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A rivalidade entre Brasil e Argentina no imaginário do futebol da Paraíba de 1950

Manchete da página de Esportes de O Norte (PB) em 1951, no dia da partida entre um combinado Auto Esporte-Botafogo-PB contra o Chacarita Juniors da Argentina. Foto: Reprodução/Biblioteca Nacional/O Norte

A rivalidade é algo inerente a qualquer atleta, seja ele protagonista em um esporte individual ou coletivo, afinal o principal objetivo em qualquer disputa é vencer. No futebol não seria diferente, até porque a popularidade conquistada pela modalidade provoca a criação deste cenário, que se reflete desde campeonatos locais, onde se envolvem times de bairros ou da cidade e, ao mesmo tempo, faz com que o mundo pare há cada quatro anos por causa da Copa do Mundo.

Ao se tratar do principal torneio de futebol do planeta, a comparação entre a história e as atuações das seleções nacionais ao longo do tempo se tornam inevitáveis nas discussões entre torcedores, ou até mesmo protagonizadas por comentaristas esportivos.

Neste contexto, uma das rivalidades envolve as seleções pentacampeã do Brasil e bicampeã da Argentina. Países vizinhos, que se tratam como ‘hermanos’, mas que dentro do campo de jogo alimentam disputas que não começaram recentemente, indo desde o potencial de cada seleção, até confrontos que indagam quem foi melhor: Pelé ou Maradona?

O historiador Álvaro Vicente do Cabo, em entrevista ao jornal O Globo para falar do lançamento do seu livro ‘Argentina 78 – Uma Copa do Mundo Política, Popular e Polêmica’, garante que essa rivalidade já existia em anos anteriores ao Mundial de 1978, mas a situação estabelecida na época apresentava uma certa afeição pelo futebol brasileiro e, por outro lado, a seleção alviceleste ainda não se apresentava como uma das grandes potências do futebol mundial.

Nas Copas de 78 e 82, o que eu vi nos veículos argentinos que consultei foi uma admiração pelo futebol brasileiro, principalmente por aquela ideia do futebol arte do time de 70. O Pelé era colunista do diário “Clarín” nas Copas de 78 e 82, e sempre foi recebido como uma superestrela na Argentina. Além disso, o grande rival do Brasil até então era o Uruguai, especialmente por causa da Copa de 1950[1].

Baseado no que o autor descreve, que existiam aspectos da rivalidade entre Brasil e Argentina já na década de 1950, apesar de não serem os grandes arquirrivais, se buscou identificar de que forma isto influenciava, por exemplo, nas disputas do futebol brasileiro, utilizando como foco o futebol paraibano.

Os confrontos entre brasileiros e argentinos na Paraíba

A década de 1950 era propícia ao desenvolvimento do futebol no país, afinal o Brasil acabara de sediar pela primeira vez a Copa do Mundo masculina da modalidade. O cenário na Paraíba também deveria seguir este mesmo ritmo, inclusive com a criação da Federação Paraibana de Futebol (FPF) em 1947, além de alguns dos seus principais clubes já instituídos desde as três décadas anteriores.

Entretanto, Marques (1975) e Medeiros (2006) apontaram condições pouco favoráveis para o progresso do futebol no estado, como a decisão da FPF de não realizar o Campeonato Paraibano em 1951 e no início do ano seguinte, o presidente da entidade renunciar à presidência somente após um ano da sua eleição.

Segundo Medeiros (2006, p. 103), “a Federação Paraibana de Futebol, sem nenhum motivo aceitável, não realizaria o Campeonato Paraibano”, se referindo ao Estadual de 1951. Sendo assim, a saída para alguns clubes foi marcar amistosos contra times nacionais e internacionais. Faz-se necessário destacar que nos registros encontrados nesta pesquisa, até o momento, os times paraibanos não tinham enfrentado adversários estrangeiros. As disputas em jogos não-oficiais eram restritas a equipes do Nordeste, principalmente dos vizinhos estados de Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Por coincidência ou não, quatro times paraibanos realizaram jogos contra argentinos em 1951: Botafogo da Paraíba e Treze enfrentaram o Vélez Sarsfield, enquanto que Miramar e Auto Esporte tiveram como adversários equipes formadas por trabalhadores de navios argentinos, que ancoravam no porto de cargas localizado na cidade de Cabedelo, na Paraíba.

