Certa vez fui num clássico sem escolta, na casa do adversário, vestido à paisana. Nunca senti tanta emoção, tesão e adrenalina para ir em um jogo. Sentia minha barriga fria, o coração saindo pela boca, parecia que tinha borboletas nela. Acho que nem os apreciadores de esportes radicais sentem mais emoção e medo do que atravessar pela torcida adversária, passando lado a lado do seu principal rival. Tem que ser muito louco ou muito apaixonado pelo seu time.

Falando em paixão, eu sinto o mesmo frio na barriga quando estou apaixonado, a mesma emoção, o mesmo medo do outro. Um outro que não sei o que pode fazer com meu coração, com as minhas expectativas, com as minhas feridas abertas de vivência de outras partidas jogadas pela vida, que muitas vezes foram perdidas. Cicatrizes que demoraram para fechar mais do que a cacetada na cabeça que tomei de um policial num Gre-Nal.

Se apaixonar é tipo ir num clássico sem escolta, nos atiramos num voo suicida, esperando uma felicidade utópica, uma vitória, um abraço ou somente a adrenalina viciante. Às vezes, na maioria das vezes, o clássico sem escolta não acaba como pensamos. Às vezes, na maioria das vezes, se apaixonar acaba não sendo recíproco, machucando mais que uma dor física.

Montevidéu
Fonte: Daniel Pillar/ Montevidéu, Uruguai, 2019

Já presenciei vitórias improváveis do meu time na arquibancada, já vivi paixões que parecia um gol da final de Libertadores da América. Coisa de louco. Numa mesma arquibancada presenciei rebaixamentos, goleada do principal rival, furtos e até mesmo fui retirado da bancada por comprar um ingresso falso de um cambista contrabandista platino. Uma loucura só.

Numa partida da vida, a paixão pelo outro, já me dilacerou mais do que todas as derrotas do meu time. A vida de um torcedor não é melhor num país vizinho. Certa vez, no Chile, um carabineiro não gostou da minha camisa e com palavras que pouco entendia jogou- me para fora da cancha. Nessa noite gélida e chuvosa, órfão de lugar, conheço alguém. Entre português e espanhol, as línguas se entrelaçam no país do Allende. O sofrimento também. Entre uma e outra cerveja morna num boteco fétido do centro de Santiago, ela, desapareceu como névoa. Fiquei sem olhar o jogo, sem a paixão recém conquistada e sem lugar para ficar.

A paixão e o torcer caminham de mãos dadas, muitas vezes é tão bom ser torcedor. Muitas vezes é tão bom se apaixonar. Ser torcedor é poder cantar e alentar para os quatros lados do mundo que ama aquela equipe. A paixão não é diferente. Como é bom cantar uma música pensando na pessoa amada, falando para todos da sua volta que está vivendo um romance, um novo amor.

Como é triste ser torcedor, também. Como é triste os preços dos ingressos, como é triste ficar na porta do estádio olhando os outros entrarem. Como é dolorido um rebaixamento. A paixão não difere. Como é aflitivo ter uma paixão não correspondida, como é atroz uma mentira da pessoa amada.

Amar e torcer são verbos. Amar e torcer é dolorido. Torcer e amar é tão bom. Torcer e amar faz com que tenhamos motivação para viver, alimenta a alma e dá sentido ao mundo tão injusto.

O amor e o torcer não se separam.
Nem no estádio, nem na vida.

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Elias Cósta de Oliveira

Historiador, professor, doutorando, pesquisador, sócio inadimplente, amor platônico por um time de bairro e apreciador de batidas de limão.Participante do STADIUM (Grupo de Estudos de História do Esporte e Práticas Lúdicas) da Universidade Federal de Santa Maria/RS

Como citar

OLIVEIRA, Elias Cósta de. A paixão do torcer: o alento do amor. Ludopédio, São Paulo, v. 159, n. 8, 2022.
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