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Andaraí: Um pedaço da memória esportiva do futebol carioca

João Azevedo 27 de junho de 2016

Hoje, o futebol carioca carece de bons estádios para realizar partidas importantes tanto em nível nacional quanto em nível internacional, ou mesmo regional. Contudo, nem sempre foi assim. Assim que começaram a surgir as primeiras ligas na primeira década do século passado, a reboque surgiram inúmeros estádios de futebol. Mesmo porque muitas dessas ligas exigiam dos clubes filiados a construção de sua própria praça esportiva.

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Campo do Andarahy Athletico Club em 1917.

Assim ocorreu com o Andarahy Athletico Club, que foi fundado por funcionários da Fábrica Cruzeiro de tecidos, pertencente ao grupo América Fabril, em 9 de novembro de 1909. O Andarahy foi um importante clube da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, pois, além de ter participado da principal liga de futebol da cidade junto aos grandes clubes, construiu em 1913 um importante estádio para a região. Em 1917, já na primeira divisão da Liga Metropolitana de Desportes Terrestres, o Andarahy viu a necessidade de fazer melhorias em sua praça esportiva.

O estádio localizava-se na esquina da Rua Theodoro da Silva com a Rua Prefeito Serzerdello Correa, nº 198 (hoje Rua Barão de São Francisco). O local era bem servido por linhas de bondes, como podemos verificar nesta reportagem do jornal O Paiz, de abril de 1926, ao anunciar um torneio de futebol da Federação Athletica Bancária e Alto Commercio; “O campo em que será realizado esse certamen, será o do valoroso Andarahy A. C., um dos melhores desta capital, o qual por ser servido por innumeras linhas bond, é bem accessivel aos ’sport-men’ cariocas.” (10 de abril de 1926. p. 8).

O estádio do Andarahy foi utilizado também por outros clubes, notadamente da zona norte da cidade do Rio de Janeiro, como, por exemplo, o Vasco da Gama, num período anterior ao da construção do estádio de São Januário.

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Jogo válido pelo campeonato carioca de 1924 da AMEA. Revista O Malho.

Ao longo da década de 1930, no primeiro governo Vargas, o país passou por profundas mudanças sociais, políticas e econômicas que influenciaram o desporto nacional. O dissídio esportivo, como foi chamado na época pelos veículos de comunicação o entrave entre diferentes associações esportivas, foi um dos fatores decisivos para profundas mudanças no esporte brasileiro.

Defensores do amadorismo e defensores do profissionalismo mediram força por quase todo os anos 1930, no caso do futebol carioca, havia duas grandes ligas de futebol: enquanto a AMEA que era vinculada à CBD e defendia o amadorismo, a Liga Carioca de Football não foi reconhecida pela CBD e, em decorrência disso, fundou com ligas de outros estados a Federação Brasileira de Football (FBF), que defendia o profissionalismo.

Em 1938, após muitas mudanças, houve a fusão das duas ligas que assumiram o profissionalismo e, dessa forma, acabaram por excluir alguns clubes que não aderiram a sua formação. Ao ser descredenciado da recém criada Liga de Football do Rio de Janeiro, o Andarahy Athletico Club, que já passava por dificuldades financeiras, arrendou seu estádio para a Associação Atlética Portuguesa.

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Jornal dos Sports, 10 de março de 1938.

A A. A. Portuguesa foi fundada em 17 de dezembro de 1924 por trabalhadores portugueses do ramo de Secos e Molhados da Rua do Acre, na praça Mauá, centro do Rio de Janeiro. Antes de arrendar o estádio no bairro do Andaraí, o clube mandava seus jogos no campo do América, na Rua Campos Salles, ou em um estádio mais modesto na Rua Moraes e Silva. Ambos os endereços ficam no bairro da Tijuca, próximo ao Andaraí.

Após um decreto do presidente Jânio Quadros, que limitava as corridas de cavalos aos sábados e domingos, houve uma decadência no turfe nacional, que culminou no fechamento das portas do Jockey Clube Guanabara. O clube luso viu a possibilidade de ali erguer seu próprio estádio, já que o estádio no Andaraí era arrendado. Assim, a A.A. Portuguesa comprou o terreno do Jockey e inaugurou o estádio Luso Brasileiro em 2 de outubro de 1965, em partida contra o Vasco da Gama. O jogo reunindo a equipe cruzmaltina e a Portuguesa era válido pelo estadual daquele ano e foi vencido pelo Vasco, pelo placar de 2×0.

