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40 anos de democracia à deriva na Argentina: futebol e política (parte 2)

Fabio Perina 30 de maio de 2024

Após tratar de vários elementos estruturais nas últimas décadas para futebol e política, passo agora a descrever um pouco mais a agônica conjuntura dos últimos meses da eleição de 2023 e com repercussões ainda nesse início de 2024 com seus vínculos diretos ou indiretos com o futebol (e sem perder de vistas as determinações de décadas atrás que ainda repercutem). Após a assim chamada polarização eleitoral entre macristas e kirchneristas nos principais cargos do executivo e legislativo pelas últimas duas décadas no pós-2001, emergiu recente o profundo sentimento de “bronca” que foi rapidamente mobilizado pelo novo movimento auto-declarado libertário (ou anarco-capitalista) La Libertad Avanza de Javier Milei. Sem me alongar nos tão relevantes temas da agenda política e econômica de Milei, é preciso ter em vista que todos agem em conjunto com sua agenda cultural e ideológica. O impacto disruptivo nos símbolos políticos de sua campanha eleitoral são muito notórios: uma motosserra nas mãos, gritos e ameaças contra a “casta” política dos partidos tradicionais e apelidos auto-declarados de “El Loco” e “El León”. Ambos apelidos por si só remetem a elementos de suas atuais “batalhas culturais” pelos conteúdos de futebol e cultura popular que tenta se apropriar. O primeiro, um apelido recorrente de jogadores e treinadores, embora nesse ambiente do futebol o novo líder libertário parece pouco a vontade de atuar, conforme descreverei mais a frente. O segundo, uma conhecida música da grande banda de rock “La Renga” que se nega a ser associada a um líder autoritário (Obs: inclusive nas últimas décadas o rock e depois a cumbia foram os ritmos que mais serviram de base a adaptações musicais pelas hinchadas nos estádios).

Javier Milei
Javier Milei. Fonte: Wikipedia

Além de outras batalhas mobilizadas a cada data histórica notória visando um triplo movimento complementar que formam sua frente ideológica: discurso messiânico de “fuerzas del cielo”, importar idéias de neoliberais e libertários estrangeiros e romantizar antigos presidentes liberais argentinos do século 19 (junto a Menem dos anos 90). Todos convergentes a mobilizar uma permanente guerra interna contra inimigos políticos como justificativa para abolir direitos sociais. Ou seja, ao mesmo tempo que persegue lideranças políticas peronistas também criminaliza a militância popular como direitos humanos, sindicalistas, piqueteiros e até barras (vinculados a narcos).

Uma guerra interna permanente e ampliada a vários sujeitos mediante a burocrata Patricia Bullrich. Quem não somente tentou meses atrás aparelhar politicamente o Independiente como sobretudo por ser ex-ministra de Justiça do governo Macri e atual ministra de Segurança do governo Milei. Em seu novo projeto político pessoal de “mano dura” (vide nomes muito sugestivos de programas e projetos “anti-piquetes” ou “anti-mafias” ou “anti-terroristas”) visando esvaziar as ruas dos protestos fazendo impor por ameaça a lei do mais forte. (Obs: sendo que com muita ironia estava ela própria em apenas 2 a 3 anos atrás junto do macrismo e do crescente mileísmo nas ruas contra o governo de Alberto Fernández reivindicando liberdade de expressão de não tomar vacina, não usar máscaras e não se isolar em quarentena). Enquanto seu novo projeto político pessoal é enche as ruas com seus policiais como em Buenos Aires nos constantes protestos populares e quando possível até com militares como em Rosário diante de uma profunda crise de criminalidade. Embora Bullrich no governo mileísta ainda não tenha apresentado algum projeto legislativo ou programa de incidência direta na segurança do futebol como fizera no governo macrista, ela renova sua aposta contra o “capo” Rafael Di Zeo da barra La Doce do Boca ao “colocar sua cabeça a prêmio” buscando sua possível prisão. Como se fosse uma narrativa de faroeste apoiada em uma covarde analogia da organização barra (sem distinguir as grandes das pequenas) com uma organização criminosa como se um único “capo” tivesse tanto poder assim para “desafiar a lei”. E assim tentar construir sua narrativa de “herói” em uma “guerra” que os governos kirchneristas foram cumplices das barras e diversos outros delinquentes.

