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Torcida organizada e os 60 anos do Golpe Civil-Militar: politização, neutralidade ou omissão?

Entre os dias 31 de março e 01 de abril de 2024, lembramos dos 60 anos do Golpe Civil-Militar no Brasil. O presidente João Goulart, conhecido como Jango, foi deposto e o Brasil ficou 21 anos nas trevas. Centenas de pessoas mortas, desaparecidas e torturadas. A liberdade de expressão não existia mais, não somente em nosso País, mas em diferente países da América do Sul, como descreve Fábio Perina (2024).  

Mas além disso, de que forma nossa sociedade se comporta em relação ao nosso passado? O passado brasileiro ainda possui feridas abertas e expostas que utilizamos um band-aid para esconder um ferimento exposto. Seja pelos 136 anos de escravidão que ainda causam sequelas ao povo preto, no qual ainda esperamos uma reparação do Estado, seja pelo período ditatorial que fazemos questão de esquecer.

 Uma das formas de esquecer é tentar o apagamento da data. Chegamos aos 60 anos do Golpe Civil Militar, o governo brasileiro preferiu o silêncio. A omissão. Entretanto, o ministro Silvio Almeida, pelas suas redes sociais fez menção. A ex-presidente Dilma Rousseff também. Talvez seja um cálculo do governo Lula não fazer menção, já que ainda estão tramitando ações contra militares em relação à tentativa de golpe do 8 de janeiro de 2023. A História irá nos revelar o motivo do silêncio.

Mas agora a nossa indagação é entender o motivo de apenas quatro clubes brasileiros se pronunciarem sobre a data. Além disso, poucas torcidas organizadas se pronunciaram, até mesmo as tradicionais que possuem histórico de fazer menção a data. 

Clubes e torcidas que fizeram notas sobre os 60 anos do Golpe

Em outros anos, Atlético Mineiro, Bahia, Corinthians, Flamengo, Fluminense, Fortaleza e Internacional já se pronunciaram sobre a data. Esse ano foi diferente. Apenas quatro clubes se expressaram, sendo Bahia, Corinthians, Internacional e Vasco. Como podemos ver em aqui.

Internacional escreveu em suas redes “Ditadura Nunca Mais”. Foto: Reprodução/Twitter, 2024.
Bahia escreveu “60 anos do Golpe de Estado no Brasil”. Foto: Reprodução/Twitter, 2024.

Mas por que esse ano os dirigentes dos clubes preferiram não se pronunciar? Disputas ideológicas internas? Conservadorismo? Reflexo das ações do governo que se omitiu? Não se tem apenas uma resposta, mas podemos especular outras questões, porém, não temos muito tempo aqui, até porque não é o debate central. Nosso debate é sobre o movimento de torcedores.

Barras argentinas, politização e a questão das Malvinas

Tanto os clubes como grande parte das barras argentinas tratam o tema da ditadura e a questão das Malvinas como aspectos importantes na cultura torcedora. Isso fica evidente quando mapeamos que grande parte das barras possuem os trapos com imagens das Ilha  Malvinas, fazendo parte da cultura material. 

No episódio 34 do Copa além da Copa, o programa aborda a Guerra das Malvinas relacionando com a Copa do Mundo de 1996. 

Trapo dos Borrachos del Tablon, River Plate, em alusão as Ilhas Malvinas. Foto: Reprodução/Twitter.
Trapo da barra Peste Blanca do All Boys. Foto: Reprodução/Twitter.

Além disso, existe uma relação simbiótica de clube e  torcida, ligadas às questões políticas da argentina. A data da Ditadura argentina é lembrada pelos clubes de forma institucional. Grande parte dos clubes desde a primeira divisão, até divisões inferiores fazem postagem relacionado a data.

Postagem do Independiente de Avellaneda. Foto: Reprodução/Twitter.
Postagem do River Plate com o lema “Memória, Verdade e Justiça”. Foto: Reprodução/Twitter.

É conhecido que as barras participam de atos políticos e essas ações fazem parte da estética nas arquibancadas. Existe uma relação entre política, futebol e torcida na argentina.  Para algumas pautas menos, mas para outras pautas é latente essa relação.

E as torcidas organizadas?

Desde 2020 as torcidas organizadas brasileiras vêm encarando o debate político com certa seriedade, como nos aponta Victor Figols em um texto escrito aqui mesmo. Apesar disso, existem páginas conservadoras nas redes que publicam conteúdos de brigas e não contribuem em nada com a cultura de arquibancada,  criticando as torcidas quando debatem sobre política. Nessas páginas de apologia a violência, tratam pautas políticas com ironia. Ou geralmente, essas redes sociais possuem um forte caráter conservador, sem espaço para a diversidade. Nas eleições fizeram menção de inclinação ao governo autoritário passado.

Infelizmente, poucas torcidas fizeram alusão a data dos 60 anos da Ditadura no Brasil. Parecido com os movimentos dos clubes, torcidas que historicamente se pronunciaram ficaram em silêncio. Como a torcida Gaviões da Fiel, uma das maiores torcidas do Brasil e conhecida pelo seu lado político.

Algumas torcidas preferiram mensagens religiosas em relação à Páscoa, com passagens bíblicas para seus componentes.

Pode ser que alguma torcida tenha passado batido, mas mapeamos apenas duas torcidas que se expressaram. A torcida Brava Ilha (Sport) e os Guerreiros dos Almirante (Vasco da Gama). As duas torcidas do estilo barra que mais vem crescendo no Brasil. Nas tradicionais torcidas organizadas brasileiras, o silêncio foi retumbante. Aqui cabe ressaltar que verificamos apenas os perfis oficiais das torcidas.

Mensagem da torcida Brava Ilha do Sport. Foto: Reprodução/Instagram.
Torcida Guerreiros do Almirante, Vasco da Gama. Foto: Reprodução/ Instagram.

Além disso, como era de esperar, as torcidas/coletivos antifascistas se pronunciaram em relação a data.

Outras representações das torcidas organizadas brasileiras também ficaram em silêncio. Por que?

A história irá nos dizer.

Referências Bibliográficas

Copa Além da Copa #34. A lenda de Diego Armando Maradona, a Guerra das Malvinas e a Copa de 1986. . [Locução de:] Carlos Massari e Aurélio Araújo [S.l.]: Central 3, dezembro de 2020. Podcast. Acesso em: 24 abr. 2024. 

FIGOLS, Victor de Leonardo. Pelo futebol, pelo direito de torcer, pela democracia!Ludopédio, São Paulo, v. 161, n. 14, 2022.

PERINA, Fabio. Memória, Verdade e Justiça também no futebol sul-americanoLudopédio, São Paulo, v. 178, n. 2, 2024.

MEDIUM. Apenas quatro clubes da elite do futebol brasileiro se manifestam no aniversário do golpe civil militar. Acesso em: 24 abr. 2024.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Elias Cósta de Oliveira

Historiador, professor, doutorando, pesquisador, sócio inadimplente, amor platônico por um time de bairro e apreciador de batidas de limão.Participante do STADIUM (Grupo de Estudos de História do Esporte e Práticas Lúdicas) da Universidade Federal de Santa Maria/RS

Como citar

OLIVEIRA, Elias Cósta de. Torcida organizada e os 60 anos do Golpe Civil-Militar: politização, neutralidade ou omissão?. Ludopédio, São Paulo, v. 178, n. 27, 2024.
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