Titulares do Treze, no primeiro jogo internacional da história do time paraibano, contra o Vélez Sarfield-ARG. Foto: Reprodução/Acervo Luís Marinho

Os traços da rivalidade entre Brasil e Argentina no futebol paraibano, identificados até então, registram o primeiro duelo no dia 18 de fevereiro de 1951. Na ocasião, o Miramar Esporte Clube enfrentara um selecionado argentino, formado por trabalhadores dos navios ‘Campero’ e ‘Lancero’, que estavam ancorados no Porto de Cabedelo, cidade localizada no Litoral Norte da Paraíba.

Resultado da partida entre Miramar e uma seleção de tripulantes dos navios argentinos Campero, ancorado no Porto de Cabedelo, na Paraíba. Foto: Reprodução/Biblioteca Nacional/O Norte

Dois dias depois, a edição do jornal O Norte trouxe um relato da vitória do time paraibano por 5 x 1. A publicação apresentou que este jogo, especificamente, era aguardado com um sentimento de revanche, já que no último encontro entre o Miramar de Cabedelo e o navio ‘Campero’, os argentinos sagraram-se vencedores:

A partida estava esperada com certa anciedade porque da última visita do “Campero”, o seu time quase surpreendeu o Miramar. Desta vez, porém, o alviverde se apresentou mais arregimentado conseguindo impor a sua classe sobre os nobres visitantes (O NORTE, 1951, p. 7)[2].

O mesmo texto revelou que estas disputas contra times formados por tripulantes dos navios que desembarcavam mercadorias na cidade de Cabedelo eram eventos frequentes no futebol paraibano:

Em geral os navios de nacionalidade argentina que transitam por Cabedêlo, possuem a bordo quadros do futebol demonstrando desta maneira, o amôr que os platinos têm ao belo esporte inglês. Por isto, já se tornou comum as disputas de partidas amistosas entre os filhos da terra de Perón com os times cabedelenses, cabendo no entanto ressaltar que muitas das vezes os argentinos têm levado a melhor nas lutas travadas nos gramados praieiros (O NORTE, 1951, p. 7)[3].

Fundado em 1928, o Miramar Esporte Clube ainda não havia disputado o Campeonato Paraibano, diferente do Auto Esporte Clube, que também enfrentou um selecionado argentino, mas já se destacava como uma das importantes agremiações do futebol estadual.

O ‘Clube do Povo’, como é chamado o Auto Esporte, foi o segundo registro encontrado por esta pesquisa, como equipe paraibana que disputou algum jogo contra times argentinos. Neste caso, o confronto aconteceu no dia 13 de agosto de 1951 e os jogadores adversários eram da tripulação do ‘Punta del Loyola’, barco também ancorado no Porto de Cabedelo.

Mello (2017) confirmou que esta foi a primeira disputa internacional do Auto Esporte, mas em seu livro, não detalha nada sobre este acontecimento. Marques (1975) afirmou que o Clube do Povo venceu por 5 x 1 e o relato mostra que o jogo foi bem mais organizado, em relação ao que ocorreu entre Miramar e as tripulações dos outros navios argentinos.

No mesmo ano de 1951, entre os dias 13 e 16 de dezembro, Botafogo da Paraíba e Treze, respectivamente, também entrara para esta lista de times paraibanos que jogaram contra adversários argentinos. Ambos enfrentaram o Vélez Sarsfield, diferente de Miramar e Auto Esporte, que atuaram diante de eqiopes formadas por tripulantes dos navios que passavam pela Paraíba.

Veículos de comunicação e outros repositórios com informações históricas mostraram que em 1951, o Vélez Sarsfield esteve no Brasil participando de aproximadamente nove amistosos e especificamente no Nordeste, o time argentino disputou sete destes confrontos. Na Paraíba, os dois eventos aconteceram no Estádio da Graça, em João Pessoa. Apesar do Treze ser de Campina Grande e na época já ter o seu próprio estádio, Medeiros (2006) contou que a visita do Vélez Sarsfield estava sendo paga pelo Botafogo da Paraíba:

A razão deste encontro ser realizado na capital do Estado foi o fato do mesmo ter sido “bancado” pelo Botafogo de João Pessoa, que contratara o time argentino para dois jogos na capital, sendo um contra o Treze. Pela importância do evento, além de não haver despesa alguma para si, o Galo da Borborema partiu para o desafio (MEDEIROS, 2006, p. 105).