Nos rastros de Murzi (2021), sem perder de vista os efeitos nefastos e profundos de mídia e mercado sobre democracia, as medidas de segurança do Estado viraram uma “mercadoria política” análoga a tantas mais. (Obs: ora, tentando um difícil vínculo com uma hipótese instigante com o futebol, relembrando os clássicos teóricos do “aguante” como Alabarces e outros, Murzi é um dos novos teóricos que afirma uma hipótese instigante de seu fim, porém não o fim da violência no futebol, na medida em que os novos conflitos raramente são visibilizados nos estádios e, pelo contrário, se irradiam para locais distantes diante da intensa vigilância que se instalou. Parece estar em declínio a identificação da maioria dos torcedores comuns com os barras quanto à exaltação de uma violência clubista (verbal ou física) contra um rival. Ou seja, um espaço que há 4 décadas atrás emergiu como resquício de pertencimento diante de tantas fragmentações em seu entorno também vem sendo devorado pela própria lógica de fragmentação, vide as intensas disputas internas somado à proibição de visitantes.

Em suma, Macri e Bullrich (e por sua vez Milei), pertencem à linhagem de Menem de reduzir a política institucional a uma “farandula” midiática de imagens narcísicas e “cortinas de fumaça” diárias de auto-celebração e desvios de prioridades das questões nacionais estruturais. Havendo até mesmo uma regressão militarista, junto a outros ministros mileístas, sinalizando serem favoráveis a indultos de antigos torturadores e uma permissividade com a violência política através de rotinizar ameaças que de tão permissivas ficam a ponto de chegar às vias de fato. Como um caso emblemático no final de 2022, na tentativa de assassinato de Cristina Kirschner, quando ela era então vice-presidente. Atentado que não foi causado por algum “lobo solitário”, mas pelo grupo reacionário “Revolución Federal”, inclusive quem tanto mobilizou ativistas anti-vacinas nas ruas em plena pandemia para tentar desestabilizar o governo anterior peronista pelas táticas mais apelativas e criminosas. Em um claro intento movido por ódio de classe de dizimar todo um projeto nacional para além de apenas uma liderança política. Dessa forma, há nesse campo político de extrema-direita (ora macrista e sobretudo ora mileísta) uma convergência de negacionismo científico com negacionismo histórico como turbinando as narrativas obscurantistas da ditadura de “dois demônios” (ou seja, militares x guerrilheiros como se fossem igualmente culpados) e até mesmo negam que houveram 30 mil desaparecidos. Elementos que nas últimas décadas pareciam estar superados pelos avanços em democracia e sobretudo direitos humanos, porém rapidamente ameaçados nos últimos meses. 

Ainda sobre a política mais ampla, para Cavarozzi (2006), no pós-83 o que permitiu se acreditar que a democracia durou mais do que de costume no pré-83 é na verdade os poderes fáticos de pressão em seu entorno (antes militares e sindicalistas e atualmente mídia e judiciário) trocaram a tática do enfrentamento até a ruptura institucional pela cooptação e clientelismo que não derruba o regime (ou cada um de seus governos) mas o apodrece aos poucos. Autor que também aponta que na profunda crise em 89 na transição de Alfonsín para Menem houve na prática um “golpe de mercado”, aplicado pelo “Consenso de Washington”, FMI e burguesias nacionais e transnacionais, que reorientou endividamento e dependência pelas décadas seguintes que é, mesmo após 2001, prolongadamente renovado a cada governo. Sequer para os governos kirchneristas foi possível escapar da profunda “bronca” diante de suas profundas contradições: discurso agressivo de nostalgia peronista, porém prática de gestor do capital diante da rendição ao FMI e buscando apenas “pescar” melhorias através de planos sociais paliativos / discurso de resgate dos direitos humanos da “geração dizimada” dos mortos, torturados e desaparecidos pela ditadura, porém prática de repressão a vários movimentos populares que preservaram autonomia de não cederem a entrar no seu oficialismo.

