do Mundo feminina
Imagem 4: Cartaz oficial da Copa de 1991 com a mascote Ling Ling.

Como podemos observar nas imagens acima, o comitê organizador chinês criou símbolos da cultura nacional como a mascote Ling Ling, pássaro raro, além das flores (traduzindo a harmonia social criada pelo Estado comunista) e cores (vermelho e amarelo). O logo foi categoricamente criado a partir da própria marca da FIFA, com a presença do planisfério (ver imagem 1). Como curiosidade, a bola oficial era a mesma utilizada na Copa masculina da Itália, realizada no ano anterior.

No Brasil, a imprensa esportiva deu um destaque pequeno para a cobertura do torneio. Tomamos como exemplo o Jornal dos Sports (JS), ainda principal periódico esportivo no Rio de Janeiro, naquele momento, que informava o esforço da China em investir nas obras de melhorias de infra estrutura dos estádios. Para tanto, criaram até loterias esportivas para custeá-las. Todavia, o jornal informava que o objetivo central era única e exclusivamente sensibilizar a FIFA a sediar a competição masculina no início do anos 2000 (JORNAL DOS SPORTS, 16/11/1991, p. 4). A matéria informava ainda sobre a seleção de seis assistentes mulheres (“bandeirinhas”), dentre elas a brasileira Claudia Vasconcelos Guedes, do Rio de Janeiro. E que seria um passo importante para o futuro, onde se esperava a existência de árbitras.

Nos dias seguintes, o torneio era retratado ora por uma pequena nota ou uma matéria mais completa, dependendo do dia, mesmo em referência à participação da seleção brasileira. Os cronistas não se propuseram a escrever sobre a competição, mesmo para tratar de questões gerais e periféricas sobre a prática do futebol feminino ou sobre a representação nacional. A grande exceção foi Nelson Rodrigues Filho, ao escrever em sua coluna que: “Excelente tacada da Fifa quando propõe o futebol feminino nas Olimpíadas. Já está na hora de se acabar com os preconceitos. A mulher pode fazer tudo: ir para o tanque, fazer faxina, bancar bêbados de madrugada, criar filhos, cozinhar, carregar pedras, trouxa de roupa ladeira acima, mas “futebol é bruto, é jogo para homens”. Já era! Quem faz isso tudo pode contribuir com sua sensibilidade para o futebol, um esporte bastante sutil se bem jogado” (RODRIGUES FILHO, 20/11/1991, p. 4).

O cronista referia-se a uma matéria do JS, onde o então presidente da FIFA, João Havelange opinava sobre sua expectativa do futebol feminino se tornar modalidade olímpica nos Jogos de Verão de 2000 (JORNAL DOS SPORTS, 18/11/1991, p. 6). Porém, ao fazer uma defesa da participação feminina no futebol apresentava uma série de estereótipos da atuação social da mulher. Inclusive, ao citar a contribuição da “sensibilidade feminina” para a prática esportiva.

 

Copa do Mundo feminina
Imagem 5: Brasil x Suécia. Fonte: Jornal dos Sports, 22/11/1991, p. 4.

Na eliminação da seleção brasileira, o JS apresentava uma charge, logo acima da matéria sobre a derrota. As suecas são representadas com destaque pelas partes corporais inferiores (pernas e coxas) e do sapato alto, sobre uma brasileira derrotada e mandada embora para casa. Uma imagem sexista trazida ao campo esportivo.

Enfim, mesmo derrotada, dentro e fora de campo (neste caso, ainda enfrentando estereótipos e sexismos a parte) a seleção feminina, assim como a própria competição dava os primeiros passos para o reconhecimento internacional da modalidade.

Obs.: Em 2021, a CBF realizou um evento para comemorar os 30 anos da participação feminina em Copas do Mundo. Para quem quiser ler a matéria e ver um vídeo com imagens e entrevistas, segue o link

Referências:

CHINA pega a Noruega no mundial feminino. Jornal dos Sports, 16 de novembro de 1991. P. 4.

FUTEBOL Feminino. Jornal dos Sports, 16 de novembro de 1991. P. 6.

RODRIGUES FILHO, Nelson. A palavra de ordem é mulher. Jornal dos Sports, 20 de novembro de 1991. P. 4. Coluna Entornando o Papo.

 

Artigo publicado originalmente em História(s) do Sport.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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André Couto

Professor, historiador, especialista em História do Brasil (UFF) e em Educação Tecnológica (CEFET/RJ) e mestre em História Social (UERJ/FFP). Doutorando em História (UFPR).

Como citar

COUTO, André Alexandre Guimarães. 1991: O Ano da Copa Feminina de Futebol FIFA. Ludopédio, São Paulo, v. 170, n. 20, 2023.
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