Uma notícia publicada na edição do dia 03 de dezembro de 1952 do jornal O Norte reforça a afirmação de Medeiros (2006), sobre o pagamento dos custos para que houvessem os jogos contra o Vélez Sarsfield. O mais curioso é que nos dois jogos contra o time argentino, Botafogo da Paraíba e Treze perderam exatamente pelo mesmo placar: 3 x 2.

Com o intuito de continuar promovendo desafios contra equipes internacionais, transformando os amistosos em grandes eventos, os dirigentes José Américo Filho[4] e Luciano Leal, ambos ligados ao Botafogo da Paraíba à época, pensavam na quantidade de ingressos que poderiam ser vendidos, de acordo com registros feitos pela imprensa paraibana à época.

Em janeiro de 1953, a ideia foi trazer mais um clube argentino, desta vez o Chacarita Juniors. Para prestigiar mais de um time da Paraíba, a ideia foi montar uma seleção com jogadores de Auto Esporte e Botafogo. Os visitantes venceram por 4 a 2 e um dos traços da rivalidade entre Brasil e Argentina veio da torcida:

O público, então, numa atitude que não se justifica e merece a nossa censura, entrou a “mimosear” o apitador e jogadores portenhos como “amabilidades” nada recomendáveis, numa demonstração de falta de hospitalidade e cordialidade esportiva, que muito depõe contra nós (O NORTE, 1953, p. 7).

No mesmo ano, os dirigentes ainda tentaram promover mais um evento, agora contra o Platense-ARG, mas sem sucesso. De acordo com a edição de O NORTE, publicada em 04 de novembro de 1953, o motivo foi o valor cobrado pelo empresário Sanchez Diez, que funcionava como intermediador entre os times argentinos e os dirigentes da Paraíba.

 

Notas

[1] O nascimento da arquirrivalidade entre Brasil e Argentina na década de 70

[2] A grafia de algumas palavras pode apresentar erros, em relação a Língua Portuguesa, pois o trecho foi transcrito de acordo com a publicação do jornal.

[3] Cf. nota 2.

[4] Foi atleta e dirigente do Botafogo Futebol Clube e morreu em um acidente automobilístico em 1973. É homenageado com o seu nome na mais importante praça esportiva de João Pessoa, capital da Paraíba: Estádio José Américo de Almeida Filho (Almeidão), construído pelo Governo do Estado da Paraíba em 1975.

 

Referências

MARQUES, Walfredo. A história do futebol paraibano: 60 anos (1908 – 1968). João Pessoa: A União, 1975.

MEDEIROS, Mario Vinícius Carneiro. Treze Futebol Clube: 80 anos de história. João Pessoa: A União, 2006.

MELLO, José Octávio de Arruda (org.). Na saga do Autinho do Amor ou as peripécias do Macaco Altino. João Pessoa: A União, 2017.

Jornal O NORTE, 20 de fevereiro de 1951 (terça-feira) – p. 7 – O Miramar venceu os argentinos por 5 x 1.

Jornal O NORTE, 05 de janeiro de 1953 (segunda-feira) – p. 7 – Vitorioso o “Chacarita Juniors”.


** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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Raniery Soares Lacerda

Mestre em Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), especialista em Jornalismo Esportivo pela Faculdade Cruzeiro do Sul e jornalista pelas Faculdades Integradas de Patos (FIP). Paraibano de Patos, foi repórter da Rádio CBN Paraíba, além de repórter e editor de Esportes do Correio da Paraíba e do Globo Esporte Paraíba. Entre as suas reportagens de destaque está a cobertura da Operação Cartola, considerado o maior escândalo de corrupção da história do futebol brasileiro. Atua como professor dos cursos de Jornalismo e Publicidade do Centro Universitário do Vale do Ipojuca (Unifavip), é membro da Rede Nordestina de Estudos em Mídia e Esporte (ReNEme) e pesquisa temáticas ligadas a futebol, história, jornalismo impresso, telejornalismo e radiojornalismo.

Como citar

SOARES, Raniery. A rivalidade entre Brasil e Argentina no imaginário do futebol da Paraíba de 1950. Ludopédio, São Paulo, v. 138, n. 33, 2020.
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