Elementos que são ainda mais aprofundados por Horowicz (2023) em seu livro com nome muito sugestivo: “El kirchnerismo desarmado: La larga agonía del cuarto peronismo”. Ou seja, a convergência de um duplo fenômeno de um campo kirchnerista que apenas acelera sua auto-destruição nos atritos entre seus referentes disputando quem terá sua liderança. Embora vencendo a maioria das eleições, mas ao custo de abrir mais concessões e alianças à direita. E por sua vez dentro de um campo peronista desorientado ao se apegar a um marketing político de nostalgia às versões anteriores. Embora cada vez mais adiando suas tarefas históricas ao estar cada vez mais distante da prática de governo e sobretudo da própria militância popular). Em outras palavras mais afins a um vocabulário militante, o campo peronista oferece uma inesgotável capacidade de mobilização popular (vide as invenções anteriores de HUA e a ainda vigente La Campora, conforme já comentado na parte I), porém muito defasada quanto a organização e até a mais mínima coesão interna. Com Cristina cada vez mais incapaz de liderar, mas tampouco permitindo que outro “capo” assuma nova liderança. Dessa forma, a profunda crise desse campo em 2023-24 é um aprofundamento da crise de 2008-09. Ou seja, o campo opositor macrista se fundiu aos poderes fáticos de mídia e judiciário para impedir qualquer projeto popular mesmo que para isso sacrificando a democracia. A esse autor acrescento que foi uma manobra de “inclinar la cancha”, justamente nesse sentido de tornar o “jogo” político democrático mais injusto, o que deixa de profunda lição cotidiana, tanto no Brasil como na Argentina, que a tão falada polarização é muito mais uma “mercadoria política” que oculta as reais contradições estruturais como povo x elite e nação x regressão colonial. Em suma, outro conceito crucial do autor para entender o atual desalento e desespero é a “democracia da derrota” (ou alfonsinismo), ou seja, renunciar a enfrentar tais poderes das elites que através de um ajuste fiscal permanente (nos diversos governos sobretudo nos de Menem e Macri) prolongam o projeto de dizimar o campo popular e junto a soberania nacional. Dessa forma, esse autor desmistifica as celebrações de 40 anos da democracia no sentido que ela só foi possível pela derrota militar externa e não por uma efetiva reorganização popular desde as bases, sendo que a coragem que Alfonsín teve para enfrentar os agentes individuais da ditadura lhe faltou para também enfrentar o seu ajuste econômico que prolonga a regressão colonial.

Voltando aos meses mais recentes, sobre a ascensão do campo mileísta, na passagem da campanha eleitoral para o governo empossado em 10 de dezembro ficou comprovada a “estafa” ao rapidamente formar sua própria “casta” (ao invés de enfrentar as anteriores as quais tanto ameaçou com a “motosserra”) através de nomeações de cargos para menemistas e macristas dentre empresários e políticos para tentar compensar sua minoria parlamentar. (Obs: o que se vincula com o futebol na medida que a narrativa de polarização entre dirigentes e empresários é ilusória quando pragmaticamente emergem cada vez mais tipos híbridos) Dei ênfase na parte I desse texto a Menem e Macri pelas notórias semelhanças com o programa econômico de Milei em seu conteúdo de ajuste fiscal contra os pobres, se distinguindo apenas pela forma gradualista dos anteriores e a forma acelerada do atual. Nesse sentido emergem artigos de opinião diários no oficialismo midiático (como Clarín e sobretudo La Nación) conivente com a narrativa de “louco” ao pintar Milei como uma figura indecifrável ao romper o tédio e a mesmice de outros políticos anteriores e que canaliza contra eles a “bronca” e a vingança dos humilhados. Ora com as metáforas entre leão e raposa para representar a oscilação entre força e astúcia. E ora outras metáforas de uma “maldita herança” kirchnerista que obriga a uma “cirurgia de urgência” (ou seja, um ajuste fiscal justificado pela sua nova palavra de ordem “no hay plata”) e o dilema do novo presidente na oscilação de executá-la entre a “motosserra” e o “bisturi”.

Como exemplo dessa dupla tática, ou entre o messianismo e o gradualismo, uma menção à agenda política: em dezembro, poucos dias depois de assumir, emitiu um Decreto Nacional de Urgência (inclusive uma proposta de clube-empresa) que entrou em vigor pelos meses seguintes pendente de consolidação legislativa através da chamada “Ley Omnibus”. Pouco depois, diante da reprovação pelos parlamentares, tomou a iniciativa de desidratar seus numerosos artigos na nova proposta de “Ley de Bases” para ser gradualmente negociada com grupos privados empresariais e parlamentares (cada vez mais indistinguíveis) e, claro como não poderia faltar sua “farandula” midiática, tentou convocar o seu “Pacto de Mayo”. Pelo qual tentou ganhar tempo para poder negociar com os governadores (com imensa maioria de peronistas e macristas e até alguns radicais) enquanto aposta em estrangular financeiramente suas províncias e assim induzir a uma rendição de seus senadores e deputados a aprovarem sua versão legislativa do decreto. O que também guarda mais um caso sintomático de um revisionismo histórico por Milei querer comemorar essa ameaça disfarçada de acordo justamente para o dia 25 de maio de 1810 ser a data de início da guerra de independência nacional (processo iniciado em Buenos Aires e concluído em Tucumán em 9 de julho de 1816).