No início dos anos de 1960, o América Football Club viria a se tornar proprietário do estádio no Andaraí, que após sofrer reformas passou a ser chamado Estádio Wolney Broune. Foi inaugurado somente em 1967, em uma partida de equipes juvenis do Fluminense e do América, terminando o jogo com o placar de 1×1.

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Estádio Wolney Braune, antigo campo do Andaraí. Ao fundo, Igreja Santo Antônio de Lisboa. Foto: André Luiz Pereira Nunes.

O América Football Club foi fundado em 18 de setembro de 1904 por sete jovens que estavam descontes com os rumos do Clube Atlético da Tijuca, associação à qual os mesmos pertenciam. Em 1911, ao fundir-se com o Haddock Lobo Football Club, o América passa a ser dono do estádio que ficava na Rua Campos Salles, na Tijuca. Esse estádio foi sua praça esportiva até os anos de 1960, quando o clube adquiriu o terreno do antigo estádio do Andarahy Athlético Club.

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Vista do alto do Morro de Santo Antônio, o Estádio Wolney Broune. Ao fundo e à direita o já verticalizado bairro de Vila Isabel, mais ao fundo o bairro do Grajaú e, em primeiro plano à esquerda, o conjunto de prédios “Tijolinho” que foi erguido pelo BNH após adquirir o terreno da Fábrica Cruzeiro de Tecidos.

É interessante notar, que o estádio Wolney Broune está localizado entre três bairros. Na época em que o Andarahy Athletico Club construiu ali sua praça de esportes, não havia muita dúvida em relação à localização do bairro. Todavia, basta caminhar alguns metros dali e já se encontra o planejado Boulevard 28 de Setembro, que pertence ao bairro de Vila Isabel.

Com o passar dos anos, as especulações imobiliárias, os interesses comerciais e a associação do bairro Andaraí com a favela de mesmo nome foram, de certa maneira, diminuindo o tamanho do bairro. Desta maneira, muitas pessoas passaram a se referir ao estádio como pertencente ao bairro de Vila Isabel.

Não por acaso, a escola de samba GRES Unidos de Vila Isabel utilizou, durante alguns anos, até 1987, o espaço do estádio para promover festas e ensaios da escola. Curiosamente, em 1988, ano em que a agremiação branca e azul venceu seu primeiro carnaval, a escola já ensaiava na rua.

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Esquina da Rua Barão de São Francisco e com Theodoro da Silva. 1986.

No início dos anos 1990, o América acabou vendendo o terreno do estádio por 13 milhões de dólares para uma empresa que ali construiu o Shopping Iguatemi, hoje Shopping Boulevard Rio. Em troca, o clube ganhou ainda um terreno na baixada fluminense, em Mesquita, para construir seu novo estádio. O estádio Giulite Coutinho foi inaugurado em 23 de janeiro de 2000 com uma vitória do América sobre uma seleção carioca por 3×1.

Depois de um século, o local não mais abriga nenhum estádio de futebol. Hoje em dia, já desapareceram muitas agremiações esportivas na cidade do Rio de Janeiro. O Andarahy Athletico Club é uma delas. Notamos também que os clubes cariocas, em sua maioria, quando possuem estádio próprio, este não tem capacidade para abrigar seus torcedores, ou não há segurança para se realizar a partida. O conceito de espetáculo esportivo mudou bastante, notadamente, na virada do século XX para o XXI. Enquanto alguns torcedores lembram com saudades dos tempos em que os jogos eram sempre realizados nos velhos estádios com arquibancada de cimento bem próximas ao campo de jogo, outros torcedores vão dando vida às novas arenas modernas e ao novo conceito de assistir futebol.

 

Fontes:

AZEVEDO, J. P. O Andarahy Athletico Club – Futebol e outros divertimentos no bairro do Andaraí (1909-1938). Projeto em andamento vinculado ao programa de Estudos do Lazer na UFMG.

Jornal dos Sports, 10 de março de 1938.

https://historiadoesporte.wordpress.com/2012/12/24/andarahy-athletico-club-um-clube-de-fabrica-ou-um-clube-da-fabrica/

Http://torcidasdovasco.blogspot.com.br/2014/07/vasco-1924-campeonato-carioca-ltdm.html

http://americarj-blog.blogspot.com.br/2012/12/america-ameacado-de-perder-sua-sede_28.html

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Ludopédio.
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João Azevedo

Mestrando em Estudos do Lazer pela UFMG. Graduado em Educação Física pela Universidade Gama Filho-RJ. Membro pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Futebol, Linguagens e Artes (FULIA), da UFMG.

Como citar

AZEVEDO, João. Andaraí: Um pedaço da memória esportiva do futebol carioca. Ludopédio, São Paulo, v. 84, n. 12, 2016.
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