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A “nova-velha” crise no futebol peruano

Fabio Perina 9 de março de 2023

Nesses últimos anos a crise nos clubes peruanos seguiu desoladora com as classificações para as oitavas da Libertadores se tornando mais raras. Dentre os três clubes grandes limenhos as posições se tornaram cada vez mais claras: o Universitário com várias eliminações na fase de repescagem sem sequer alcançar a fase de grupos (e quando alcançou levou várias goleadas); o Cristal com frequentes terceiras colocações na fase de grupos e classificações automáticas para a Copa Sul-Americana; e sobretudo o Alianza Lima repleto de contradições.

Pois o clube “blanquiazul” em meados de 2020 chegou a ser rebaixado dentro de campo no torneio peruano, porém se salvou no “tapetão” graças a uma escalação irregular do modesto clube Carlos Stein. Logo depois o Alianza Lima foi o bicampeão de 2021/22, ambas em novembro. Inclusive conta com o artilheiro argentino Hernán Barcos, quem se profissionalizou pelo Racing, porém com pouco brilho devido a muitos empréstimos entre 2004 e 2009. Até estourar na LDU-EQU, ter boas passagens pelos brasileiros Palmeiras e Grêmio e voltar a ser um peregrino da “Patria Grande” voltando à LDU-EQU e explorando outras paragens como Atl. Nacional-COL e agora Alianza Lima-PER. Junto do Jefferson Farfán, também com 38 anos, quem mesmo lesionado repetiu a façanha de ser bicampeão pelo clube como em 2003/04. A recente aposentadoria de Farfán busca ser substituída pelas recentes contratações da experiência mundialista do meia Cueva e do zagueiro Zambrano.

Além desses recentes investimentos em elenco, o tornando o de maior experiência internacional, o clube “blanquiazul” espera com os recentes investimentos em patrimônio poder melhorar suas campanhas na Libertadores. Através de exercer de fato sua condição de local no “caldeirão” do estádio Matute de médio porte (agora readequado às exigências da Conmebol sobretudo quanto a iluminação) ao invés de seguir jogando no estádio Nacional de grande porte. Assim buscam superar um passado recente no qual ao obter vaga direta na fase de grupos na Libertadores prorrogou sua agonia em diversas edições ao somar o péssimo “recorde” nada desejável de ter 29 partidas sem vitórias seguidas no torneio.

Falando em “figurões” atuais, o Cristal conta com o atacante da seleção Yotun e o Universitario com o lateral da seleção Corzo. O clube “crema” já teve como treinador em um passado recente o ex-goleiro argentino Angel Comizzo e agora fez a recente contratação do experiente treinador uruguaio Jorge Fossati. Consolidando o tradicional cenário de treinadores e jogadores argentinos e uruguaios como os principais intercâmbios do futebol peruano (tema que retomarei no final do texto). Ao menos algum alento para os clubes peruanos foi na recente Copa Sul-Americana de 2022 com o modesto Melgar de Arequipa (na costa sul). Além de alcançar duas finais nacionais seguidas, alcançou as semifinais continentais ao deixar pelo caminho clubes tradicionais como o Racing-ARG e o Inter-BRA (vice-campeões de seus torneios nacionais). Competição que em 2003 consagrou campeão o modesto Cienciano de Cuzco (na serra sul) contra o tradicional River Plate-ARG.

Farfán Guerrero Peru
Farfán (esquerda) and Guerrero (direita) em 2018. Fonte: wikipédia

Se nos últimos anos o cenário da seleção peruana alcançou bem melhores expectativas em relação aos clubes peruanos, a onda de otimismo também passou. O duradouro trabalho do treinador argentino Ricardo Gareca começou com a imensa pressão das crises cruzadas por décadas: os clubes sem jogar finais continentais e a seleção sem jogar Copas do Mundo. Contudo, terminou esse ciclo ao ter as credenciais de obter vaga nas semifinais de 3 das últimas 4 edições de Copa América: 2015, 2019 (final) e 2021. Sendo que em 2016 obteve o gostinho de eliminar o Brasil na fase de grupos. Porém seu roteiro nas Eliminatórias de 2018 e 2022 tiveram enredos parecidos, mas desfechos distintos: em ambas o 5º lugar entre os sul-americanos e uma agônica definição de vaga na repescagem contra uma equipe da Oceania: primeiro Nova Zelândia e depois Austrália. Esse último justamente um reencontro da fase de grupos de 2018 com uma vitória tão comemorada ainda mais pelo gol de Paolo Guerrero. A vitória contra os neozelandeses no tradicional sistema ida e volta foi seguida do histórico retorno peruano a mundiais e com o adicional de suas barras da seleção serem premiadas como a hinchada mais vibrante na Rússia 2018. Já a derrota contra os australianos ocorreu na agonia dos pênaltis e em partida única no Oriente Médio devido ao calendário ajustado no Catar 2022.

Sem repetir a obtenção da tão cobiçada vaga, Gareca imediatamente renunciou (e justamente nos últimos dias fechou seu histórico retorno ao Velez Sarsfield-ARG quem o projetou como treinador vitorioso) e o restante de 2022 foi de reformulação. Sendo simbólico que a federação tenta uma certa volta às suas raízes anunciando dois ex-jogadores: Juan Reynoso como novo treinador e “Chemo” Del Solar como novo diretor de categorias de base. Ambos com as coincidências de terem despontado ao profissional nos anos 80, integrado a seleção peruana em grande parte dos anos 90 e depois desde os anos 2000 com a aposentadoria iniciarem longa experiência como treinadores. Sendo que a contratação de Reynoso ainda encerra um período de 13 anos sem um treinador peruano à frente da seleção. Antes do argentino Gareca, foram os uruguaios Sergio Markarián e depois Pablo Bengoechea que a comandaram a partir de 2009, inclusive diante do vexame de ser lanterna daquelas Eliminatórias. Após as vitórias em amistosos pelo placar mínimo contra Bolívia e Paraguai (apesar de derrota para o México pelo mesmo placar), algum alento no início de 2023 pode ocorrer com a retomada das Eliminatórias e a expectativa do aumento de vagas para a Conmebol. Sendo que nesse cenário positivo que ao menos encoberte um pouco a atual sistêmica a hinchada peruana conta com exercer forte “localia” se for jogar a Copa nos Estados Unidos pelo grande número de imigrantes ali instalados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Fabio Perina

Palmeirense. Graduado em Ciências Sociais e Educação Física. Ambas pela Unicamp. Nunca admiti ouvir que o futebol "é apenas um jogo sem importância". Sou contra pontos corridos, torcida única e árbitro de vídeo.

Como citar

PERINA, Fabio. A “nova-velha” crise no futebol peruano. Ludopédio, São Paulo, v. 165, n. 9, 2023.
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