Até mesmo no futebol as comparações com Menem e Macri são inevitáveis por haver nova tentativa de um projeto de clube-empresa dentro da “Ley Omnibus” e depois atualizado na “Ley de Bases”. Como analogia entre o ajuste na política e no futebol com complexa práxis dual: discurso ofensivo para difundir ameaças e rendições e assim obter graduais adesões rumo a reorganizar a nova casta mileista. Vide Verón, Tevez e sobretudo Kun Aguero, ex-jogador do Independiente e do Manchester City, quem se revelou um entusiasta de uma possível compra bombástica para compensar as péssimas gestões no “Rey de Copas” de Avellaneda e colocá-lo como “laboratório” do modelo de futebol-empresa no país. Embora nesses casos ontem e hoje hajam com outras diferenças mais discretas no que envolve imagem pública e relação com apoiadores, vide Menem investiu em uma imagem de um esportista de várias modalidades, torcedor do River Plate e aproximações com Maradona (embora depois o traiu “armando la cama” em um controle anti-doping). Enquanto Macri, mais do que investir em uma evidente imagem de torcedor do Boca, teve de fato um projeto político pessoal tanto como presidente no clube como presidente do país de transição dos clubes associativos a clubes-empresas (conforme descrevi no final da parte I). Todo ao contrário de Milei, quem rejeita qualquer símbolo clubista “ortodoxo” e mesmo símbolos nacionais, inclusive o gênio Maradona, o libertador San Martin, las “Abuelas” dos direitos humanos e até mesmo o papa Francisco e os soldados caídos nas Malvinas ao exaltar a inglesa Thatcher. Dessa forma, tal qual o bolsonarismo, aposta em fidelizar símbolos de sua própria seita política como seus “soldados” em sua “guerra cultural”. Inclusive o eleitor jovem atual que busca fidelizar parece ser bem mais “trolls” e “nerds” da internet (e consumidores de clubes europeus) do que “futboleiro” (e torcedores dos clubes nacionais). Tentando forjar uma geração de novos militantes libertários que respaldem “desde baixo” o possível novo campo político libertário ao cooptar desertores diante do fracasso dos partidos de direita. Sendo que ao já conhecido oficialismo midiático que tanto foi conivente a Menem e Macri agora se soma um permanente ativismo digital de Milei. Quem nas redes é o “león” para divulgar suas viagens internacionais e tentar ocultar na vida real seus escândalos de governo, suas derrotas legislativas e sobretudo a degradação dos problemas sociais dos setores populares.

Como últimas comparações simbólicas entre futebol e política nas últimas 4 décadas, algumas curiosas menções a dirigentes e treinadores. Sobre dirigentes, acrescento ser simbólico que a tática do clientelismo político de pouca coerência de projetos e ampla base de aliados (como um fim em si mesmo) na Asociación de Fútbol Argentina (AFA) por décadas sob comando a “mano dura” de “don” Julio Grondona foi análogo à República Argentina em seu sistema de dois partidos hegemônicos com amplas coalizões com os demais. As várias décadas de Grondona (vinculado ao Independiente e Arsenal) se assemelham aos vários anos recentes de Cláudio “Chiqui” Tapia (vinculado ao Barracas, Riestra e uma base ainda mais ampla nas divisões inferiores). Havendo como um dos grandes contrastes que com Grondona pela menos durante duas décadas houve um formato estável de “torneos curtos” em Apertura e Clausura em número regular de participantes. Enquanto agora com Tapia quanto mais seu poder é inquestionável sem algum dirigente ou político opositor de peso mais ele “capricha” em invenções de torneios e regulamentos com mudanças aleatórias. Conforme sua própria declaração em uma peça publicitária da Superliga que ironicamente virou meme: “No trates de entenderla, disfructarla”. Contudo, se hoje Tapia usa a AFA como “bastião” do modelo clube associativo contra a nova ofensiva mileísta do modelo clube empresa, isso resulta mais por conveniência do que por convicção.

