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A mística xeneize superou (mais uma vez) o plano alviverde

Após empate na Bombonera, Palmeiras e Boca repetem igualdade no Allianz Parque e, nos pênaltis, Romero brilha, derruba o time de Abel Ferreira e leva argentinos à 12ª decisão continental

Palmeiras x Boca
Os jogadores Zé Rafael e Raphael Veiga (D), da SE Palmeiras, disputam bola com o jogador do CA Boca Juniors, durante partida válida pelas semifinais, volta, da Copa Libertadores, na arena Allianz Parque. (Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon)

Mais de 40 mil pessoas foram ao Allianz Parque para acompanhar — mais — um embate épico entre Palmeiras e Boca Juniors pela Libertadores de América. Todos os conhecidos caminhos que levam a esquina mais alviverde da Terra (entre a Caraíbas e a Palestra Itália) foram inundados por ensandecidos palmeirenses.

Ao falar de público é impossível ignorar os 40 mil presentes e tantos milhares de ausentes neste mundo, mas vivos nos corações daqueles que cantam e vibram. Jogo do Palmeiras é assim, 18 milhões aqui e outros incontáveis milhões além.

Sobre o jogo, o que se pode dizer é que Abel Ferreira tem um plano, ele sempre tem o tal plano, mas é teimoso e não contempla plano B. Mais uma vez morreu abraçado às suas convicções e está tudo bem, afinal, é um dos técnicos mais vencedores da história palestrina.

Mesmo assim é preciso registrar as entradas de Gabriel Menino e Arthur entre os titulares e a insistência em Mayke como ponta, que falam mais sobre a teimosia do gajo do que sobre a genialidade geniosa de Abel.

Pelo lado do Boca, o compasso do tango apareceu logo nos primeiros minutos. Um time que buscava manter o empate, mas que tinha os pés bem firmes na lei do ex com Merentiel escalado. Se não o gol, o atacante que passou pelas alamedas desfilou pela ponta esquerda, desafiou Gómez e cruzou na medida para Cavani. Gol dos argentinos.

Com a vantagem, o Boca fazia o que bem entendia e distorceu a compreensão do tempo. Em menos de 10 minutos, lá se foi a primeira etapa. Em mais 10 minutos, a metade do segundo tempo já havia sido vencida. Não há abaixo da linha do Equador, quem dome melhor o tempo do que as 11 camisas do Boca em campo.

Se o Boca Juniors é dono do tempo, Marcos Rojo desconhece a razão. Poderia ter sido expulso com um pé alto no rosto de Rony, mas não escapou depois de um carrinho desmedido. Expulso deixou o Boca em desvantagem, mas nunca em minoria, afinal, um time que carrega a tradição do Boca nunca está só.

Coube a Piquerez, o lateral mezzo charruá, meio Palestra, anotar o gol do empate com um chutaço de longe. Romero demorou a decidir para onde ir. A bola não precisou que decidissem, ela bailou em direção ao gol e estufou as redes. O empate fez com que a já épica partida tomasse ares de epopeia.

Boca Juniors x Palmeiras
Piquerez fez o gol de empate do Palmeiras. Foto: Cesar Greco/Palmeiras/by Canon

Abel abriu mão — tardiamente — das convicções e colocou a meninada em campo. Endrick, Kevin, Fabinho e Luiz Guilherme deram mais velocidade e ousadia ao Palmeiras. Num cruzamento esperto de Luiz Guilherme, Rony abusou da categoria e pedalou a bicicleta dos sonhos que teria sido o golaço da classificação não fosse (o maldito) Sergio Romero.

O tempo passou e o Boca fez o tempo passar. O árbitro Andres Matonte não percebeu e deu apenas cinco minutos de acréscimos. Não foi por isso que o Boca venceu, claro, mas aqui e ali pode ser que algum palmeirense fique ressentido com o tempo de desconto.

Os pênaltis chegaram assim como em 2000 e em 2001, na decisão e na semifinal, respectivamente, os xeneizes levaram a melhor. Antes de qualquer coisa é bom registrar que em 2018, o Boca também avançou. Freguesia maior não há.

Weverton começou parando Cavani e deu esperanças extras a massa alviverde. Na sequência a realidade da freguesia bateria no rosto dos palmeirenses. Veiga e Gómez, dois dos principais batedores do Palmeiras, perderam as duas primeiras cobranças do time da casa.

Aliás, do alto dos 36 anos e dizendo se divertir nas últimas temporadas como jogador profissional, Sergio Romero parou o capitão alviverde e o melhor canhoto palmeirense desde Alex. A classificação ficou a cargo de Pol Fernández. Mais uma vez, o Palmeiras ficou no ‘Caminito’ da glória eterna engolido pelo gigante Boca.

Um time que joga apenas com as 11 camisas em campo, aliás, 10 camisas pareceram o suficiente no Allianz Parque. Com os traumas do vice melancólico em 2000, e das semis em 2001 (Ubaldo Aquino) e 2018 (do maledeto Benedetto), o Palmeiras disse adeus em mais uma semifinal continental contra o Boca Juniors.

Esse Boca versão 2023, que vai disputar a final sem vencer sequer uma partida na fase eliminatória. Uma equipe que sabe sofrer, mas sabe fazer sofrer como ninguém. Um time que tem uma mística única e a quem basta colocar as camisas em campo. Um clube que molda espaço e tempo ao seu bel prazer. Uma camisa que jamais poderá ser chamada de “zebra”, mesmo que pinte as listras no uniforme.

O último ato se aproxima

Sobre o Palmeiras de Abel Ferreira cabe uma nota: o melhor time, de todos os tempos, da última semana, o mais vitorioso Palmeiras que vimos está acabando. O maior sinal é que algumas peças não duram mais os 90 minutos. Uma lástima. O tempo é uma lástima, ou como diria o sábio, o tempo é fábrica de monstros — para o bem e para o mal — , nada resiste ao tempo.

O Palmeiras de 1960 deve ter sido melhor. O Palmeiras de 1972 foi encantador. O Palmeiras de 1993 foi redentor. O Palmeiras de 1999 foi desbravador. O Palmeiras de 2015 foi renovador. Todos se foram e ficaram eternizados pelos feitos e pela memória coletiva. O Palmeiras de 2020/21 também se tornou eterno com duas Libertadores em 10 meses, mas está dizendo adeus diante dos nossos olhos. Estamos assistindo à história ser escrita. O Palmeiras de todos os dias é aquilo que é desnecessário explicar a quem é palmeirense, e impossível a quem não é.

Como conforto, um anjo foi convencer a parmerada que é preciso voltar a sonhar : “seu time já deu muita alegria nos últimos anos. Não pode ser assim sempre. Agora vá dormir que amanhã tudo começa mais uma vez”. O futebol nos convence a sonhar e renovar sonhos a cada decepção. O futebol é metáfora mais bem acabada da vida…

 
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Pedro Henrique Brandão

Comentarista e repórter do Universidade do Esporte. Desde sempre apaixonado por esportes. Gosto da forma como o futebol se conecta com a sociedade de diversas maneiras e como ele é uma expressão popular, uma metáfora da vida. Não sou especialista em nada, mas escrevo daquilo que é especial pra mim.

Como citar

BRANDãO, Pedro Henrique. A mística xeneize superou (mais uma vez) o plano alviverde. Ludopédio, São Paulo, v. 172, n. 10, 2023.
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