Sobre treinadores, se apenas recente a “grieta” política entre macristas e kirchneristas foi superada tragicamente por Milei, nem tão recente a “grieta” futboleira entre menottistas (campeão mundial em 78 e associado ao “futebol-arte”) e bilardistas (campeão mundial em 86 e associado ao “futebol-resultado”) foi superada pacificamente por possível cansaço de ambas partes. Por anos alguns “teóricos” do futebol (inclusive é curioso que por lá as representações jornalísticas e intelectuais do futebol são mais fartas em “ismos” a mais tempo do que aqui no Brasil) arriscaram esboçar que Marcelo “Loco” Bielsa ou Diego Simeone seriam a “terceira via” possível entre os opostos. Contudo, foi somente em 2022 que houve um “realinhamento dos planetas” [EDITOR inserir link https://ludopedio.org.br/arquibancada/maradona-messi/], ou seja, a profunda coesão entre Lionel Scaloni, Lionel Messi (em sua versão maradoniana encarnando “las fuerzas del cielo” de uma Argentina plebéia) e seus demais “soldados” (como Emiliano Martinez, Otamendi, Enzo Fernández, Rodrigo de Paul, Julián Álvarez e outros) Irradiando a canção “ahora nos volvimos a ilusionar” dos campos e estádios do Catar para uma multidão “albiceleste” de milhões nas ruas de Buenos Aires por dias em delírio coletivo popular desde o título épico até a recepção dos campeões. (Obs: inclusive entre 2021 e 2022 havia as múltiplas crises internas de desgaste do governo Alberto, agravamento dos problemas sociais e até mesmo agravamento dos inúmeros casos e tipos de violências no futebol argentino, exceto na seleção onde não havia essa percepção de crise).

Argentina Copa 2022
Messi e demais jogadores da Argentina comemoram a conquista da Copa do Mundo de 2022. Foto: fubilmuh/Depositphoto.

Falando em ruas, os sócios dos clubes podem ser mais um importante “bastião” de resistência popular diante de outros setores sociais bem mais contundentes na luta semanal permanente junto a direitos humanos, sindicalistas, universitários e piqueteiros por “ganar la calle” (e não permitir que Milei e Bullrich a esvaziem). Nela deixando suas marcas como em cantos e pichações: “Milei estafador”, “No es locura, es fascismo”, “La pátria no se vende”. Assim como em breve os efeitos nefastos do ajuste nas classes médias como aposentados e pequenos e médios proprietários poderá força-los a também irem para as ruas como em 2001. A análise objetiva dos dois períodos se encaixa com o ajuste de Milei repetindo os passos de Menem: quebrar a indústria e o emprego nacionais e um mito de “relações carnais” com os Estados Unidos para obter investimentos externos e junto um mito de “derrama” de crescimento econômico impulsionado de cima para baixo.

Nas últimas semanas a falta de amplos e sólidos ganhos macroeconômicos e a falta de ganhos legislativos para o governo Milei pode fazer que nas próximas semanas o sacrifício dos setores populares e médios se esgote e finalmente a “bronca” mude de lado. Sem tentar ser exaustivo a traçar uma radiografia das forças de oposição que se fragmentaram, fato é que logo após a grande derrota eleitoral de 2023 houve até agora um significativo sumiço político da ex-vice-presidente Cristina Kirchner e sobretudo do ex-presidente Alberto Fernandez e do ex-ministro da Economia e ex-candidato Sergio Massa. Cabendo hoje ao governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, ser a principal voz de oposição e através de medidas concretas de governo dentro do que lhe é possível como articular alianças com outros governadores e sobretudo manter subsídios de políticas sociais para evitar que a fome leve ao saque e por sua vez a um novo 2001. Sendo justamente quem declarou na época das recentes eleições “ser necessário inventar novas canções”, ou seja, uma re-organização com não apenas com novos nomes, mas também novos projetos ao novamente verticalizar líderes na condução de bases populares e sobretudo uma nova democracia (também social e não apenas política) digna das lutas populares diárias e nos bairros populares e nas províncias distantes. Oposto a uma visão política, sociológica e até futboleira “portenhocêntrica” (ou seja, referente à cidade de Buenos Aires), imbuídos da tarefa antes cedo que tarde de uma segunda independência nacional e popular irá inverter a rota de San Martin agora da periferia ao centro do país (tal qual foi a dinâmica da imensa insurreição de 2001), para barrar a regressão colonial anarco-capitalista.

Referências Bibliográficas

CAVAROZZI, Marcelo. Autoritarismo y democracia 1955-2006. Buenos Aires: Ed. Ariel, 2006.

HOROWICZ, Alejandro. El kirchnerismo desarmado: La larga agonía del cuarto peronismo. Buenos Aires: Ed. Ariel, 2023.

MURZI, Diego. Fútbol, violencia y estado: una historia política de la seguridad deportiva en Argentina. Prometeo Libros SA, 2021.

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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. 40 anos de democracia à deriva na Argentina: futebol e política (parte 2). Ludopédio, São Paulo, v. 179, n. 33, 2024.
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